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Há obrigatoriedade da vacinação de empregados contra a covid-19?

Por Maria Beatriz Vieira da Silva Gubert
Atualização:
Maria Beatriz Vieira da Silva Gubert. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  

Com a recente aprovação emergencial da vacinação contra a COVID-19 pela ANVISA, uma questão começou a ser alvo de discussão e dúvidas entre os operadores de direito: a licitude da exigência, pelo empregador, da obrigatoriedade da vacinação dos empregados contra a COVID-19.

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Decidiu o STF, em dezembro último, no julgamento das ADIs 6586 e 6587 e ARE 1267879, que o Estado pode determinar que a vacinação da população contra a Covid-19 seja obrigatória, afastando, contudo, medidas invasivas e o uso da força para exigir-se a imunização.  Autorizou a excelsa Corte, assim, a vacinação compulsória, mas não forçada.

Para o Ministro Lewandowski, o Estado é obrigado a proporcionar a toda a população interessada o acesso à vacina para prevenção da Covid-19. E disse mais: a saúde coletiva "não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão egoisticamente beneficiárias da imunidade de rebanho".

No mesmo sentido, o voto do Ministro Barroso, que defendeu o direito à saúde coletiva e, no particular, das crianças e dos adolescentes, o qual deveria prevalecer sobre a liberdade de consciência e de convicção filosófica, reputando ilegítimo que, na defesa de um direito individual, vulnere-se o direito da coletividade.

O recurso analisado discutia se pais, veganos e contra intervenções médicas invasivas, que teriam deixado de cumprir o calendário de vacinação determinado pelas autoridades sanitárias, poderiam deixar de vacinar seus filhos menores de idade, com fundamento em convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais. Como compatibilizar esse entendimento do STF com o Direito do Trabalho e com os direitos e obrigações oriundos das relações de trabalho, já que a discussão travada não adentrou tal aspecto?

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Vacinação obrigatória, em prol da defesa da coletividade, quer implicar, no plano das relações de trabalho, que o empregado tenha que, compulsoriamente, se submeter à vacina contra  COVID? Mais: o empregador pode exigir do empregado a vacinação e a respectiva comprovação? O que ocorre se o empregado decidir não se vacinar, mesmo se alertado a fazê-lo?

É fato incontestável que compete ao empregador a manutenção do ambiente de trabalho sadio, conforme os artigos 7o., XXII, CF, e 159, CLT, aí se incluindo, em tempos de pandemia do coronavírus, o fornecimento de EPIs, como álcool em gel, máscaras, etc. Estariam as vacinas inseridas nessas medidas de prevenção, podendo o empregador exigir a vacinação contra a COVID, como condicionante ao retorno ao trabalho presencial, por exemplo?

Pode um empregado ajuizar uma ação buscando a responsabilidade direta do empregador, no caso de eventual contaminação da COVID-19 na empresa, ao argumento de que o empregador absteve-se de adotar medidas de prevenção, como a exigência da vacinação compulsória dos empregados?

Por outro lado, pode o empregado alegar discriminação, caso não venha a ser contratado por fazer parte da política da empresa a exigência do certificado de vacinação contra a COVID-19? Ou, ainda, pode um empregado questionar a aplicação de penalidades, ou mesmo de dispensa motivada, em virtude de não se submeter à vacinação obrigatória?

Até que ponto vai o direito do empregado em não querer se vacinar e mesmo assim obter um emprego numa empresa que exige a vacinação ou, ainda, mantê-lo, em relação ao dever da empresa de zelar por um ambiente de trabalho hígido e sadio, fazendo uso, para tanto, da exigência da vacinação?

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É o empregador o detentor dos meios de produção e do poder diretivo, quanto à organização das normas do trabalho, exigências para a contratação e manutenção dos empregos, política de aplicação de penalidades, incluída aí a aplicação de justas causas, dentre outros.

