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Evasão das universidades

Por Antonio Baptista Gonçalves
Atualização:
Antonio Baptista Gonçalves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A covid-19 produziu consequências nos mais variados setores dos países, inegavelmente a saúde e a economia estão entre os que foram mais afetados, porém, no Brasil a educação também padece com seus efeitos. Em decorrência da pandemia, entre abril e maio, 265 mil alunos trancaram suas matrículas nas universidades particulares. O número assusta e, ao mesmo tempo, enseja uma reflexão.

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Afinal, temos acompanhado que a educação no Brasil passa por uma crise já há algum tempo, tanto na rede pública quanto na privada. A qualidade do ensino brasileiro é ruim em parte das instituições de ensino e o reflexo se nota quando da formação de seus estudantes. Veja por exemplo o curso de Direito.

A quantidade de faculdades de Direito no Brasil é superior à soma de todas as faculdades de direito existentes no resto do mundo. Como ter um ensino qualificado para todos? O aluno escolhe sua instituição de acordo com um binômio: sua capacidade intelectual e econômica. Ambos são indissociáveis.

O aluno pode ser intelectualmente privilegiado e/ou extremamente aplicado. Com isso, suas chances de ingressar em uma faculdade pública - que além de ser gratuita possui, em geral, excelente nível de ensino - aumentam, o que não é garantia de obter a vaga, mas, sem dúvida, é um diferencial. Porém, se no dia do vestibular o nervosismo lhe visitou, se a concentração não estava plena, ou se era apenas um dia ruim e a vaga se esvaiu, o binômio estará presente e uma análise do quanto poderá ser pago por seu ensino será preponderante.

O Brasil é um país com desigualdades econômicas acentuadas, pois, 28% da renda total do país está concentrada em 1% da população, o que o coloca apenas abaixo do Catar como maior concentração de renda entre os países. Por conseguinte, se o aluno não está em uma família pertencente a este 1%, provavelmente, terá de fazer as contas e otimizar seu orçamento para incluir os custos das mensalidades de uma universidade por cinco anos, sem contar a possibilidade de exames, reprovação de matérias etc.

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Com essa profusão de faculdades de Direito, com certeza haverá alguma que estará de acordo com seu padrão financeiro, porém, o ensino não. O impacto da defasagem produzida pelo fornecimento ruim da educação geralmente não é sentido no transcurso da graduação mas, a realidade inapelavelmente o atingirá quando do exame para obtenção de sua carteira profissional na Ordem dos Advogados do Brasil.

Atualmente a média nacional de aprovação para alunos das universidades públicas é de 39%, enquanto nas universidades privadas o número cai para 17%. Significa que um elevado número de formados em Direito não se tornam advogados anualmente. E sem estar habilitados o exercício da profissão se impossibilita.

A taxa de desemprego para os jovens entre 18 e 24 anos divulgada em maio de 2020 pelo IBGE é de 27,1%, portanto, muito acima da média nacional de 12,2%. Dentre os motivos do número tão expressivo está a qualidade de ensino deficiente que não qualifica o aluno para o mercado de trabalho.

O êxodo de alunos na rede privada denota que o ensino não está entre as prioridades. Claro, que em tempos excepcionais como vivemos, a primazia é ter comida na mesa e trancar o curso não significa a desistência do mesmo, porém, mostra que o ensino não é a preeminência, ao contrário, que o resultado está aquém do desejado e que o Estado pouco ou nada faz a respeito.

O problema começa na base e por conta do Estado. Se a rede pública de ensino tivesse qualidade, ao invés de ser o despautério que vemos atualmente, as famílias que possuem condições poderiam poupar o erário gasto no ensino de base na rede privada para investir em uma faculdade de qualidade, com seus filhos tendo cursado a rede pública de ensino desde o fundamental. Mas não, a fim de reunir melhores condições a seus filhos, os pais gastam elevadas somas de dinheiro ao longo da formação de base de seus herdeiros. Quando estes chegam no vestibular manter o ritmo para a universidade, com o acréscimo de livros, talvez moradia e alimentação, os custos inviabilizam o gasto e ceder na qualidade de ensino pode ser a única escolha possível, isto é, optar por uma faculdade que se pode pagar, em detrimento da excelência do ensino.

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O Estado brasileiro perde sistematicamente suas futuras gerações. Um aluno com educação, cidadania e cultura tem condições de ser um bom profissional e ser absorvido pelo mercado de trabalho. Os números mostram que o Estado finge que ensina e os alunos mostram que não aprendem.

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A crise do ensino no Brasil é profunda e a pandemia desvelou o que já se sabia: a deficiência de um investimento adequado no ensino público. Ter dinheiro não significa gastar bem, afinal, o Brasil era pré-pandemia a nona maior economia do mundo, portanto, dinheiro para empregar na educação existe, o complexo é saber criar parâmetros e municiar a rede educacional com remuneração, instrumentos, instalações e uma grade curricular de qualidade, isso claramente não tem sido feito.

O reflexo da crise na educação brasileira se nota no Ministério da Educação, porque, em 18 meses do atual governo iremos para o quarto ministro, o professor evangélico Milton Ribeiro, sendo que o terceiro foi nomeado, todavia, nem posse tomou por conta de fraudes em sua formação acadêmica, o que resultou em seu pedido de demissão com menos de uma semana após a publicação de sua nomeação no Diário Oficial, o mais claro exemplo de que a educação brasileira está colapsada em uma espiral descendente.

É hora de se levar a educação a sério, o futuro de nossas crianças depende de uma política pública de qualidade que ensine valores, cultura e cidadania à população brasileira. Com isso, os pais poderão escolher a faculdade do filho pelo ensino e não pelo bolso, o que produzirá melhores profissionais e o ganho será revertido para o Estado e para as famílias. A população brasileira agradece.

*Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP e presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP - subseção de Butantã

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