Que o Brasil é o país da impunidade todo mundo sabe. Mas, considerando as últimas operações da PF em gabinetes do Senado e da Câmara, preciso pontuar aqui a respeito da relação existente entre foro privilegiado e a impunidade em nosso país.
A delinquência vem crescendo no Brasil, muito incentivada pela leniência do Estado em punir com maior rigor, ou apenas punir, delitos cometidos por agentes políticos de alta plumagem, de colarinho branco, e influência junto aos espaços de poder.
Amargamos a liderança no ranking de pessoas protegidas pelo foro especial por prerrogativa de função (direito a julgamento em instâncias superiores). São mais de 55 mil brasileiros abrigados pelo famigerado foro privilegiado no Brasil.
Só para se ter uma noção do quão nocivo é o instituto do foro privilegiado, em 6 anos de operação Lava Jato apenas 4 processos penais foram julgadas pelo STF, sendo que apenas 1 transitou em julgado. Enquanto isso, as sentenças proferidas pela justiça de 1º grau, na mesma operação Lava Jato, já ultrapassam uma centena.
Nos Estados Unidos, por exemplo, nem mesmo o presidente da República Donald Trump possui foro privilegiado. Na Alemanha o presidente possui, mas a primeira-ministra Ângela Merkel não possui. Em Portugal, o presidente, o primeiro-ministro e o presidente do parlamento são julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas os parlamentares são todos julgados sem qualquer privilégio de foro.
Em 2018 o STF decidiu restringir o foro privilegiado para deputados e senadores, assinalando que parlamentares só responderiam na Suprema Corte por crimes cometidos em razão da função e durante o exercício do mandato. Parecia ser o fim desse injustificável privilégio, se é que pode haver justificativas para privilégios numa República. Parecia ser o fim mas não foi, porque infelizmente o tema continua causando polêmica e muita desconfiança social. As diligências policiais realizadas no mês passado em desfavor do senador José Serra (PSDB/SP) e da deputada Rejane Dias (PT/PI), no Senado e na Câmara, trouxe novamente a matéria à baila.
Chamou a atenção o fato de situações similares terem sido tratadas de maneira absolutamente diferentes. Toffoli proibiu a ação da PF no Senado. Já Rosa Weber autorizou a busca no gabinete da Parlamentar no anexo 4 da Câmara, depois de homologar ordem judicial exarada pela Justiça Federal de 1º grau.
Para resolver isso a Câmara dos Deputados precisa votar a PEC 333/17, aprovada no Senado sob o número 10/2013 e que aguarda deliberação no plenário da Câmara há quase 3 anos. A proposta modifica a CF/88 extinguindo o foro privilegiado em caso de crimes comuns praticados pelas autoridades dos 3 poderes. O rol das funções que perderão o foro é enorme: governadores, senadores, deputados, senadores, juízes, desembargadores, ministros do STF, membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, prefeitos. Continuariam com a prerrogativa o presidente e o vice-presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado e o presidente do STF.
A PEC 333/17 já foi aprovada na CCJ e na Comissão Especial mas pende de votação no plenário, tendo o presidente da Câmara indicado que a pautaria no início de 2020, mas já estamos no 2º semestre do ano e a proposta segue parada.
Se pretendemos ser uma nação onde todos sejam verdadeiramente iguais perante a lei, porque hoje não são, é preciso acabar com institutos como o famigerado foro privilegiado, promotores de impunidade que são.
*Ubiratan Sanderson, deputado federal (PSL-RS)