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Flexibilização da aplicação do artigo 170-A do Código Tributário Nacional na compensação sobre indébitos decorrentes de salário-maternidade

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Por Marcio Abbondanza Morad , Vanessa Carvalho , Fernando Giacobbo e Evany Oliveira
Atualização:
Marcio Abbondanza Morad, Vanessa Carvalho, Fernando Giacobbo e Evany Oliveira. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em 2020, em uma das poucas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de forma favorável aos contribuintes, foi considerada inconstitucional a incidência das contribuições sociais previdenciárias sobre o salário-maternidade.

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De fato, com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 576.967 (Tema 72) na sistemática da repercussão geral, contrariando o anterior entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestada no REsp. 1.230.957, o STF fixou a seguinte tese: "É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade".

Antes desse desfecho, o tema vinha sendo administrado de formas diferentes pelos contribuintes, a depender da análise da composição das suas folhas de pagamento e do grau de exposição a riscos em que operam. Muitos ingressaram com ações judiciais que resultaram em decisões desfavoráveis em função da anterior orientação jurisprudencial adotada pelo STJ a respeito dessa matéria. Outros, nem sequer judicializaram o tema, continuando a recolher o INSS por seus valores integrais. Alguns, sem qualquer suporte em medida judicial, optaram por excluir o salário-maternidade dos cálculos mensais de suas obrigações previdenciárias.

Com a reviravolta na jurisprudência provocada pela decisão do STF, os contribuintes têm se debruçado no estudo da via mais adequada para a recuperação e monetização dos indébitos tributários a que fazem jus. Como em muitos outros casos discutidos na esfera judicial, as empresas podem se ver diante de um verdadeiro dilema entre o desejável e o possível juridicamente, uma vez que, a depender da estratégia jurídico-tributáriaadotada, a possibilidade de utilização dos créditos poderá ser mais ágil e efetiva para alguns contribuintes e mais lenta e demorada para outros, o que conduzirá a uma inexorável desigualdade de tratamento, tornando mais demorada a realização financeira de um direito líquido e certo.

Observado o prazo decadencial, aqueles contribuintes que não optaram pela judicialização do tema poderão, de imediato, calcular e compensar todo o valor do INSS patronal pago a maior ou indevidamente sobre valores pagos a título de salário-maternidade. Esse livre caminho é reforçado pelo Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) nº 18.361/2020, editado recentemente, o qual reconheceu que a tese jurídica aqui tratada está definitivamente pacificada pelo STF, motivo pelo qual passou a orientar os procuradores a não mais contestar ou recorrer nos processos judiciais face o salário-maternidade, determinando, ainda, que a decisão do STF sobre essa matéria seja seguida pela Receita Federal do Brasil (RFB). 

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Por mais insensato que possa parecer, os contribuintes que se mostraram mais cautelosos e precavidos buscando um provimento judicial para afastar a cobrança do INSS sobre o salário-maternidade, o que os levou a usufruir da vantagem de interromper o prazo decadencial para recuperação do indébito muitas vezes por prazo maior em comparação aos contribuintes que não judicializaram a questão, certamente, vãoencontrar entraves jurídicos que poderão dificultar a imediata compensação dos valores pagos a maior ou indevidamente a título de salário-maternidade.

Isto porque, a norma contida no art. 170-A do Código Tributário Nacional (CTN) veda a compensação de tributo objeto de ação judicial antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial favorável. Como, em tese, antes desse ápice processual, ainda seria possível o cabimento de recursos, o referido dispositivo teve por finalidade prover a compensação de elemento de maior certeza para a Fazenda Pública.

Importante assinalar que ao tempo da introdução daquele artigo, não havia as figuras dos institutos da repercussão geral e do recurso repetitivo, respectivamente do STF e do STJ, quando, basicamente, a partir de então, é possível que o contribuinte tenha a certeza do seu crédito mesmo antes do trânsito em julgado de sua própria ação judicial. Quanto aos recursos repetitivos (STJ), esse grau de certeza somente haverá quando descartada a hipótese de reconhecimento de repercussão geral perante o STF.

Logo, com a força dos precedentes judiciais, especialmente após o Novo Código de Processo Civil, entendemos ser possível sustentar que, a partir da fixação de determinada tese nos tribunais superiores proferida num desses ritos, é apenas uma questão de tempo para que o contribuinte tenha o precedente vinculante aplicado ao seu processo e, assim, possa iniciar o aproveitamento de créditos objeto de sua ação judicial pela via administrativa. Essa assertiva é ainda mais contundente no caso em questão à medida que a própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional orienta seus procuradores a não mais apresentar contestar ou apresentar recursos nos processos judiciais ainda em curso.

O problema está justamente nesse tempo de espera pela aplicação do precedente vinculante aos processos e consequente trânsito em julgado, que estão totalmente fora do controle dos contribuintes, uma vez que dependem de impulsos e de movimentação interna do Judiciário que podem eventualmente levar à postergação do gozo de um direito sobre o qual, quanto ao mérito, não comporta mais dúvidas.