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Tais normas, presentes no regulamento empresarial ou mesmo num instrumento de compliance, são válidas desde que não importem em abuso de direito. Nesse sentido, parece razoável admitir que o empregador possa exigir a vacinação dos empregados, com a apresentação do certificado de vacinação, sob pena de adoção de medidas disciplinares que, ao final, poderão importar em eventual justa causa de indisciplina ou insubordinação.

Na esteira do que o STF entendeu no julgamento realizado em dezembro, o Estado pode impor restrições a quem se recusa a ser vacinado, como limitação de circulação, restrição de acesso a eventos e a escolas públicas, etc. Mutatis mutandis, por que não poderia o empregador impor restrições a seus empregados, como forma de garantir a saúde de todo o coletivo de trabalhadores na empresa?

Não se está a defender aqui, assim, a vacinação forçada, que foi rechaçada pelo STF, mas a restrição de direitos a empregados que se recusam à vacinação obrigatória. Nesse particular, vale ressaltar que a exigência do certificado de vacinação não é novidade, uma vez que a Portaria 597/04, do Ministério da Saúde,  para o fim de contratação trabalhista, já autorizava "...as instituições públicas e privadas a exigir a apresentação do comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III (art. 5o. Parágrafo quinto)".

Seguindo o mesmo norte, a Lei n. 13979, sancionada em 06/02/20, já estabelecia no artigo 3o., III,  a compulsoriedade de vacinação e outras medidas de saúde pública com o objetivo de enfrentamento da pandemia do Coronavírus. O próprio artigo 158, parágrafo único, da CLT, prevê que o empregador pode penalizar o empregado que se recusa a utilizar EPIs, norma que, por analogia, pode ser utilizada àquele que se recusa à vacinação, uma vez que busca proteger o meio ambiente laboral e a coletividade de trabalhadores.

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Assim, se o empregado escolhe não se vacinar, terá que arcar com o custo de sua escolha. Obviamente, há que se ponderar que poderá haver empregados que, por questões pessoais médicas (ex. gestantes, lactantes, portadoras de doenças autoimunes, etc), não poderão se vacinar - e aí não há como prevalecer a exigência da vacinação.

Igualmente, outras situações podem ocorrer que excepcionem a regra geral, mas são exceções, que serão analisadas caso a caso, e não têm o condão de invalidar a regra geral.

Porém, vale observar que a questão posta não tem unanimidade entre os operadores de direito, sendo deveras polêmica,  notadamente porque entendem, os defensores da corrente contrária, que há colisão entre o direito individual do empregado de não se vacinar e o direito/dever do empregador de estabelecer a política de adoção de medidas de prevenção e combate ao contágio de doenças, em especial da COVID-19, havendo aí equivalência de direitos.

Nada obstante, a questão posta envolve a utilização de ponderação, bom senso, razoabilidade, sem menosprezar a questão da saúde pública, interesse coletivo, e respeito a políticas empresariais e ao poder diretivo de que é dotado o empregador, guardião e responsável por manter ambiente de trabalho seguro e sadio.

Nunca foi tão importante pensar no coletivo, mais do que no individual.

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Uma boa saída seria a formalização de acordos ou convenções coletivas no particular, regulamentando a matéria, como muitos sindicatos e empresas já fizeram à época da pandemia, para regular questões controvertidas, além de amplas campanhas de conscientização pelo empregador.

Talvez dessa forma, possa haver uma maior segurança jurídica sobre o tema, impedindo a judicialização da matéria, porquanto, com o início da vacinação no país, empregados e empregadores se verão, cada vez mais, frente a frente com essa questão.

*Maria Beatriz Vieira da Silva Gubert, juíza do Trabalho do TRT/12 (Santa Catarina), LLM em Direito Comparado pela Universidade de Miami, professora de cursos de pós-graduação e cursos de prática material e processual trabalhista, Conselheira Pedagógica da EJUD12

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