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Facções criminosas, milícias e as eleições de 2020

Por Antonio Baptista Gonçalves
Atualização:
Antonio Baptista Gonçalves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No próximo dia 15 de novembro o Brasil terá eleições para eleger prefeitos e vereadores. Sempre há a ilusão de troca de política e da chegada de novas figuras, todavia, com base em dados do TSE, a realidade não é bem essa. 3.082 prefeitos eleitos há quatro anos estão disputando o pleito em 2020, o equivalente a 55,3% do total. Nas últimas eleições municipais, foram 2.708 prefeitos candidatos à reeleição, ou 48,6% do total. Ou seja, houve um aumento de 14%.

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No pleito para os representantes das Câmaras Municipais quatro em cada cinco vereadores eleitos em 2016 buscam se reeleger. Dos 57.707 que ganharam a última eleição, 47.489 (82,3%) tentam se reeleger em 2020. Em 2016, esse percentual era de 73,5%, com 42.206 vereadores tentando outro mandato. Naquela ocasião, mais da metade conseguiu se eleger novamente. Dos que concorrem outra vez, 42.211 (89%) tentam a reeleição como vereador, 2.289 (5%) tentam se eleger prefeitos e 2.989 (6%) disputam como vice-prefeitos.

Além disso, essa eleição possui um dado curioso: O número de candidatos a prefeito aumentou em 41% dos municípios do Brasil nas eleições 2020. Quando comparado à última eleição municipal, em 2016, 2,2 mil cidades tiveram mais registros de candidaturas para disputar as prefeituras. Tal acontecimento pode ser decorrente do fim das coligações para vereador e o maior rigor da cláusula de barreira, o mesmo fenômeno acomete àqueles que buscam um espaço nas câmaras municipais.

Em todas as eleições há os candidatos já conhecidos com carreiras políticas estabelecidas, as personalidades que tentam associar sua imagem como figuras públicas a fim de garantir um cargo político e aqueles que são anônimos e foram seduzidos pelo pleito eleitoral. E, ainda, há um grupo silencioso, que busca passar despercebido aos olhos do grande público e, especialmente, das autoridades, mas que utiliza de capital econômico, político e social para garantir seu ingresso no mundo político ou, até, a mantença no mesmo. Falamos dos candidatos veiculados ao crime organizado e às milícias.

Segundo o Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro quase 500 mil eleitores vivem em áreas dominadas por milícias na baixada e outros 307 mil eleitores vivem em áreas de tráfico e em bairros em disputa entre facções rivais nos munícipios também da baixada. Assim, há um grande público que pode ser alcançado e manipulado a fim de eleger representantes das facções criminosas ou das milícias. É a busca pelo incremento do poder e da influência. Refletimos.

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Não é novidade no cenário político a presença do voto dirigido, o que outrora era conhecido como voto de cabresto, no qual o líder comunitário determina que os populares votem no seu candidato regional preferido. Por décadas, o coronelismo brasileiro elegeu seus representantes através dessa metodologia. Agora, os milicianos no Rio de Janeiro "dirigem" a população rumo a seus escolhidos.

Segundo o Disque Denúncia foram registradas ocorrências em cinco municípios que, tanto traficantes quanto milicianos, direcionavam votos e impediam a presença de candidatos: Rio de Janeiro, Itaguaí, Duque de Caxias, Belford Roxo e Niterói. Inclusive com ameaças indiretas aos moradores em caso da não eleição de seus representantes.

Na Baixada Fluminense, reduto das milícias, a influência chega a, no mínimo, cinco municípios. Em Nova Iguaçu, por exemplo, os problemas eleitorais são visíveis com dois candidatos a vereador assassinados. Em várias localidades as milícias reajustaram a cobrança das taxas já existentes (gás, gatonet, segurança etc.) a fim de financiar as campanhas de seus candidatos. Segundo relatório do Disque Denúncia, de 1° de janeiro a 25 de outubro, foram recebidas 543 denúncias sendo que uma em cada três é sobre compra de votos e 10% indicam a existência de curral eleitoral.

O envolvimento de políticos eleitos com o crime organizado não é inédito, o então deputado federal Jabes Tabelo (PTB-RO), foi o primeiro político cassado por ligação com atividades ilícitas. Seu irmão foi preso pela Polícia Federal em 1991 com 554 kg de cocaína e uma carteira de assessor de Jabes. Em 2008, através de extenso relatório sobre a CPI das milícias presidida pelo Deputado Federal Marcelo Freixo, houve a conclusão da participação das milícias em eleições para a Câmara Municipal em várias cidades, em especial na Baixada Fluminense. O relatório pediu o indiciamento de 266 pessoas, entre elas 7 políticos, vinculadas com atividades dos milicianos.

O interesse das facções e das milícias em fazerem parte da realidade política é a mesma dos demais postulantes: busca por influência e poder. A diferença é que enquanto muitos candidatos buscam fazer o bem a sua região, melhorar a cidade e lutar por melhores condições, os traficantes e milicianos almejam melhores condições para fortalecer suas operações. É sabido que o crime organizado se profissionalizou e transnacionalizou, de tal sorte que é natural a procura da ampliação da influência e em formar seus próprios representantes que podem buscar condições legais mais favoráveis, participações em licitações e processos lícitos que favoreçam a lavagem de dinheiro das organizações criminosas e milícias. Concomitantemente, também o aumento da influência dos membros perante a comunidade, o acesso na estrutura do poder, possibilidade de novos serviços, privilégios, dentre outros.

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Ciente dos problemas correntes, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro promete uma ação com mais de dois mil policiais nas ruas da baixada, a fim de monitorar ações de políticos e seus cabos eleitorais, porém, o que efetivamente deve ser refletido é se há, uma forma minimamente efetiva, de minorar o voto de cabresto e a real possibilidade de evitar que membros do crime organizado e os milicianos terem seus representantes nas Câmaras Municipais?

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Temos duas possibilidades: a afirmativa, na qual as candidaturas de membros das milícias e do crime organizado possam ser rejeitadas. No entanto, e se ambos colocarem como postulantes pessoas sem problemas com a justiça, com idoneidade moral, contudo, vinculados ou ao crime ou às milícias? Então, teremos a segunda possibilidade: a negativa, pois, não haverá nenhuma justificativa legal para impedir o prosseguimento da campanha eleitoral, por conseguinte, caberá às autoridades policiais monitorar, fiscalizar e prender os envolvidos em atividades ilícitas e à justiça os responsabilizar penalmente. Posteriormente, a cassação eleitoral, a fim de se reprimir a participação das milícias e das facções na política brasileira.

A única solução é a repressão dos crimes e a conexão dos envolvidos, sejam políticos ou não, com as milícias ou facções e suas exclusões dos quadros eleitorais. O que não poderá acontecer é a impunidade desses vereadores ou prefeitos eleitos, pois, assim, haverá um aumento dos candidatos nas eleições subsequentes oriundos desses grupos. Há uma necessidade premente de coibir, reprimir e afastar a velha política de controle de votos, ainda mais, se utilizada para o crime. Portanto, cabe às autoridades a atenção e investigação nesse cenário, a população oprimida em termos eleitorais agradece.

*Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP e presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP - subseção de Butantã

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