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'Green energy' como condição para o desenvolvimento sustentável

A importância do estímulo a políticas públicas que promovam pesquisa, desenvolvimento, adoção e difusão de novas tecnologias aptas a aumentar a representatividade da energia sustentável

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Por Pedro Gonet Branco e Maria Otero
Atualização:

Pedro Gonet Branco e Maria Otero. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

A agenda pública global reflete cada vez mais a necessidade de um desenvolvimento sustentável como condição para a plena realização da sociedade. A comunidade internacional demonstra preocupação com o tema desde 1968, quando o Clube de Roma publicou o relatório "Os limites do crescimento". Esse estudo previa que o crescimento econômico do século XXI provocaria radical redução da população mundial em decorrência da poluição, da perda de terras cultiváveis e da escassez de recursos energéticos.

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Para evitar esse quadro, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento publicou, em 1987, o Relatório Brundtland, também conhecido como "Nosso Futuro Comum", que formalizou pela primeira vez o conceito de desenvolvimento sustentável. Esse modo de organização das atividades produtivas humanas pretende garantir que a sociedade se desenvolva de tal forma que seja capaz de satisfazer as suas necessidades atuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades.

William M. Lafferty, cientista político norueguês que dedica suas pesquisas ao desenvolvimento sustentável, observou, com agudeza de espírito, que essa forma de avanço econômico, social e ecológico é como a democracia, isto é, "universalmente desejada, diversamente compreendida, extremamente difícil de alcançar e que não irá embora".

Apesar da difícil concreção de um modelo que permita incorporar em regras os princípios do desenvolvimento sustentável, é possível buscar soluções em determinadas áreas da vida em sociedade que ajudem a garantir um modo responsável de se progredir socioeconomicamente. Nesse sentido, em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Agenda 2030, plano de ação com 17 objetivos para promover o desenvolvimento sustentável. Um dos setores abordados pelo programa é o de energia, que corresponde ao objetivo n° 7 da Agenda (a promoção de energia acessível e limpa).

A crescente demanda energética exige, evidentemente, aumento na produção de energia global.[1] Em 2019, 84,3% da geração de energia veio do petróleo (33,1%), do carvão e semelhantes (27%) e do gás natural (24,2%). Apenas 15,7% veio de fontes renováveis e nucleares. A preocupação com essas fontes de energia não sustentáveis se deve à liberação de carbono na atmosfera decorrentes da sua conversão em energia, emissão essa que é associada a mudanças climáticas, como a chuva ácida, a poluição do ar e o desequilíbrio do efeito estufa.

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Nesse contexto de predomínio de fontes de energia não-renováveis, é particularmente importante que os países emergentes deem um salto rumo às soluções sustentáveis para garantir a preservação do meio ambiente. Apesar de os países desenvolvidos terem sido responsáveis por 79% da emissão histórica de carbono, segundo dados do Center for Global Development, atualmente são os países em desenvolvimento que mais emitem CO2, uma vez que o consumo de energia e a consequente emissão de poluentes aumentam conforme a economia se desenvolve.

O Brasil está bem situado no cenário global de energia, com 63,5% da eletricidade gerada em 2019 oriunda de fonte hidráulica. A geração termelétrica caiu 23,8%, se comparado com o ano anterior, ao passo que a geração fotovoltaica subiu 92,1%. Ainda assim, a energia solar corresponde a apenas 1,1% da geração nacional. Junto da energia eólica (8,9% do total), essas fontes sustentáveis representam 10% da capacidade energética instalada no Brasil.

A tendência é que essas fontes alternativas cresçam globalmente com o passar do tempo. Em março deste ano, por exemplo, o estado norte-americano de Nova Iorque encerrou sua última usina de carvão ainda em atividade. As principais petrolíferas europeias, em postura semelhante, passaram a investir em green energy e criaram metas para reduzir a emissão de carbono, algumas com objetivo de se tornarem Zero Net Energy (ZNE) até 2050, isto é, comprometimento para que o total de energia consumida por elas equivalha ao total de energia renovável gerada pela própria empresa.

