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Existe empresa humanista?

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Foto: Estadão

Durante muito tempo o negócio da empresa foi apenas o lucro. Algo legítimo, inerente à proteção à iniciativa privada, contida nas Constituições das Democracias. E até daquelas experiências pouco democráticas. O lucro é um estímulo a que se desenvolvam atividades úteis à preservação da espécie.

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Só que o lucro acarreta um fenômeno bem conhecido. Ele desperta naquele que o obtém, uma volúpia indomável a multiplicá-lo. Não há limite para a cifra que ele puder garantir ao produtor de bens ou de serviços.

Ocorre que a humanidade teve de descobrir que os governos, por si só, eram impotentes para assegurar os bens da vida perseguidos por uma cidadania que foi desperta para valores intangíveis. As empresas passaram a se preocupar com o que se chamou, de início, responsabilidade social. Hoje praticamente reduzida à pauta ESG, da sigla em inglês. Zelar pelo ambiente, porque a mudança climática é mais perigosa do que a Covid19, pela redução das desigualdades sociais, uma espécie de bomba-relógio que pode destruir a civilização e governança corporativa. Gestão eficiente na administração pública e na iniciativa privada.

O surgimento de uma pandemia que coroou o combo de crises em que o Brasil já mergulhara trouxe um campo de prova para pessoas e empresas. Estas sofrem paralisação que significa entorpecimento, agonia e morte. Ainda assim, há empresas que se preocuparam com a sua feição humanista. Não deixaram de honrar salários, submeteram seus CEOs e diretores ao mesmo regime imposto aos funcionários.

São empresas de várias dimensões. Há muitas famílias que são similares a pequenas empresas. Têm vários assalariados. Continuar a garantir salário, pese embora a redução de jornada, é um traço de humanização das relações entre capital e trabalho.

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A preocupação com a humanização empresarial já surtiu efeitos concretos. Pela segunda vez, realizou-se uma Pesquisa Empresas Humanizadas do Brasil: Índice A. É obra da startup de impacto Humanizadas, que contou com a parceria do Instituto Capitalismo Consciente Brasil - ICCB.

Ouvidas quase quarenta mil pessoas de 226 organizações cujo desempenho situa-se acima da média nacional, à luz dos dados do "Reclame Aqui" e da Glassdoor, chegou-se a um rol de selecionadas empresas que não desprezam o lucro, mas cuidam também de obter qualidade primordial: respeitar o valor absoluto do humano.

Essa pesquisa consulta uma vasta gama de stakeholders. Avalia a sua percepção, capta insights que serão alavancas estratégicas para aprimorar ou alterar condutas institucionais. Criou-se um índice baseado em dados para aferir o grau de conscientização quanto aos impactos causados aos ecossistemas em que atuam, habilidade de desenvolver relacionamentos de excelência e de agregar valor a longo prazo.

Além da pesquisa apontar as boas práticas, ela constitui um estímulo pedagógico a reforçar atitudes. Pois as empresas passam a incluir em suas agendas a maturidade de gestão, o cultivo de relações positivas, a sua reputação no meio em que atuam.

Dentre os bons exemplos, verificou-se que há empresas que garantem participação societária para colaboradores que mais se destaquem, treinamento interno denominado "Escola de Rebeldia" e programa de realizações de sonho que os próprios empregados batizaram de "Bota na Vitrine".

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Isso não é novidade, mas parece. É que o mundo já teve modelos empresariais que não desconheciam o valor do trabalho e procuraram prestigiá-lo, com a obtenção de um retorno mais promissor ao capital empregado. Robert Owen foi um patrão assim na Inglaterra, da mesma forma como Roberto Simonsen em São Paulo.

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Hoje não é mais possível dizer que o negócio da empresa é fazer negócios. Continua a ser, em parte. Mas o negócio da empresa é praticamente holístico. Tudo aquilo que contribuir para que o mundo tenha outra chance de se regenerar, deixando de exterminar a natureza, interessa também ao sucesso da empresa. Esta depende, integralmente, da demanda por seus produtos. O valor agregado àquilo que ela produz, com uma postura ambiental e socialmente correta, vai reverter em lucro maior. O consumidor fideliza as marcas que se preocupam com algo mais do que fazer cada vez mais dinheiro, sem prestar contas de sua responsabilidade em relação à sustentabilidade global.

O humanismo das empresas é uma tendência benfazeja. O mundo inteiro precisa de mais humanização. Talvez o empresariado, que teve de suportar tantas vicissitudes, possa fornecer exemplo aos governos, estes sim, aparentemente esquecidos de seu compromisso com o humano e mais voltados às eleições e ao flagelo nefasto das reeleições.

Sem generalizar, porque há de tudo em todos os segmentos. Mas o recado está dado.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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