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Fake news e eleições

Por João Paulo Oliveira
Atualização:
João Paulo Oliveira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A República Federativa do Brasil se constitui em uma democracia semidireta. Isso porque, de acordo com o parágrafo único do primeiro artigo do texto constitucional, todo o poder emana do povo, que o exerce através de representantes eleitos, ou diretamente na forma prevista na Carta Magna.

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Assim, fica evidente que a fonte básica do poder não é o governante e sim o povo, sendo o administrador mero gestor de coisa alheia. Em relação ao povo, que aqui iremos tratar como aqueles nacionais que são alistados eleitoralmente e que, portanto, exercem direitos políticos, tem o poder-dever de escolher, e isso constitui a democracia indireta ou representativa, seus governantes. Por isso, as eleições são verdadeiramente a festa da democracia.

As eleições são realizadas ao final de um processo, denominado processo eleitoral. Em seu conceito mais restrito, o processo eleitoral inicia-se na convenção partidária e é finalizado na diplomação. A finalidade de tal instituto é propiciar aos eleitores um meio democrático de manifestação.

É preciso, no entanto, que os atos que compõem o processo eleitoral sejam realizados na forma estabelecida pelo Ordenamento Jurídico, como uma forma de legitimação, não só do processo, como também da própria escolha popular. Cabe à Justiça Eleitoral, mais propriamente ao Tribunal Superior Eleitoral, regulamentar tais atos, permitindo a sua aplicação.

No processo eleitoral atual há uma enorme preocupação com relação a informações falsas que são passadas no que tange a uma série de situações e candidatos. É importante deixar claro que essa prática é bastante antiga e sempre visou a manipulação do eleitor. O tema ganha grande importância na atualidade em virtude do desenvolvimento dos meios de comunicação social.

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O que antes levava meses para atingir uma camada expressiva da população, agora leva dias, horas ou minutos. Tudo por conta da rapidez da informação através principalmente de redes sociais. Tal situação levou a uma maior preocupação por parte do Poder Público, tendo o Tribunal Superior Eleitoral manifestado, por diversas vezes, a necessidade de atuação para evitar ou, pelo menos, diminuir os efeitos danosos da divulgação de informações falsas.

Até as eleições anteriores, o rádio e a televisão traziam a forma de propaganda eleitoral mais popular. Em 2015, a Lei 13.465, ao alterar diversos pontos da Lei das Eleições, acabou diminuir sobremaneira o tempo de propaganda gratuita através daqueles meios. Isso fez com que partidos e candidatos se preocupassem mais com a divulgação de ideias através de meios eletrônicos, principalmente como forma de compensar o escasso tempo no rádio e na televisão, principalmente para aqueles que uma representação menor no Congresso Nacional (critério utilizado para divisão do tempo na propaganda através do horário eleitoral gratuito).

Ao que tudo indica, ainda não se pode afirmar que o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão tenha perdido a característica de propaganda eleitoral mais acessível ao público em geral, afinal de contas, apesar da ampla expansão da comunicação através da rede mundial de computadores no Brasil, aqueles parecem ainda serem os meios preferidos da maioria da população para divertimento e informação. Mas é indubitável que a propaganda através da internet tem a sua importância aumentada a cada pleito eleitoral, como ocorre com o do ano de 2018.

A Lei 9.504/97, também chamada de Lei das Eleições, regula a propaganda na internet. Em relação às redes sociais, determina a livre manifestação do pensamento, ao tempo em que proíbe o anonimato e a utilização de perfis falsos. O Tribunal Superior Eleitoral, agora na Resolução 23.551, deixa claro a necessidade de respeito a livre manifestação de pensamento, desde que o eleitor seja identificável ou identificado, limitando-se, no entanto, a liberdade de manifestação apenas quando ocorrer a ofensa a honra de terceiros ou a divulgação de fato sabidamente inverídicos. A consequência da conduta de divulgar informação sabidamente falsa é a aplicação de multa, que varia de R$ 5.000 a R$ 30.000, em regra.

Um questionamento se impõe: replicar informação falsa em redes sociais se subsume à conduta ilícita indicada? Bem, a resposta é simples, somente se quem repassou a informação tiver conhecimento de sua falsidade é que se pode pensar em responsabilização, como a boa-fé se presume, o conhecimento da falsidade da informação deve ser provado, algo que, salvo em situações bem restritas, é extremamente difícil.

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Lógico que a Justiça e o Ministério Público Eleitorais têm feito um esforço hercúleo para diminuir o impacto das fake news no processo eleitoral. Caracterizar o que é simples manifestação de pensamento das informações falsas também não é tarefa fácil. Aliás, a manifestação de pensamento, enquanto direito fundamental, tem natureza principiológica e exige que a sua interpretação leve em consideração diversos fatores, dentre eles as circunstâncias de fato que existiam quando da divulgação e a sua interpretação possível naquele momento.

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Por isso, a responsabilidade para evitar a divulgação de tais informações e a manipulação do eleitor é não apenas do Poder Público, mas também dos partidos e, principalmente da sociedade civil. Levar ao engano o eleitor é retirar das eleições a legitimidade da representação popular, o que leva, posteriormente, em níveis mais graves, a instabilidade política. A divulgação de informações falsas através de grandes veículos de comunicação social ainda poderá ser tida como abuso dos meios de comunicação, ensejando a inelegibilidade do candidato, nos termos preconizados na Lei Complementar 64/90.

A solução a longo prazo, de fato, para tal problema, seria a conscientização do eleitor, que deve saber utilizar meios para identificar a informação antes de ser repassada, algo que no momento atual parece estar bem distante.

*João Paulo Oliveira, advogado e professor de Direito Eleitoral do CERS

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