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Fim da Lava Jato: um retorno ao velho normal para a infraestrutura?

Por Rodrigo de Pinho Bertoccelli
Atualização:
Rodrigo de Pinho Bertoccelli. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Lava Jato representou o principal fenômeno jurídico e político do Brasil na década de 2010. Suas repercussões econômicas ainda são profundamente sentidas no mercado e o atual governo é resultado direto dessa operação. Mas se vivemos a era do lavajatismo, dos paradoxos e da crença de uma grande virada, o que vem agora? Um retorno ao, digamos, velho normal? Justamente agora, que temos o desafio de enfrentar a pandemia e garantir um ambiente regulatório racional e previsível para atrair investimentos? Afinal, na era pós Lava Jato, com uma nova dinâmica de mercado e novos players, sem infraestrutura e confiança não haverá a retomada do crescimento econômico que o país tanto precisa.

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A Lei Anticorrupção de 2013 e os avanços trazidos com a Lava-Jato estão longe de ser suficientes para combater o câncer da corrupção no Estado brasileiro, o qual ainda se encontra infectado com um estado de coisas onde ainda prevalece a falta de ética como lubrificante para as relações com o mercado. Entretanto, não podemos deixar de registrar as importantes conquistas e ferramentas voltadas à minoração dos crimes contra a administração pública que chegaram para ficar, a exemplo da hipertrofia dos programas de compliance na seara privada.

O compliance passou a ser uma realidade no ambiente corporativo e a integrar cada vez mais a dinâmica dos negócios. Se antes da Lava Jato o termo compliance era pouco conhecido, se no início havia uma tendência de programas meramente formais ou de fachada, hoje os parâmetros e indicadores para a sua efetividade são mais claros e passaram a ser mais exigidos pelo mercado, inclusive no setor de infraestrutura. Isso robustece os sistemas de controle interno de diversas empresas pertencentes aos mais variados segmentos a adotar boas práticas para prosseguir atuando com o setor público.

Embora a Lei Anticorrupção Brasileira não tenha proporcionado em seus quase 8 anos de vigência o efeito de reduzir a percepção da corrupção no país, conforme os últimos índices divulgados pela Transparência Internacional, a vigência da norma foi importante para o aperfeiçoamento de nosso sistema preventivo e repressivo de crimes contra a administração pública. Parece uma contradição: elogiar a lei quando as evidências empíricas são de retrocesso. De fato, mas não há como esperar que em meio a um sistema mergulhado na ausência de ética, a mera promulgação de uma lei fosse capaz de mudar uma realidade que perdura há séculos. Além de normas, precisamos investir em educação e na construção de uma cultura de integridade para deixarmos de ocupar nossas posições abaixo da média dos BRICS, da média regional para América Latina e Caribe, isso sem falar o quanto nos distanciamos do G20 quando se trata de combate à corrupção.

Longe de ter banido a corrupção e que não possa ser examinada nos limites da Constituição Federal para o aperfeiçoamento das instituições, a Lava Jato foi importante à medida que revelou ao país uma doença sistêmica, transformou intocáveis poderosos em réus e contribuiu na construção de uma cultura de integridade. Não se pode contestar, por exemplo, os grandes avanços do programa de integridade da Petrobras nos últimos anos e o seu impacto na cadeia produtiva. Da mesma forma, o aperfeiçoamento do sistema de governança, riscos e compliance da companhia que, ao lado da Lei das Estatais de 2016, estão sendo testados ao limite nas últimas semanas em razão das tentativas de interferências políticas na estatal.

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"Você tem o poder de mudar o mundo com os seus investimentos". A frase concebida pelo J.P. Morgan, um dos maiores bancos de investimento do mundo, acena para os chamados investimentos ESG, cuja sigla enuncia o início das palavras inglesas environmental, social e governance, assim como por ações coletivas de integridade no setor de engenharia e construção, tais como as empreendidas pelo Pacto Global da ONU. A lógica dos investimentos em infraestrutura se transformou nos últimos anos. Sustentabilidade passa a ser a palavra de ordem.

O fim da Lava Jato, portanto, não pode ser considerado um retorno ao velho normal para o setor de infraestrutura. Se antes da operação poucas empresas tinham um programa de compliance, hoje quase todas têm; e as que não tiverem em breve já não poderão contratar com o poder público, pois só falta o presidente sancionar o PL 4253/2020 para o compliance se transformar numa exigência nas contratações administrativas. A Lava Jato amplificou um caminho sem volta. Cada vez mais o mercado busca previsibilidade nos negócios e a falta de uma boa gestão de riscos, sobretudo de integridade, tem levado as empresas perderem o seu valor e a sucumbirem. Não há dúvidas: Empresas éticas valem mais.

*Rodrigo de Pinho Bertoccelli, advogado, professor e diretor no Instituto Não Aceito Corrupção

Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.

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