Vale aqui a diferenciação entre energia sustentável (green/sustainable energy) e energia renovável (renewable energy). Enquanto a renovável compreende a energia originada em fontes que são naturalmente reabastecidas, como sol, vento e água; a sustentável leva em consideração também os impactos ambientais, econômicos e socioculturais provocados pela geração e transmissão da eletricidade. Nesse sentido, os biocombustíveis geram energia a partir de fonte renovável, embora não sustentável, dada a emissão de gás carbônico. Já a energia nuclear, apesar de não ser renovável, tende a ser sustentável, por não lançar carbono na atmosfera.

Há, ainda, exemplos de energia renovável que pode ou não ser sustentável, como a gerada em hidrelétricas. Ao mesmo tempo em que é renovável pela possibilidade de reutilização da água empregada na geração de energia, há vezes em que a necessidade de se inundar determinada área para o funcionamento das usinas faz com que exista impacto ambiental, econômico e sociocultural. Não há grande resistência em aceitar, no entanto, que a hidroeletricidade é melhor que a energia oriunda de combustíveis fósseis.

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Transição para a green energy

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Os especialistas mais esperançosos preveem para o futuro uma transição firme não só para energia de fontes renováveis, mas, principalmente, para energia gerada de forma mais "limpa", como a eólica e a solar.

Já há mecanismos variados e criativos que permitem aproveitar recursos naturais (como a luz do Sol e os ventos) para os converter em energia elétrica. Há tecnológicos e eficientes geradores de energia eólica espalhados por grandes áreas terrestres e oceânicas. Há também grandes fazendas de geração de energia solar, com tecnologia capaz de converter a luz do sol em eletricidade suficiente para abastecer cidades de pequeno porte durante o dia.

O aumento da representatividade da energia sustentável na matriz energética das cidades, no entanto, depende de aperfeiçoamento no seu armazenamento e transmissão, além de melhora na eficiência produtiva. Ao contrário da hidroeletricidade e da geração oriunda de combustíveis fósseis, que, via de regra, podem funcionar ininterruptamente, a energia solar e a eólica são intermitentes por dependerem de fatores externos e altamente variáveis: a luz do Sol e o fluxo de ar.

As placas fotovoltaicas, evidentemente, não funcionam durante a noite. Além disso, sua eficiência é reduzida em dias nublados, dada a menor incidência de luz solar. Há períodos do dia, no entanto, que a produção supera a demanda e parte da energia produzida é descartada. Para solucionar esse problema, programas de pesquisa e desenvolvimento buscam aprimorar a capacidade de se estocar essa eletricidade, seja pela criação de baterias capazes de acumular a produção energética excedente, seja pela conversão da energia gerada em tipos de energia mais fáceis de se armazenar.

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Um dos meios encontrados para essa finalidade destina a produção excedente para centrais hidrelétricas reversíveis. Esse procedimento consiste em utilizar a energia proveniente das placas fotovoltaicas para bombear água entre reservatórios de água em diferentes altitudes, armazenando-a em forma de energia potencial gravitacional, que pode ser convertida em energia elétrica nos períodos em que não for possível utilizar energia solar.

Deve-se ter em mente, ainda, que adicionar mais fontes de energia à matriz de uma nação aumenta sua resiliência energética. Tomando o Brasil como exemplo, país de dimensões continentais e altamente dependente de energia hídrica, percebe-se a necessidade dessa resiliência para que se evitem tanto os gastos excessivos com linhas de transmissão que alcancem todo o território nacional quanto eventuais desabastecimentos decorrentes de períodos de seca inesperados.

Uma possível solução para tanto é estimular (i) a produção de energia renovável comunitária para reforçar a capacidade energética local e (ii) a geração de energia individual, mediante instalação de painéis solares e de pequenos aerogeradores em residências e prédios comerciais - que abrem possibilidade até mesmo para que os cidadãos vendam o excesso de energia à rede e complementem sua renda.

Apesar das manifestas vantagens do aumento na geração de green energy, que impactam positivamente o clima global, a qualidade do ar, a saúde e o conforto dos seres humanos, os custos financeiros e sociais envolvidos e as dificuldades técnicas para se garantir o fornecimento de energia limpa em larga escala constituem barreiras perigosas para a efetiva adoção de um modelo mais sustentável de geração energética.

Para enfrentar esses desafios, são necessários incentivos públicos que mitiguem os altos custos de pesquisa, desenvolvimento, adoção e difusão de novas tecnologias aptas a aumentar a geração de energia limpa, de reduzir o preço dessa produção e de tornar mais eficiente o armazenamento e distribuição dela.[2]

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Nesse sentido, Hanna Breetz, Matto Mildenberger e Leah Stokes valem-se de uma curva de experiência decrescente, que traz no eixo vertical o preço de produção e no eixo horizontal a capacidade produtiva, para identificar possíveis estratégias políticas que permitam o desenvolvimento de tecnologias essenciais à transição da matriz energética atual para uma com maior percentual de energia sustentável.

