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Foco na singeleza

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: IARA MORSELLI/ESTADÃO Foto: Estadão

A notícia de que a Ford, após um século, deixará o Brasil e dispensará cinco mil trabalhadores, coincide com a notícia de que o Banco do Brasil também encerrará as atividades em 361 de suas agências. Mais gente sem ter o que fazer, aumentando a espantosa cifra dos desempregados. Sem falar nos invisíveis, nos informais, nos subempregados e dos que já desistiram de procurar atividade lícita e rentável.

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O mundo mudou. Não foi por falta de aviso. A indústria brasileira foi sucateada. Não investiu em novas tecnologias. Parte dela amparou-se em política de subsídios. Confiou muito no governo. O resultado está aí.

Para quem ainda não viu, vale a pena assistir "American Factory", um documentário realizado or Julia Reichert e Steven Bognar, que mostra os efeitos da automação na indústria americana. O recado é claro: em poucos anos, mais 325 milhões de operários estarão descartados.

Logo após o filme, há dez minutos de diálogo entre os autores e o casal Michele e Barack Obama. Eles se dedicam a despertar a consciência do mundo para a nova realidade. Nunca mais se voltará à concepção utópica de um capitalismo suficiente para distribuir os bens de acordo com as necessidades de cada um. O período que Domenico de Mazi acenava como a era da "ociosidade feliz" foi substituído por uma penumbra preocupante. Pandemia, populismo, incitação à violência, polarização excessiva de posturas impregnadas de fanatismo.

Como não existe progresso "per saltum", as décadas perdidas não serão devolvidas. O Brasil tem de se virar com aquilo que tem. E tem muito.

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É urgente o desfazimento da imagem de "pária ecológico", destruidor de florestas, exterminador do futuro. Neste futuro incluídos o verde, a biodiversidade, os indígenas e tudo o mais que pudesse lembrar uma sensível ética ambiental.

Para isso, é preciso multiplicar os espaços em que a flora possa vir a se regenerar. Criação de viveiros, desenvolvimento de técnicas para plantio recuperador das matas ciliares, ocupação de vazios com a formação de árvores, pomares, hortas, jardins.

A mão-de-obra ociosa, com a eliminação de tarefas que podem ser realizadas mais rapidamente, com segurança maior e, portanto, com eficiência potencializada, precisa ser encaminhada para aquilo que a automação ainda não consegue fazer.

Colher sementes, colocá-las a germinar, acompanhar o desenvolvimento da espécie até que possa ser transplantada para o local definitivo, é algo que os humanos podem fazer. Extirpar os canteiros de ervas daninhas é tarefa para pessoas, não para máquinas.

O Brasil precisa intensificar a formação de jardineiros, de agricultores urbanos, ao lado dos técnicos para o agronegócio em larga escala. Propiciar o preparo de engenheiros florestais, de botânicos, de especialistas em bioeconomia. Há uma biodiversidade milionária ainda não suficientemente explorada. E isso as máquinas não podem fazer.

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Um ambiente restaurado será propício ao chamamento de turistas. Domésticos e estrangeiros, quando a peste permitir. Guias, acompanhantes, garçons, chefs de cozinha, camareiros, toda a cadeia de pessoas que faz funcionar essa indústria ainda amadorística neste imenso País, pleno de atrações e de lugares que encantariam os visitantes.

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É hora também de liberar o jogo para a iniciativa particular, pois o monopólio governamental das loterias deixa muito a desejar. O jogo é outro fator de lucros imensos em todo o planeta. O brasileiro enriquece os empreendedores estrangeiros e não pode investir numa atividade lúdica, ínsita ao ser humano que é seduzido pelo risco. É hipocrisia dizer que o jogo é nefasto. Ele é inegável fonte de renda.

Mas também é urgente dotar o Brasil de mais cuidadores. Os que têm a sorte de envelhecer precisarão de acompanhantes. De pessoas que façam com que sua já prolongada existência tenha duração suficiente para que os velhinhos continuem a sustentar a cadeia de seus dependentes.

Tudo isso, sem descuidar de prosseguir no estímulo das novas gerações a que explorem as potencialidades da Quarta Revolução Industrial. Startups, high techs, tecnologias híbridas, aplicativos, games, tudo o que puder facilitar a vida angustiante de quem chega ao século 21 premido por desafios e ameaças, das quais a pandemia não é a maior.

Acordar para as novas exigências de um planeta que se transformou e que precisa contar com a prudência e o equilíbrio dessa espécie tão complexa e que pode ser tão perigosa, chamada ser humano. Essa a missão que a História confiou à lucidez que ainda persista em tempos tão complicados.

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*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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