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Hotéis devem remunerar artistas pelas músicas tocadas nos aposentos

Por Clarisse Escorel e Rodrigo Salinas
Atualização:
Clarisse Escorel e Rodrigo Salinas. Foto: Divulgação

Muito se tem discutido sobre a revisão da Lei do Turismo, por meio do Projeto de Lei nº 1.829/2019, que visa isentar os hotéis do pagamento dos direitos autorais pela sonorização dos aposentos. A aprovação deste projeto acarretaria um prejuízo de R$ 110 milhões anuais para mais de 100 mil compositores, intérpretes e músicos. Tais valores seriam retirados da classe artística musical sem que isso acarretasse a diminuição do valor das diárias dos hotéis, representando, única e exclusivamente, um benefício injustificado para o empresariado.

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A cobrança que hoje é direcionada pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), em nome da classe artística ao setor hoteleiro, se dá respaldada pela jurisprudência e a legislação em vigor. A Lei de Direitos Autorais 9.610/1998, que pauta o trabalho da instituição, prevê que hotéis são locais de frequência coletiva, não importando se a música é tocada em áreas comuns ou aposentos. A rotatividade que caracteriza a ocupação dos quartos de hotéis, que são ocupados por diversas pessoas ao longo do ano, faz com que o fato de serem ocupados de maneira individual por cada hóspede seja irrelevante para a sua caracterização como local de frequência coletiva. A música disponibilizada nos quartos, seja na programação musical de rádio ou tv, é sem dúvida alguma um atributo importante para o maior conforto dos clientes, agregando valor ao negócio e tornando devida e justa a retribuição aos criadores das obras musicais.

A lei de direito autoral brasileira prevê que são devidos direitos autorais sempre que as obras musicais e fonogramas sejam apresentados ao público direta ou indiretamente. A apresentação direta pressupõe a oferta da música diante do público, como ocorre em shows ao vivo. Já a apresentação indireta pressupõe a apresentação musical gravada e transmitida por qualquer meio ou processo, como a televisão, o rádio, o cinema ou a internet. Portanto, o direito de execução pública não exige que a música seja transmitida sempre diante do público; o que importa é que a música esteja disponível para o público.

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já pacificou o entendimento de que é legítima a cobrança dos direitos autorais pelas músicas que são tocadas nos quartos dos hotéis, já que estes são considerados espaços públicos. Há alguns anos o Ecad vem obtendo êxito nas ações judiciais contra empresas do setor hoteleiro.

Serviços de hospedagem oferecem a seus clientes um ambiente agradável e confortável no qual as pessoas desejam estar e permanecer. Para tanto, esses estabelecimentos oferecem quartos confortáveis, limpos e algumas amenidades, como o acesso a uma programação audiovisual variada, que fazem parte do serviço prestado pelo estabelecimento e, por isso, são cobradas e pagas pelos hóspedes. Do ponto de vista econômico, não faz sentido a inferência de que tais amenidades não façam parte do serviço que é oferecido.

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As criações artísticas são bens como quaisquer outros, com a diferença de que a lei determina que sejam controladas por seus criadores, e para isso lhes confere um poder de exclusividade, o qual se traduz nos direitos autorais.

Existe um conceito no direito autoral relativo à independência das formas de utilização, ou seja, na medida em que o titular de direitos detém a exclusividade da utilização da sua obra, presume-se que a cada forma de utilização possível corresponderá um direito autoral específico, e que as licenças são específicas para usos determinados.

A utilização da programação radiofônica e televisiva por esses estabelecimentos e, por via de consequência, das músicas incluídas nessa programação, atende a uma finalidade econômica distinta daquela exercida pelas próprias emissoras, daí a necessidade de haver uma nova autorização dos titulares de direitos autorais e uma nova remuneração.

O Ecad acredita e defende a justa e devida remuneração aos artistas por suas criações. A cobrança de direitos autorais direcionada a hotéis utiliza a taxa média de ocupação anual e a média diária de utilização de aparelhos de TV e rádio aferidas pelo Instituto Ibope. O pagamento feito pelos hotéis nada mais é do que a contrapartida pela utilização do trabalho de milhares de artistas que têm suas obras e fonogramas explorados economicamente por esses estabelecimentos.

Entidades como a CISAC (Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores), OAB (Ordem dos Advogados de Brasil) e Procure Saber expressaram, através de cartas e manifestos, sua preocupação sobre as consequências deste projeto. O Ecad apoia reformas que beneficiem o desenvolvimento do turismo e a economia do país, mas não pode permitir que isso seja feito às custas dos artistas. Como qualquer outro profissional, eles precisam viver do seu trabalho e o direito autoral é um instrumento essencial para incentivar a criação, sendo uma das principais formas de remuneração para a classe musical.

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*Clarisse Escorel é advogada, formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e com mestrado em Direito Internacional pela USP. É especializada em Propriedade Intelectual e é gerente executiva Jurídica do Ecad.

*Rodrigo Salinas é sócio do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados. É mestre em Direito pela FGV-SP, Master of Laws pela Columbia University, de Nova York, e bacharel em Direito pela USP. É professor do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da FGV Direito SP.

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