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Ex-CEO da Ecovias diz que 80 empresas se reuniam no subsolo de empreiteira para fechar cartel de fraudes a licitações rodoviárias de SP

Em delação firmada com o Ministério Público do Estado e homologada pela Justiça, Marcelino Rafart de Seras aponta reuniões na rua Funchal 160, antiga sede da Camargo Corrêa, para combinar preços e dividir trechos contratados pelo governo paulista entre 1998 e 1999

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Foto do author Fausto Macedo
Foto do author Rayssa Motta
Foto do author Pepita Ortega
Por Fausto Macedo , Rayssa Motta e Pepita Ortega
Atualização:

O engenheiro Marcelino Rafart de Seras, ex-CEO do grupo Ecovias (antiga Primav), disse ao Ministério Público de São Paulo que representantes de cerca de 80 empresas costumavam se reunir no subsolo da antiga sede da construtora Camargo Corrêa, na rua Funchal 160, no bairro Vila Olímpia, zona oeste da capital paulista, para acertar fraudes a licitações de concessões rodoviárias do Estado. A informação foi prestada em colaboração premiada homologada pela Justiça de São Paulo na semana passada.

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Procurada pela reportagem, a Camargo Corrêa - que após envolvimento em diversas investigações, como a Operação Lava Jato, alterou a denominação da marca - afirmou que as declarações não têm 'qualquer fundamento ou conexão com a realidade'.

De acordo com o primeiro dos dez anexos da colaboração, as reuniões ocorriam com sete ou oito executivos por vez e tinham como objetivo simular a concorrência para que cada empresa saísse vencedora da licitação que mais lhe interessava. Segundo Seras, foram dezenas de encontros do suposto cartel a partir do segundo semestre de 1997.

Na época, o governo de São Paulo havia anunciado um pacote de 12 concessões, incluindo os sistemas Anhanguera-Bandeirantes, Castelo Branco-Raposo Tavares e Anchieta-Imigrantes (veja a lista completa no final da matéria). Os contratos foram formalizados entre 1998 e 1999. O delator disse ainda que não havia muita disputa porque as empresas envolvidas não tinham condição de assumir todos os lotes. O depoimento atinge, além da própria Ecovias e da Camargo Corrêa, as empreiteiras Andrade Gutierrez, Odebrecht, Carioca Engenharia, Queiroz Galvão, Via Engenharia e a Cowan.

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Fotos aéreas do trecho sul do Rodoanel. As primeiras são do trecho que passa sobre a Regis Bittencourt, a seguir, o trevo para a Rod dos Imigrantes e depois a Anchieta. 10.03.2010 São Paulo-SP Foto: Milton Michida/Governo do Estado de SP

O engenheiro afirmou que as empresas ou grupos tinham os patrimônios líquidos computados e, a partir do montante, era calculada a porcentagem de cada lote.

A versão de Seras, ao menos nesta etapa, não compromete agentes públicos. Ele disse aos promotores que não pode afirmar que houve pagamento de vantagens indevidas e que, da parte da Ecovias, não houve propina a membros da administração pública. Também afirmou que as demais concorrências abertas pelo Estado de São Paulo transcorreram normalmente, sem combinação de preços ou divisão dos trechos.

A reportagem do Estadão apurou, no entanto, que vários políticos e servidores de escalões e poderes diversos são citados nos demais anexos da delação. O depoimento dá início à investigação do Ministério Público de São Paulo. Os promotores de Defesa do Patrimônio Público vão começar a ouvir as empresas acusadas e pessoas envolvidas. A Promotoria pode pedir a extinção dos contratos e até a dissolução das empresas que teriam fraudado as licitações. Apenas a Ecovias está salva.

O acordo foi fechado no dia 6 de abril de 2020. Já nessa época, o ex-CEO deu início à série de depoimentos que formam os dez anexos de sua delação. As investigações sobre as denúncias de Marcelino Rafart de Seras, no entanto, só puderam ser desencadeadas depois que o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo homologou o acordo, no último dia 15. Agora, com a homologação do juiz Danilo Mansano Barioni, da 1.ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, a Promotoria pode retomar as apurações. Cerca de 30 envolvidos e testemunhas devem ser chamadas a depor.

Veja a lista de editais citados no primeiro anexo da delação de Marcelino Rafart de Seras:

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  1. Sistema Anchieta-Imigrantes;
  2. Sistema Castelo Branco-Raposo Tavares;
  3. Sistema Anhanguera-Bandeirantes;
  4. Malha Rodoviária Ribeirão Preto e divisa com Igarapava (MG);
  5. Malha Rodoviária Mococa, São José do Rio Pardo, São José da Boa Vista e Campinas;
  6. Malha Rodoviária São Carlos, Catanduva, Matão, Bebedouros, Sertãozinho e Borborema;
  7. Malha Rodoviária sistema Anchieta-Imigrantes;
  8. Malha Rodoviária São Carlos, Itarapina, Brotas e Jaú;
  9. Malha Rodoviária Franca, Batatais, Ribeirão Preto, Araraquara, São Carlos e Santa Rita do Passa Quatro;
  10. Malha Rodoviária Rio Claro, Piracicaba, Tietê, Jundiaí, Itu e Campinas;
  11. Malha Rodoviária Catanduva-Beboura;
  12. Sistema de ligação São Paulo-Sorocaba.

COM A PALAVRA, A ODEBRECHT

"A empresa não vai comentar."

COM A PALAVRA, A ANDRADE GUTIERREZ

A reportagem fez contato com a assessoria da empresa e aguarda resposta.

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COM A PALAVRA, A CAMARGO CORRÊA

"A Construtora Camargo Correa não se manifesta sobre vazamentos de depoimentos de terceiros, protegidos por sigilo de Justiça e, neste caso, sem qualquer fundamento ou conexão com a realidade. A empresa informa, ainda, que foi a primeira grande companhia de seu setor a firmar acordos de leniência com o Ministério Público Federal e com o Cade e, desde então, tem colaborado proativamente com as autoridades na investigação de qualquer denúncia de supostas irregularidades."

COM A PALAVRA, AS DEMAIS EMPRESAS CITADAS 

A reportagem busca contato com as demais empresas citadas. Até o momento, as assessorias da Carioca Engenharia e da Queiroz Galvão não retornaram o blog. A Via Engenharia e a Cowan também não atenderam as ligações da reportagem.

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