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Fake news como estratégia de defesa

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Por Fábio Medina Osório
Atualização:
Fábio Medina Osório. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Exerci por mais de 14 anos as funções de membro do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Pedi exoneração para atuar na iniciativa privada como advogado, mas jamais abdiquei da defesa das prerrogativas dos membros do Ministério Público brasileiro e também dos integrantes da Magistratura. Entendo que se trata de instituições essenciais ao regime democrático nacional e ao Estado de Direito. O fortalecimento dessas carreiras e de suas garantias constitucionais revela-se fundamental. Além disso, sempre defendi o modelo das forças-tarefa da lava jato, cujos serviços à sociedade brasileira foram de enorme relevância. Tenho admiração por personagens como Sérgio Moro ou Deltan Dalagnol. É certo que equívocos foram cometidos e para isso há controles e remédios constitucionais. Ninguém é perfeito. Em minha doutrina e vida acadêmica, além da vida profissional prática, sempre defendi os controles dos abusos e da improbidade dos fiscalizadores, desde longa data. Por isso, não causa espanto que, no exercício da advocacia, também me dedique ao combate do arbítrio e do abuso de poder, venha de onde vier.

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Nesse contexto, enfrentamos recentemente um desafio: protocolamos uma reclamação disciplinar contra a extinta força tarefa da lava jato do Rio de Janeiro, acusando os procuradores pela prática de suposta quebra de segredo de justiça em duas ações penais ajuizadas contra nossos clientes. O Corregedor Nacional do CNMP propôs abertura de PAD, com pedido de demissão, o que será objeto de análise do colegiado. Evidentemente, caso aceito o pedido, não significa que os procuradores serão demitidos, mas sim que o PAD será aberto com essa possibilidade e desencadeado o processo com perspectiva de ampla defesa, contraditório e apuração individualizada de responsabilidades, para aferir, à luz da culpabilidade, a medida de participação, ou não, de cada um na alegada infração.

O que me causou espanto, no entanto, é a propagação de fake news a respeito dessa Reclamação Disciplinar, nos meios de comunicação social, o que é grave.As mentiras parecem ter origem numa linha de defesa dos próprios procuradores, que atacam o CNMP e o próprio advogado da causa, como se tudo não passasse de uma perseguição orquestrada contra eles.Neste mesmo espaço, respeitados articulistas revelaram desinformação e desconhecimento, provavelmente porque induzidos a erro pelos procuradores investigados. E em outros veículos observamos o mesmo fenômeno, inclusive com notícias sobre um suposto parecer de respeitado jurista, alicerçado em premissa falsa (certamente fabricada pelos consulentes). Veja-se que as notícias e até mesmo o aludido parecer se baseiam numa informação absolutamente falsa, qual seja, de que o sistema e-proc teria atribuído, por si só, sigilo ao processo, o que induziu em erro os procuradores. E mais: essa informação teria sido corroborada pela juíza do processo. Tal inverdade foi reproduzida em vários veículos. Essas informações são falsas. Fake news não pode ser estratégia de defesa, isso desmoraliza membros do MPF.

Primeiro, a juíza nunca disse isso, jamais, em momento algum.Nunca disse que o e-proc criou o sigilo. Segundo, isso jamais ocorreu. O sigilo das investigações que embasaram a denúncia foi decretado por duas decisões judiciais, uma do Ministro Fachin e outra da própria Juíza Federal Caroline Fiqueiredo. Ambas decisões foram desprezadas pelos procuradores por ocasião do oferecimento da denúncia, pois eles não informaram o sigilo nível 3 no e-proc (aí sim era obrigatório fazê-lo, conforme consta de certidão dos autos) e optaram, por vontade própria, levantar o sigilo unilateralmente. Assim, foi escolha livre e consciente dos procuradores jogar as informações no site, sabendo que estavam cobertas por sigilo desde as investigações. O rótulo que deram para esse vazamento ilícito foi press release. Não importa o rótulo, importa que foi um ato ilícito, que durou oito dias no total.

Esta Reclamação busca o império da Lei e do Direito. Os procuradores disseram, em entrevista à CNN, que vazaram porque políticos merecem exposição perante a opinião pública. Concordamos que os processos devem ser públicos, mas também acreditamos que as hipóteses de sigilo constitucional devem ser respeitadas e, no caso, sua vulneração está tipificada igualmente como crime de abuso de autoridade e improbidade administrativa. Cabe registrar, por oportuno, que a ação penal movida, na espécie, contra meus clientes, é tão frágil, que houve desbloqueio patrimonial junto ao TRF2, em medida liminar, sob o fundamento de que os procuradores basearam suas teses tão somente nas palavras dos delatores. E com suporte em ações frágeis como essa que se retiram informações sigilosas para atacar e desmoralizar as pessoas, antes mesmo do recebimento da denúncia, vulnerando decretos judiciais que determinaram o sigilo. Respeito e admiro o trabalho do Ministério Público Federal em todo o Brasil, mas é necessário estancar o corporativismo na hora de olhar para seus próprios erros.

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*Fábio Medina Osório, advogado, ex-promotor de Justiça e ex-ministro da AGU

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