Uma ex-assessora de gabinete da deputada estadual Clélia Gomes (Avante) afirmou, em depoimento ao Tribunal de Justiça de São Paulo, ter desempenhado o papel de arrecadadora de supostos desvios dos salários dos funcionários - parte deles, fantasmas. Segundo Daniela Cristina Araújo Rocha, os supostos esquemas abasteciam em R$ 80 mil mensais o presidente do PHS paulista, Laércio Benko, com quem a parlamentar teria uma dívida de campanha.
Promotoria investiga esquema de desvio de salário na Assembleia de São Paulo
A deputada estadual é alvo de investigação criminal. Por ter foro privilegiado para inquéritos relacionados ao atual mandato, o procedimento é tocado pela Procuradoria-Geral de Justiça e os interrogatórios de testemunhas são realizados pelo Órgão Especial do TJ.
Planilha indica que supostos desvios pagavam aluguel da mãe de deputada
Na sexta-feira, 14, a reportagem fez contato com as assessorias de Clélia e de Benko. Ambos não se manifestaram. O espaço está aberto.
No dia 3 de setembro, três ex-funcionários de Clélia afirmaram ao desembargador Sérgio Rui da Fonseca, relator do inquérito que mira a deputada, que devolviam parte de seus salários em benefício dela. O caso foi revelado pelo Estado, e também é investigado na Promotoria do Patrimônio Público e Social de São Paulo.
Ex-funcionário da Assembleia diz ter sido 'coagido' a fazer empréstimo a empresa fantasma
Daniela Rocha, que diz ter trabalhado para Clélia Gomes por dez anos, relatou que, dos R$ 11 mil mensais de seu salário, devolvia R$ 6 mil para a parlamentar. Ela também lembrou ter sido a suposta responsável por arrecadar quantias devolvidas por seus colegas. "Então, eu era a pessoa responsável pelo recebimento desse dinheiro, eu cuidava da parte administrativa e da parte financeira do gabinete, então, eu fazia esse recolhimento, separava e encaminhava para onde a deputada pedia para mandar".
Do total, ela relata que R$ 80 mil eram destinados a Laércio Benko, advogado e presidente do Partido Humanista da Solidariedade, legenda à qual Clélia Gomes foi filiada até 2018, quando se mudou para o Avante. "Então, eu somava o valor dos funcionários, que eram comissionados dele, e a diferença, eu pagava. Então, às vezes, a diferença dava sete, seis, então, eu só acrescentava a diferença e mandava para completar os oitenta mil".
Gladis Henne, ex-assessora de Clelia e de Laércio, afirmou que os repasses se tratavam de uma 'dívida de campanha'. "Bom, aí, nós temos na coluna debaixo as pessoas que são funcionárias do Laércio e, como o Laércio pagou a campanha da Clélia em 2014, ela tinha o compromisso de devolver o dinheiro".
Além disso, também lembrou de outras despesas para as quais os supostos desvios se destinavam. "Pagava, pagava o aluguel da casa da mãe dela, que consta na planilha; uma parte, dez mil reais ficava com ela, e o que sobrasse, se sobrasse alguma coisa, também ficava com ela".
Além de Daniela, as testemunhas Gladis Henne e Diego Montone, também ex-assessores de Clélia acusaram, em depoimento, a existência de funcionários 'fantasmas'. Uma delas é Algrair Calcanho, que foi exonerada, ao lado de outros funcionários, após o Estado revelar as investigações. As testemunhas afirmaram que ela é mãe de outra servidora, Thamires Oliveira, mas nunca trabalhou.
"Não, ela não fazia nada, na verdade, ela foi nomeada para devolver o dinheiro. Então, ela recebia... não vou me recordar agora, mas eu sei que ela ficava com quinhentos reais para ela, ela sacava tudo que caía, ela ficava com quinhentos e o restante, ela devolvia", afirmou a ex-assessora da deputada.
Segundo apurou o Estado, Thamires comparece e trabalha no gabinete da deputada, acompanhando-a também em agenda no interior de São Paulo. Já sua mãe não foi localizada à época em que era funcionária.
Além dos depoimentos, uma planilha chegou às mãos do Ministério Público. Nela, constam supostos valores de salários e devoluções que os funcionários teriam de fazer à deputada. Daniela afirmou ter sido a responsável pelo controle dessas tabelas. Também há uma indicação de funcionários nomeados no gabinete, que, na verdade, teriam trabalhado somente para o escritório de Laércio Benko.
O Estado ligou para o escritório de contabilidade de Benko. Pelo telefone, o atendente confirmou que os dois funcionários de Clelia trabalham com o presidente do PHS e candidato a deputado federal. Chegou, inclusive a repassar o telefonema a Rosângela Cardoso, nomeada no gabinete da deputada. Quando questionada, ela desligou o telefone.
Diego Montone, que também foi assessor de Clelia, reiterou ao Ministério Público Estadual ter devolvido valores à deputada. Ele concedeu entrevista ao Estado em fevereiro, enquanto ainda era servidor, e pediu exoneração em seguida. Ele afirma ter sido coagido a devolver os salários sob suposta ameaça de perder o emprego no gabinete.
Diego diz ter ouvido da deputada:"Olha, eu só posso te dar tanto, o que cair, você sabe que a gente utiliza para outros fins, nós precisamos pagar outras pessoas e ajudar outras pessoas". E a gente dependia, né. "Se você não puder, outras poderão".
COM A PALAVRA, CLELIA GOMES
A reportagem entrou em contato com a assessoria da deputada na sexta-feira, 14. O espaço está aberto para manifestação.
COM A PALAVRA, LAÉRCIO BENKO
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa na sexta-feira, 14. O espaço está aberto para manifestação.