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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Falta cumprir a lei

Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO Foto: Estadão

O nível de desfaçatez atingido pelo Estado brasileiro em relação ao meio ambiente reclama a mobilização que ainda não atingiu o nível necessário. Nossa omissão como cidadania compromete - e de forma irremediável - o futuro dos nossos sucessores. Somos negligentes na observância do disposto no artigo 225 da Constituição da República. Temos responsabilidade em assegurar às futuras gerações um ambiente saudável, essencial à sadia qualidade de vida.

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Somos cúmplices do desgoverno que não tutela a natureza? O que temos feito para responsabilizá-lo? O pior é que sabemos como frear a insanidade. Falta coragem e sobra tibieza. Seremos cobrados por essa nefasta inação.

Em recente artigo, ("Desmatamento zero: sabemos o caminho, falta vontade política", FSP.18.8.22) a pesquisadora Clarissa Gandour demonstrou que o Brasil já domina expertise para proteger a Amazônia. Já fizemos isso. Em 2004, tivemos 27.772 km2 de desmatamento, mas conseguimos reduzi-lo em 84%, porque houve política pública levada a sério.

Três pontos foram salientados: o acompanhamento do crime ambiental de desmatamento a tempo real. Isso é viável porque se dispõe de pioneiro sistema de monitoramento por satélite. Mas é preciso levar a lei a sério. Ela existe para ser cumprida. O desmatamento na Amazônia é quase sempre ilegal. Quando se reduz a impunidade, a consequência é a redução da destruição da mata.

O segundo é a balbúrdia registral. Mais de cento e quarenta milhões de hectares de áreas florestais públicas e objeto de registros irregulares de terras privadas foram as prioritariamente dizimadas. 40% do desmatamento na última década ocorreu nessas terras "sem dono". Aqui no Brasil, o que é "público" equivale a "não ter dono". Ao contrário dos países civilizados, onde o que é público é propriedade de todos, inclusive nossa.

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A legislação permite uma regularização fundiária que tem de ser consistente e transparente. Diante da omissão do governo, essa bandeira teria condições de obter eficiência fosse assumida pelo CNJ - Conselho Nacional de Justiça, agora o órgão regulamentador e disciplinador do Serp - Serviço Eletrônico de Registros Públicos.

É uma questão de preservação do futuro, mais do que política estatal. É política humanitária. Nosso dever em relação às crianças que ainda não nasceram e que têm direito ao mundo na situação em que nossa geração o encontrou. Ao menos. Porque hoje, elas terão - seguramente - um mundo pior. Mais perigoso, mais inseguro, mais violento e menos ecológico.

O terceiro aspecto é a reinvenção das políticas públicas, que devem ser objeto da atenção de outras instituições, diante da incapacidade ou da predeterminada intenção governamental de acabar com a cobertura vegetal em todos os biomas brasileiros.

O capital já percebeu que sem ambiente preservado, a economia irá mal. A desertificação prejudica a economia, mas prejudica ainda mais o ser humano. Mais mortes, mais enfermidades, mais pandemias. Mais internações, mais custo na saúde e na previdência social.

A Amazônia se converteu numa terra sem lei. Delinquência organizada e sofisticada a nadar de braçada naquele grande espaço do território nacional. A agenda ESG veio para ficar. É urgente acompanhar os moradores dos assentamentos, a ocupação nativa desvinculada da criminalidade, para que os infratores deixem de ter vez e incentivo, como acontece agora e para que os brasileiros de bem tomem consciência de que o futuro radioso - tantas vezes prometido e nunca concretizado - está na preservação da Amazônia. Sem deixar de pensar na urgência de reflorestar as áreas devastadas, as cicatrizes que atestam a ganância/ignorância do bicho homem.

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O brasileiro tem um discurso pronto: vive-se uma democracia, pois o estado de direito está garantido pelo funcionamento dos três poderes, com os tribunais abertos a quem precise defender direitos ou interesses.

Mas isso é proclamação vazia. Na verdade, os inimigos da Pátria não só fazem o que querem, como são estimulados, anistiados e protegidos pelo desgoverno. O Brasil não é isso. Não merece ser isso. Assumamos o comando das políticas estatais. Governo é transitório. E é servo do povo, não seu senhor.

Temos um ordenamento formalmente perfeito. Agora é cumpri-lo.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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