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Falta um guichê único de negociação para celebrar acordos de colaboração, leniência, ANPP e ANPC

Por Edgard Hermelino Leite Júnior e Marcelo Kheirallah
Atualização:
Edgard Hermelino Leite Júnior e Marcelo Kheirallah. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Problemas modernos exigem soluções modernas. Nesse sentido, o direito deve evoluir conforme a modernização das relações sociais. Uma ferramenta que possibilitou o progresso no direito penal, especificamente, foi a adoção de processos de justiça autocompositiva - em especial o acordo de colaboração premiada.

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O direito penal se tornou protagonista em discussões de fatos havidos da atividade empresária e viu-se obrigado a experimentar um processo de modernização. Ocorre que, diante desta nova realidade, o processo de produção de provas para embasar ações penais revelou-se tarefa custosa. No entanto, menos quando as autoridades contam com a colaboração dos participantes da situação investigada.

Experimentada pela primeira vez em no direito pátrio nas Ordenações Filipinas, revogada com a entrada em vigor do já revogado Código Criminal de 1830. Mais recentemente, prevista, de forma limitada, nas leis de Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, de Crimes Hediondos, Lavagem de Dinheiro e na Lei de Drogas.

Em agosto de 2013, com a edição da Lei das Organizações Criminosas, 12.850, o legislador introduziu o instituto da Colaboração Premiada. Com menos de um ano de vigência, em março de 2014, foi deflagrada a Operação Lava Jato que não teria alcançada o grau obtido, em termos de investigação.

Após quase uma década de vigência da lei, apesar dos percalços havidos na condução da Operação Lava Jato, se mostrou um eficiente mecanismo de produção de provas.

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Contudo, há diversas questões que carecem aperfeiçoamento. Principalmente no que diz respeito aos reflexos extrapenais que decorrem do acordo.

O direito penal é chamado de ultima ratio, ou seja, última alternativa. Portanto, sua aplicação ocorre somente após o esgotamento de todas as esferas - administrativa e judicial cível. A existência de um processo penal de natureza empresarial ou econômica pressupõe, em regra, outros procedimentos extrapenais que versam sobre o mesmo assunto.

Assim, um indivíduo busca as autoridades com o objetivo de celebrar um acordo de colaboração premiada, a fim de evitar ou abrandar as consequências de uma ação penal, é cediço que ele também será alvo de outros expedientes punitivos de natureza administrativa ou até mesmo judicial cível.

Ocorre que, este acordo penal não tem cunho de compor disputas nas demais esferas. O Colaborador/ou Interessado deve buscar os diferentes órgãos para negociar seus termos, independente do pactuado com o Ministério Público.

Em primeiro lugar, isto preocupa, porque o colaborador precisa buscar as autoridades por seus próprios meios. Faria mais sentido se o aparato estatal o provesse, pois há patente interesse - seja pela restituição que receberá, bem como as provas que produzirá.

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A negociação de acordo penal não vincula outros grupos dentro do próprio órgão. A exemplo do Estado de São Paulo, colaborações firmadas com o GEDEC - Grupo Especial de Repressão a Delitos Económicos -, não afeta ações propostas pelo Núcleo do Patrimônio Público.

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Em razão de sua natureza, o CADE sempre se mostrou aberto a negociar de modo conjunto, sobretudo quando envolve a leniência de empresas. No entanto, a negociação ocorre de modo independente, não tendo qualquer vinculação ao discutido com o ministério público quando da negociação da colaboração.

Há hipóteses em que demais órgãos reguladores sequer concordam em sentar-se à mesa, mesmo quando há um acordo de colaboração previamente pactuado. Isto é gravíssimo quando se leva em conta que, pelo conceito da prova emprestada, muitas vezes esses órgãos administrativos se apoiam em elementos coletados em cede de colaboração para suas persecuções.

Isto ocorreu no âmbito do Tribunal de Contas da União, quando da colaboração dos executivos e dos acordos de leniência das grandes construtoras - alvos das primeiras fases da Operação Lava Jato.

A despeito dos acordos celebrados com o Ministério Público Federal, bem como pelo CADE, o órgão fiscal legislativo recusou-se a sentar à mesa. Diante disso, munido das provas apresentadas de modo espontâneo pelos colaboradores, sobreveio, inclusive, bloqueios em suas contas e outras sanções de natureza patrimonial.

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Há que critique a este mecanismo, justamente pela pluralidade de agentes que possuem interesse em investigar práticas irregulares no âmbito empresarial. Sobretudo, quando, nessas práticas ilícitas, houver a participação de indivíduos que pertencem a órgãos que também investigam, como no caso de agentes do Governo e a Advocacia Geral da União. No entanto, dada a ineficácia do modelo atual, o aparato estatal tem se apoiado no direito penal, pela sua maior eficiência, quando deveria ser o último recurso, pela gravidade das consequências.

Por fim, em agosto de 2020, ao final da gestão de Dias Toffoli na presidência do Supremo Tribunal Federal, ele assinou com a AGU e CGU a proposta de deste balcão único. Contudo, não contou com a presença de Augusto Aras, Procurador Geral e responsável pelo Ministério Público.

O esforço por parte do então Presidente da Suprema Corte, foi louvável. Lamentável, contudo, a falta do Ministério Público que tem competência concorrente com todos esses órgãos fiscalizadores. Portanto parece que tem maior interesse.

Carece, em nosso sistema jurídico, um guichê único de negociação que abrangeria todas as esferas e reguladores de uma determinada conduta vista como infracional e criminosa. Além de ser vantajoso para o particular, que deve custear sua busca pelas autoridades, o poder público também se verá em vantagem, na medida em que negociará acordos dotados de maior segurança jurídica.

*Edgard Hermelino Leite Junior, advogado especialista em Direito Público. Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos de Infraestrutura - IBJEI. Membro efetivo do IASP e da American Bar Association - ABA. Sócio titular de Edgard Leite Advogados Associados

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*Marcelo Kheirallah, advogado especialista em direito penal econômico. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e mestrando em Direito Penal pela Fundação Getúlio Vargas. Integra a equipe do escritório Edgard Leite Advogados Associados

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