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Governança pública e a intervenção política na Petrobrás

Por Leonardo Bellini de Castro
Atualização:
Leonardo Bellini de Castro. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Assunto que tem ocupado cada vez mais destaque no âmbito corporativo e do mercado de capitais se relaciona com a adoção pelas empresas estatais e privadas de mecanismos internos de responsabilidade social associados com a sigla em inglês ESG (Enviromental, Social and Governance).

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O ideário por detrás do referido paradigma contemporâneo traduz uma pauta indicativa de compromissos empresariais que trespassariam o lucro puro e simples, legitimando-se a atividade econômica quando afinada também com uma outra pauta substantiva de valores, tais quais os relativos à preservação do meio ambiente, engajamento em mudanças sociais e ainda com a governança enquanto mecanismo de primazia da ética nas relações negociais e, bem assim, pelo alinhamento entre os interesses dos acionistas minoritários e majoritários.

A pauta da governança pública, portanto, está intimamente com a adoção de mecanismos de compliance, que nada mais são do que compromissos com o interesse público e com os próprios interesses da companhia e seus acionistas, que não podem ser, pois, sobrepujados por eventual desvio de finalidade.

Antes mesmo da edição de diplomas legais específicos tratando direta ou indiretamente de mecanismos de compliance na esfera pública, o fato é que o próprio modelo constitucional da Administração Pública já traz em seu bojo inúmeros dispositivos indicativos do compromisso mínimo com um modelo de governança.

Nessa linha, a própria base principiológica que sustenta a Administração, com a diretriz de moralidade e impessoalidade que lhe é inerente, as regras que determinam a realização de concursos públicos e licitações, e bem assim a consagração de um modelo de vedações a agentes públicos por incompatibilidades decorrentes de eventuais conflitos de interesse, consagram um estatuto jurídico compromissário com tal ideário.

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O fato é quena esteira dos inúmeros escândalos que acometeram a principal sociedade de economia mista do País, a Petrobrás, foi editada a Lei nº 13.303/16, a qual trouxe disposições afinadas com o ideário de governança pública enquanto prática administrativa vetorial das empresas estatais.

A referida legislação tem por escopo regrar o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios voltada à exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.

O modelo jurídico consagrado no referido diploma impõe, desta feita, regras de governança corporativa, de transparência e de práticas de gestão de riscos e de controle interno, bem como regras destinadas a prevenir eventuais conflitos de interesses no tocante à composição da administração e órgãos fiscalizatórios e entre acionistas majoritários e minoritários.

No que concerne à estrutura das empresas públicas e sociedades de econômica mista, a lei estabelece diretrizes para regrar as atribuições e respectivas obrigações dos seus vários integrantes com vistas à preservação de pautas mínimas de governança.

Um desses personagens é o acionista controlador, pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia. No caso da Petrobrás, o acionista controlador é a própria União Federal.

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Veja-se que a par dos inúmeros deveres atribuídos ao acionista controlador pela Lei das Sociedades por Ações, também a Lei das Estatais dispõe sobre deveres específicos orientados à boa governança.

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Nessa linha é que o art.14 da Lei nº 13.303/16 estabelece que o acionista controlador da empresa pública e da sociedade de economia mista deverá fazer constar do Código de Conduta e Integridade, aplicável à alta administração, a vedação à divulgação, sem autorização do órgão competente da empresa pública ou da sociedade de economia mista, de informação que possa causar impacto na cotação dos títulos da empresa pública ou da sociedade de economia mista e em suas relações com o mercado ou com consumidores e fornecedores.

Tem-se, pois, nítida obrigação vinculada à adequada gestão de informações, em especial aquelas aptas a impactar os preços dos ativos cotados em Bolsa de Valores, cuja eventual transgressão pode implicar em atos abusivos indenizáveis, além de potencialmente se configurar eventual crime previsto no art.27-D da Lei 6.385/76.

Estabelece-se, ademais, que o acionista controlador deve preservar a independência do Conselho de Administração no exercício de suas funções, bem como observar a política de indicação na escolha dos administradores e membros do Conselho Fiscal, fatores necessários para uma composição estrutural interna capaz de controles recíprocos.

