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Follow the money: corregedor-geral Eleitoral determina desmonetização de perfis de plataformas e redes sociais

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Por Marcelo Santiago de Padua Andrade
Atualização:
Marcelo Santiago de Padua Andrade. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Em 16.8.2021, o ministro corregedor do Tribunal Superior Eleitoral Luis Felipe Salomão atendeu a pedido de Delegada da Polícia Federal e, nos autos do Inquérito Administrativo nº 0600371-71.2021.6.00.0000, determinou que as provedores de aplicações devidamente indicados (Youtube, Twitch, Twitter, Instagram e Facebook) suspendam imediatamente os repasses aos perfis identificados de valores oriundos de monetização, do pagamento de publicidades e da inscrição de apoiadores, direcionando esses valores para conta judicial vinculada ao TSE.

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Mas agiu bem o corregedor-geral Eleitoral com a medida adotada?

Importante anotar que este é o mesmo Inquérito Administrativo que foi aberto pelo TSE em 2.8.2021 para se apurar fatos que possam configurar abuso de poder econômico e político, uso indevido de meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas aos agentes públicos e propaganda eleitoral antecipada em razão dos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições de 2022.

A Autoridade Policial, naqueles autos, destacou que as investigações nos Inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF (em curso no Supremo Tribunal Federal) indicam a articulação de rede de pessoas, com tarefas distribuídas por aderência entre idealizadores, produtores, difusores e financiadores, voltada à disseminação de notícias falsas ou desvirtuadas com o intuito de influenciar a população. Há, pela narrativa feita, a demonstração de atos concatenados e articulados que caracterizam diversos crimes.

O ministro corregedor, analisando o material que lhe foi apresentado, concluiu que a conteúdo apreciado em muitos momentos ia muito além da liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV da CF/88) e adentrava às sendas dos ilícitos. E, por isso, determinou, entre outras medidas, aquelas que visam a desmonetização dos perfis que trabalham no terreno do ilícito.

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Como já adiantado, é possível dizer que os conteúdos divulgados pelos perfis, em muitos momentos, caracterizam crimes contra a honra (como calúnia, injúria e difamação), crime de denunciação caluniosa e tantos outros. E os responsáveis pelos perfis indicados, em razão da política de remuneração das plataformas para seus criadores de conteúdo, recebem quantias em dinheiro que são resultado dos crimes que praticaram e praticam.

É por isso que a desmonetização determinada estaria em consonância com o Código de Processo Penal e o Código Penal, já que é permitido que o Poder Judiciário atue para evitar que qualquer pessoa possa usufruir do proveito ou provento de sua atividade criminosa. Isso decorre da interpretação sistemática de regras como o art. 91, II, b, §§ 1º e 2º do Código Penal e o art. 3º, 121 e 135 e ss. do Código de Processo Penal, cuja teleologia é evitar, a todo custo e por todos os meios, que o agente possa gozar dos benefícios financeiros que o ato criminoso possa gerar. E para recursos financeiros que podem ser camuflados e consumidos, não se pode esperar o trânsito em julgado de eventual e futura condenação criminal, cabendo a atuação imediata do Estado-Juiz por meio das medidas assecuratórias que se mostrem eficazes.

O STJ, no Acórdão no Recurso Especial nº 882400, de 22.11.2007, em voto da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, já indicou sobre os limites e as finalidades do sequestro de bens no processo penal que "(...) remanesce coerente entendê-lo como medida que preserva os bens tidos como produto ou provento do crime, retirando-os da esfera de liberdade do agente até que acertada a pretensão acusatória". O mesmo acórdão informa que a medida pode recair sobre "(...) valores constantes das contas correntes da empresa dos envolvidos, sob o fundamento de serem provenientes da ação delituosa (...)" e que "Segundo dispõe o art. 127 do Código de Processo Penal, o sequestro pode ser tomado no curso do inquérito policial quando houver indícios da proveniência ilícita dos bens (...)".

Seria melhor, é verdade, que a medida fosse tomada nos autos dos Inquéritos que tramitam perante o STF. Mas, a repercussão na seara eleitoral que os frutos do crime podem gerar também autorizam a atuação do corregedor-geral Eleitoral.

A do TSE estaria lastreada no Poder Geral de Cautela, no Poder de Polícia da Justiça Eleitoral (art. 35, XVII e art. 242, parágrafo único do Código Eleitoral), no princípio da inafastabilidade da jurisdição e no correlato dever do Estado-Juiz de fornecer a técnica processual adequada para a tutela do direito que está em risco.

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Realmente, os likes, views e compartilhamentos dos conteúdos criminosos produzidos geram, em favor dos seus autores ou responsáveis, retribuições financeiras disponibilizadas pelas plataformas. Esses valores (que até esse momento não se sabe se são expressos ou não) são resultados de atuação criminosa e poderão irrigar candidaturas e projetos de poder que disputem as eleições de 2022 e, por isso, é importante que o TSE tome a medida para, servindo-se da ideia do follow the Money, não apenas identificar autorias e responsabilidades, mas também impedir que as eleições acabem maculadas pelo abuso de poder econômico que o uso de recursos de origem ilícita pode configurar.

*Marcelo Santiago de Padua Andrade é advogado militante na área de Direito Eleitoral, mestre em Processo Civil e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP

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