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Governo local ou Justiça: de quem é a competência para decidir sobre reabertura do comércio?

Por André Lopes
Atualização:
André Lopes. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O postulado da separação de poderes derivou de uma conquista concebida a partir de ideias iluministas e liberais e se materializou nas primeiras constituições do final do século XVIII, compondo um arcabouço normativo que chancelava a tutelava a dinâmica dos direitos fundamentais.

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O modelo organizacional de Estado moderno foi uma resposta ao arbítrio e à opressão ordinariamente praticados por gestores absolutistas no exercício do poder ilimitado. Uma nova modelagem para conduzir a atuação do Estado e que foi sugerida para delimitar um regime construído segundo a lógica da igualdade e com a observância das liberdades públicas.

Esse princípio incorporado no direito brasileiro irradia sua magnitude ao longo do texto constitucional dando parâmetros claros para orientação para a convivência harmônica entre os poderes constituídos, Executivo, Legislativo e Judiciário.

Um regime de repartição de competências foi objeto de disciplina pelo constituinte de modo a se ter uma clareza sobre os limites e possibilidades da atuação de cada esfera pública.

Não se pode, no entanto, descuidar das obrigações da fiscalização da compleição dos controles realizado pelos próprios poderes estatais e de acordo com os mecanismos que o texto constitucional oferece. A um só tempo, respeito e exigência derivam de uma cultura jurídica que prestigia valores outros de expressivo significado no âmbito jurídico e extrema relevância na dimensão popular como é o caso do pacto federativo, do regime republicano e da democracia representativa.

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Pois bem. Não obstante as definições normativas insculpidas no texto constitucional, não é incomum aportarem casos concretos nas raias da discussão judicial, verdadeiras tensões sobre divergências acerca da titularidade na atuação proeminente em certas matérias. O catálogo de decisões judiciais atesta uma gama de contendas entres titulares de poderes públicos sobre a gestão de matérias e crises em nosso país. Uma disputa aparentemente inexplicável e contraproducente. No âmbito do Poder Judiciário, a celeuma do ativismo é pauta inacabada.

Uma das estranhezas é a verificação de que as interpretações judiciais equivocadas expõem a jurisdição a desacertos na oferta de respostas à sociedade que não dialogam com a própria Constituição republicana cuja didática aponta para uma clareza sobre o regime de distribuição de competências entre poderes constituídos. Com efeito, o desvio interpretativo acaba causando problemas concretos.

Com efeito, uma das tensões recentes que marcam a desnecessária divergência hermenêutica entre poderes, se verifica quanto à gestão da crise nas análises e definições acerca de medidas para contenção da disseminação do coronavírus.

Uma das questões recorrentes diz respeito à competência para a definição da abertura do comércio no âmbito das cidades. No afã de contribuir, as instituições avocam para si a responsabilidade de apontar caminhos. Essa posição não seria ruim se encararmos a proatividade sob sua feição positiva. Contudo, na medida em que a ação se dá ao desamparo constitucional, problemas podem ser uma consequência e o remédio escolhido pode eliminar o doente.

É que tem sido recorrente a tomada de decisões judiciais disciplinadoras de medidas de contenção ou regulações em matéria de saúde e organização da abertura ou fechamento do comércio local. No Distrito Federal, foi noticiado caso em que uma decisão judicial, subvertendo a disciplina constitucional, se substituiu ao poder de gestão do governador. Esse desvirtuamento da mensagem constitucional não costuma fazer bem à segurança jurídica.

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O ponto central da tensão reside, portanto, na definição do titular de competência para gerenciar a crise a partir de medidas e estratégias, soluções e propostas para os problemas que emanam da cena crítica vivida, sempre com a acuidade necessária e celeridade própria ao caso específico.

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O pronunciamento ativista do poder judiciário, como se deu em decisões recentes, ofertando definições marcadas pela concretude e estipulando saídas para o problema sem incursionar em dados empíricos e sem orientação técnica adequada, despido da necessária multividência que pudesse credenciar a posição assumida não é desprovido de críticas razoáveis.

Decisões judiciais em matéria dessa envergadura e no contexto em que estamos, é a consubstanciação clara e inequívoca de uma franca e desmedida retirada da competência administrativa do gestor público, uma verdadeira vulneração ao princípio da convivência harmônica entre os poderes constituídos.

Havendo, obviamente, por parte do administrador público uma atuação que comprometa os alicerces da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência ou outro valor constitucionalmente exigido, a atuação do poder Judiciário em nome do controle de que é titular, a ação a se impor.

Contudo, fora desse espectro, ante a atuação do gestor fundada em sua oportunidade e eficiência, sobretudo, ao amparo de dados e informações de conteúdo técnico, é de se compreender que a intromissão judicial se faz à margem do sistema e ela, nesse caso, é a que deve ser contida pelos mecanismos que o direito dispõe.

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Importante considerar que a novidade trazida pela crise experimentada em nosso país, se presta a várias compreensões na vida social, política e jurídica. Os conflitos identificados em diversas searas públicas e privadas exigem inteligência emocional de todos para a lida adequada, ensinam que a convivência humana, a harmonia institucional e a sinergia de atores envolvidos nas linhas de frente do cenário são instrumentos importantes para a solução otimizada.

Tenho dito e reforço que as respostas constitucionais são claras e didáticas, demandando esforço hermenêutico para ajustes mínimos se o objeto a ser atendido for o catálogo de direitos fundamentais, cujo referencial de tutela deriva do vetor que descreve a dignidade da pessoa humana. A partir disso, não será difícil evitar os conflitos que tenham como centro o princípio da separação de poderes.

*André Lopes é procurador federal (AGU) e especialista em direito constitucional

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