Por seu turno, o art.15 da Lei das Estatais apregoa a responsabilidade do acionista controlador acaso praticados atos com abuso de poder, hipótese em que poderá ser acionado pela própria sociedade, pelo terceiro prejudicado ou pelos demais sócios, independentemente de autorização da assembleia-geral de acionistas.

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Os atos praticados com abuso de poder são aqueles previstos no art.117 da Lei das Sociedades Anônimas, destacando-se a orientação da companhia para fins estranhos ao seu objeto social, ao interesse nacional ou que gere favorecimento a outra sociedade em detrimento dos acionistas minoritários.

Também são capitulados como abusivos atos de promoção da liquidação de companhia próspera, sua transformação, fusão ou cisão com o objetivo de obtenção de vantagem indevida em prejuízo dos demais acionistas, a promoção de alterações estatutárias com o mesmo objetivo, e especialmente a eleição de administradores ou fiscais ineptos para o exercício do cargo.

Extrai-se do referido rol, pois, que a maior parte dos atos abusivos diz com a gestão temerária da sociedade em situações configuradoras de conflitos de interesse por meio da qual o acionista controlador faz seu interesse imediato sobrepujar os melhores interesses na condução da companhia.

Observe-se, ademais, que outra figura de relevo na estrutura orgânica das Estatais é o administrador, apontado como o ocupante de cadeira no Conselho de Administração ou na diretoria da companhia.

A legislação mencionada também estabelece uma série de requisitos subjetivos para que possam ser ocupados os cargos de membros do Conselho de Administração, diretor-presidente e diretor-geral, destacando-se a necessidade de que sejam cidadãos de reputação ilibada, de notório conhecimento e com experiência profissional.

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No tocante a experiência profissional, se faz imperativo que preencham alguns dos seguintes requisitos subjetivos alternativos: a) tenham exercido atividade, por no mínimo 10 (dez) anos, no setor público ou privado, na área de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou em área conexa àquela para a qual forem indicados em função de direção superior; ou b) tenham permanecido ocupando, por 4 (quatro) anos, cargo de direção ou de chefia superior em empresa de porte ou objeto social semelhante ao da empresa pública ou da sociedade de economia mista; cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS-4 ou superior, no setor público; ou ainda cargo de docente ou de pesquisador em áreas de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista; ou c) que tenham 4 (quatro) anos de experiência como profissional liberal em atividade direta ou indiretamente vinculada à área de atuação da empresa pública ou sociedade de economia mista.

As vedações legais impostas e as exigências de qualificação profissional e de formação educacional são, a nosso juízo, de todo louváveis, na medida em que estabelecem critérios objetivos de seleção para cargos de elevada importância na estrutura orgânica das estatais, além de prevenir conflitos de interesse que podem surgir em hipóteses variadas, em especial em casos de interesses políticos desatrelados do interesse da companhia.

Transparece das diretrizes legais estabelecidas, desta feita, o escopo de prevenir a captura política de tais pessoas jurídicas por indivíduos que possam ter agendas político-eleitorais ou interesses em contradição com a melhor condução dos negócios afetos às atividades empresariais da estatal.

Dito isso, forçoso concluir que a forma com que conduzida a alteração da direção da Petrobrás, com declarações atabalhoadas da Presidência da República a propósito do tema, implicaram, ao menos de forma aparente, na vulneração de vários dos dispositivos da Lei nº 13.303/16, tendo já suas ações cotadas no mercado de capitais sofrido significativo impacto no Brasil e no exterior, com prejuízos potencialmente bilionários.

Ademais, a opção política pela nomeação para a Presidência de pessoa sem experiência na área de atuação da Petrobrás também importa em eventual não preenchimento de requisitos específicos subjetivos para o exercício do referido cargo.

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Desnecessário, pontuar, pois, que a observância de diretrizes legais e dos impactos econômicos e sociais derivados de uma inadequada comunicação institucional devem, induvidosamente, ser sopesados pelos representantes políticos na condução dos mais altos interesses nacionais, evitando-se práticas populistas orientadas a instrumentalizar empresas estatais para perseguir interesses políticos alheios aos compromissos que devem nortear sua atuação precípua.

*Leonardo Bellini de Castro, mestre em Direito pela USP e promotor de Justiça em São Paulo

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