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Nessa perspectiva, vem sendo construída a chamada tese da "relativização" ou "flexibilização" do art. 170-A do CTN, baseada na premissa de que, as decisões proferidas nas sistemáticas de repercussão geral ou de efeito repetitivo (desde que descartada a hipótese de repercussão geral nesse segundo caso), a depender do caso, possuem persuasão máxima para impor sua aplicabilidade sobre todas as instâncias judiciais, sem qualquer possibilidade de alteração.

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Além disso, com as novas determinações do CPC, perde-se sentido a finalidade acautelatória contida no dispositivo citado, que requer uma garantia de certeza que já passa a existir a partir da publicação de acórdãos relativos às decisões do STJ ou STF proferidas de acordo com uma dessas duas sistemáticas, antes mesmo do trânsito em julgado, inclusive quando pendentes julgamentos de embargos de declaração que tratarem de questões que não impactarão o mérito julgado de acordo com as referidas sistemáticas.

Essa argumentação jurídica se torna ainda mais robusta em relação ao caso que ora discorremos (RE nº 576.967), pelo fato de que: (i) existe uma decisão do STF com repercussão geral e fixação de tese; (ii) o acórdão já foi publicado; (iii) não houve modulação dos efeitos e nem há discussão de eventuais critérios quanto à mensuração do indébito e (iv) a própria PGFN inseriu a questão da não incidência do INSS sobre salário-maternidade na lista de dispensa de contestar e recorrer, conforme Parecer antes citado.

Os Embargos de Declaração opostos pelo contribuinte no Recurso Extraordinário nº 576.967, por sua vez, apenas buscam o reconhecimento expresso de que a inconstitucionalidade deve alcançar também as contribuições de terceiros, de modo que a tese fixada para a contribuição previdenciária a cargo do empregador não será impactada pelo julgamento.

A questão da relativização do art. 170-A do CTN vem sendo discutida judicialmente há algum tempo. Embora a posição atual do STJ seja desfavorável, baseada em um recurso julgado em 2010, há decisões de Tribunais Regionais Federais (TRFs) e do próprio Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) admitindo a compensação de tributos discutidos judicialmente antes mesmo do trânsito em julgado.

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Nesse sentido, menciona-se a decisão do CARF que teve essa visão, no Acórdão nº 3402005.025, julgado em 22 de março de 2018, proferido em julgamento de Recurso Voluntário, que não foi objeto de Recurso Especial da União, no sentido de que "[...] Transpondo tais questões para o âmbito tributário, o que este modelo almeja é que, com o advento de um precedente vinculante veiculado em um processo paradigmático, o contribuinte já tenha a certeza de qual será o resultado da sua específica demanda. Em última análise e no específico nicho tributário o que tal modelo pretende tutelar são os já citados valores de segurança jurídica e livre concorrência. Assim, apesar de aparentemente paradoxal, admitir a validade conteudística da compensação aqui perpetrada atende os valores jurídicos defendidos pelo próprio art. 170-A do CTN."

Apesar desses precedentes favoráveis, adotando-se uma interpretação literal do artigo 170-A do CTN, os contribuintes que questionaram a tributação do INSS sobre as verbas relativas ao salário-maternidade terão que aguardar o trânsito em julgado de suas respectivas ações judiciais antes de iniciar as compensações administrativas, uma vez que estas devem ser precedidas do pedido de habilitação e retificação de obrigações acessórias; todavia, como pode ser observado no julgado do CARF antes reproduzido e precedentes de TRFs, admite-se perseguir uma abordagem que venha a relativizar a sua interpretação em face das inovações introduzidas pelo CPC.

A rigor, a compensação antes do trânsito em julgado de ação própria somente será possível com a impetração de mandado de segurança com obtenção de medida liminar visando flexibilizar a aplicação do artigo 170-A do CTN, pois, somente assim, será possível afastar esses óbices legais e procedimentais.

Por outro lado, a pretensão de se proceder à compensação administrativa sem percorrer o trâmite da habilitação prévia ou sem um provimento judicial transitado em julgado deve ser detidamente examinada sob a perspectiva de risco, pois se eventualmente tal circunstância vier a ser detectada pelo fisco em processo de fiscalização, tal fato poderá ensejar a reabertura dos débitos liquidados com os créditos sob judice, com subsequente encaminhamento do mesmo para inscrição em dívida ativa.

Como visto, devido à complexidade de nossa legislação tributária, para os contribuintes que ingressaram com ações judiciais, embora o crédito passível de recuperação possa alcançar período maior a depender da data do ajuizamento, o caminho para a monetização dos créditos deverá observar as peculiaridades de cada tributo e seu respectivo procedimento, ditado pela Receita Federal do Brasil.

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A possibilidade de flexibilização da aplicação do artigo 170-A do CTN é ainda bastante controvertido, mas sua discussão deve ser reforçada perante o Poder Judiciário em face das peculiaridades de nosso ordenamento que podem, como no caso ora analisado, mesmo de forma não intencional, provocar desigualdades no exercício de direitos dos contribuintes. Em qualquer caso, é importante que os contribuintes analisem sua posição processual, apoiando-se no parecer de respectivos assessores legais e patrocinadores das ações, para avaliação de riscos.

*Marcio Abbondanza Morad, Vanessa Carvalho, Fernando Giacobbo e Evany Oliveira, sócios da RVC Advocacia e Consultoria Tributária e Empresarial

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