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Força-tarefa resgata idosa que, durante 70 anos, trabalhou em casa de família no Rio sem salário, férias nem folga

Auditoria-Fiscal da Superintendência Regional do Trabalho localizou, em residência na Zona Norte da capital fluminense, uma senhora de 84 anos que, desde os 14, cozinhava, lavava, passava, varria quintal, fazia a feira e, ultimamente, ainda acumulava as funções de 'cuidadora' da patroa, de sua mesma faixa etária; empregadores foram autuados em RS 110 mil e vão sofrer outras sanções

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Por Júnior Moreira Bordalo
Atualização:

Sede do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro. Foto: Divulgação

Uma idosa de 84 anos foi resgatada por auditores-fiscais da SRTb/RJ em condições análogas à escravidão. Ao longo de 70 anos em que esteve "a serviço" da casa de uma família, a doméstica não recebeu salário e não teve direito às férias e folgas. Este é o caso com maior período já registrado pela Inspeção do Trabalho. O empregador terá que pagar aproximadamente R$ 110 mil, referente aos últimos cinco anos de atividades realizadas.

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O resgate teve início no dia 15 de março e, por se tratar de residência, localizada na Zona Norte da capital fluminense, a inspeção foi autorizada por meio de mandado judicial concedido nos autos de processo em trâmite na 30ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, em ação ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, que também participou da operação. A empregada foi encontrada dormindo em um sofá, no espaço improvisado como dormitório, que dá ao quarto da empregadora.

A trabalhadora exerceu por sete décadas tarefas como cozinhar, lavar e passar roupas, varrer o quintal e fazer compras na feira. "As informações colhidas nos permitiram concluir, em síntese, que os pais da trabalhadora laboravam em uma fazenda da mesma família, que levou a criança, em caso de trabalho infantil, para a capital, prometendo oferecer estudo, mas na realidade com o objetivo de fazer os serviços da casa", explicou o auditor-fiscal do Trabalho Alexandre Lyra, que participou da operação.

O órgão constatou também que, apesar da idade avançada, ela continuava exercendo suas atividades, principalmente como cuidadora da patroa, que possui faixa etária semelhante. A equipe flagrou vínculo de emprego sem pagamento de salários, direito às férias e folgas, apesar da jornada de trabalho realizada sete dias por semana. "Foi alegado que era ´como da família´, mas a ela não foi permitido o estudo e nunca teve o direito de conduzir a própria vida, muito embora nenhuma doença ou fato similar lhe tire essa capacidade", prosseguiu Lyra.

Foram ouvidos em depoimentos formais durante o curso da ação fiscal, a trabalhadora, o núcleo familiar dos empregadores, bem como parentes da vítima, que residem no interior do estado do Rio, e vizinhos, que confirmaram como teve início ou se desenvolveu a relação de emprego. "Os parentes relataram que tentaram contato por mais de 150 vezes desde dezembro de 2021 e que somente uma vez conseguiram", disse o auditor.

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A equipe notificou o empregador após o afastamento da idosa; informou da necessidade da assinatura da Carteira de Trabalho através do lançamento no eSocial e do pagamento das verbas rescisórias devidas no prazo de 10 dias. O valor fixado inicialmente foi de R$ 110 mil, referente aos últimos 5 anos de trabalho. Além disso, os fiscais emitiram a guia de seguro-desemprego para trabalhador resgatado, que garante o recebimento de três parcelas de um salário mínimo cada (R$ 1.212).

Até esta sexta-feira, 13, as ações concluídas de combate ao trabalho escravo da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) resgataram 500 trabalhadores que estavam sendo explorados em condições de escravidão contemporânea no Brasil. O número foi impactado pelo resgate de 273 trabalhadores em uma única ação realizada no mês de janeiro em uma usina de cana-de-açúcar de Minas Gerais. O Estado lidera o ranking deste ano.

Segundo painel de informações e estatísticas SIT, Goiás está em segundo lugar, com 29 trabalhadores em condição de escravidão, seguido de Mato Grosso do Sul com 22 resgatados. Rio Grande do Sul e Bahia têm 18 e 17 pessoas libertadas, respectivamente.

Em relação ao perfil social destas vítimas, até o momento em 2022, dados do seguro-desemprego do trabalhador resgatado mostram que 95% são homens; 31% tem entre 30 e 39 anos e 49% residem na região Nordeste. Quanto ao grau de instrução, 23% declararam possuir até o 5º ano incompleto, 17% haviam cursado do 6º ao 9º ano incompletos. Do total, 6% dos trabalhadores resgatados em 2021 eram analfabetos.

Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas remotamente e sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela SIT em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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