Dividem essa atuação em três fases. Na primeira, a implantação global da solução encontrada é baixa e o custo das novas tecnologias é significativamente mais alto, se comparado com tecnologias existentes; na segunda, o custo das novas tecnologias é reduzido o suficiente para que sejam adotadas por um nicho do mercado, o que permite a formação inicial de demanda; na terceira, as novas tecnologias tornam-se competitivas em termos de custo em um mercado totalmente comercial.

Para cada momento, sugerem determinado modelo de intervenção política. No primeiro, as políticas públicas devem apoiar a inovação, a criação de protótipos e instalações pré-comerciais, de que são exemplo financiamento a programas de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), projetos de demonstração, compras públicas, subsídios para implantações pré-comerciais ou experimentais e programas de intercâmbio de conhecimento. No segundo, é preciso cultivar nichos de mercado e catalisar a adoção comercial da solução encontrada, por meio de incentivos fiscais, regulação e desenvolvimento de infraestrutura. No terceiro e último, as políticas públicas devem se pautar por corrigir as externalidades, garantir o acesso ao mercado e apoiar mudanças complementares no sistema.[3]

A Califórnia, nos Estados Unidos, é o grande exemplo mundial quanto ao cumprimento desse modelo. O governo californiano criou uma agência destinada ao planejamento de medidas que permitissem a transição energética para uma matriz mais limpa. Editaram normas, por exemplo, que criam a obrigação de que as construções de novas unidades residenciais sejam Zero Net Energy até o fim de 2020 e que as construções comerciais alcancem a mesma meta até 2030.

Além desses objetivos, a Califórnia foi a primeira região do planeta a determinar, em janeiro deste ano, a obrigatoriedade de que novas residências tenham sistema de placas fotovoltaicas como fonte de energia. Apesar de o California solar mandate abrir algumas exceções, ele representa a determinação do Estado em alcançar o objetivo de ser 100% abastecido por green energy até 2045.

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Esses exemplos apresentados demonstram que políticas de estímulo à energia sustentável, se bem aplicadas, são capazes de conciliar com particular engenho a proteção ambiental, a segurança energética, a redução de custos e o desenvolvimento econômico do país.

Posturas como essa tendem a afastar a preocupação dos fundadores do Clube de Roma quanto à incompatibilidade da vida saudável com o crescimento econômico. Compreender a importância de políticas públicas que estimulem o desenvolvimento de novas tecnologias, especialmente as voltadas ao aprimoramento de eficiência na geração e transmissão de energia, bem como no seu armazenamento, são fundamental passo para alcançarmos o desenvolvimento sustentável no longo prazo e deixarmos discussões como a travada aqui apenas nos livros de história.

*Pedro Gonet Branco, acadêmico de Direito (UnB). Editor-chefe da Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília (RED|UnB). Visiting-student na University of California Berkeley. Coordenador do programa Falando em Justiça (TV Justiça)

*Maria Otero, graduada Summa cum Laude em Environmental Economics and Policy e em Energy, Environment and Data, com minor em Energy and Resources pela University of California Berkeley. Consultora de Sustentabilidade. Engenheira de Projetos na New Sun Road

[1] Segundo dados da BP Statistical Review of World Energy, o consumo de energia global em 2019 cresceu 1,3% em comparação com o ano anterior, alcançando 162.195 TWh, que equivale ao consumo de cerca de 162 trilhões de quilowatt-hora (kWh). A título de comparação, um ar-condicionado de 12.000 BTU, funcionando 8 horas por dia, gasta 174 kWh por mês; uma geladeira de 2 portas, cerca de 55 kWh por mês; um computador, 16,2 kWh por mês.

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[2] Nesse sentido, estudo comandado por Daniel Kammen demonstra que o preço de produção de energia solar cai 20% cada vez que se duplica a capacidade produtiva desse tipo de geração elétrica.

[3] Breetz, H., Mildenberger, M., & Stokes, L. (2018). The political logics of clean energy transitions. Business and Politics, 20(4), 492-522.

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