Jayanne Rodrigues
14 de fevereiro de 2022 | 19h38
A menina de onze anos foi agredida com socos, tapas, empurrões e puxões de cabelo. Foto: Divulgação/ Internet
Um vídeo que circula nas redes sociais indica mais um capítulo da intolerância a que brasileiros estariam sendo submetidos em algumas regiões de Portugal. As imagens exibem uma menina de 11 anos sob uma severa sequência de tapas, socos e pontapés desferidos por colegas na escola onde estuda. Em entrevista ao Estadão, a mãe da garota, Antonia Melo, 47, relata que a filha já enfrenta há anos situações de violência e bullying. “O que mais me preocupa é querer jogar isso para debaixo do tapete”. O caso aconteceu no início deste mês, no dia 4 de fevereiro, na Escola Básica Ruy D’Andrade, em Entroncamento, distrito de Santarém, província de Ribatejo, região central de Portugal.
O ambiente escolar é o cenário da agressão. Tapas, socos, empurrões, chutes e puxões de cabelo. Ao fundo, gritos de pessoas que riem do espancamento. Alguns segundos depois, uma das testemunhas pede para o ataque ter fim. O registro foi feito por uma garota que teve um desentendimento com a vítima um dia antes.
Antonia descobriu a agressão depois que pais de outros alunos compartilharam o vídeo via aplicativo de mensagens. Após dez dias do episódio, para ela, o mais assustador é compreender que o país lusitano não é seguro para a filha. “O que mais me deixa decepcionada é estar em um lugar que se diz de primeiro mundo e ainda passar por isso”. A mulher morava no Rio de Janeiro quando decidiu ir embora do Brasil com a família em 2018.
Natural do interior do Ceará, a gestora de Recursos Humanos afirma que a violência que presenciou no País de origem foi o motivo para a mudança. “Eu tinha pavor que isso viesse a acontecer com a minha filha”. Mas quando imagina que o bullying poderia ter ocorrido no Brasil, se sente aliviada por não estar na terra natal. “Se fosse por aí poderia ter sido pior”, afirma.
BULLYING E VIOLÊNCIA
Essa não é a primeira vez que a menina é vítima de ataques. Segundo Antonia, desde a chegada em Portugal, a filha é humilhada por outros colegas. A violência começou com assédio verbal e psicológico, se intensificou com xingamentos, ameaças e por fim, agressão física.
Um dos casos aconteceu durante o período de férias escolares. A pré-adolescente recebeu recados hostis de uma garota via WhatsApp. Na mensagem, a menina envia de maneira repetitiva a frase: “mata-te”. Em seguida, escreve que ninguém da turma gosta dela e que todos desejam que ela morra. A partir daí, Antonia conta que começou a notar comportamentos autodepreciativos e autodestrutivos na filha.
Mensagem enviada para a vítima durante férias escolares. Foto: Arquivo pessoal
Em outra situação, ela foi constrangida por parte da turma por ser fã de um anime coreano, o ‘Death note’. Na obra ficcional, o protagonista descobre um caderno sobrenatural que dá a possibilidade de matar pessoas. “Dessa vez o coordenador tentou conversar com os alunos para que eles tivessem mais tolerância”.
No ponto vista da mãe, xenofobia não foi o único motivo para os atos agressivos. Ela acredita que a violência contra a menina também seja resultado do contexto familiar em que a colega que a agrediu está inserida. “Tem que investigar de onde vem tanto ódio, tanta revolta e fúria”.
No intuito de alertar outras famílias, a gestora divulgou um desabafo em suas redes sociais. Aos prantos, ela aconselhou que as pessoas não se calem diante de episódios de violência: “Se você ver seu filho passar por uma situação dessa, denuncie!”, e também lamentou “o que mais me choca é que isso aconteceu dentro da escola”.
Nos comentários do post, outras mães relataram ter enfrentado o mesmo trauma. Uma delas diz que o filho de oito anos também foi vítima de discriminação e bullying em Portugal. “Ele foi espancado pelo colega, fiz a denúncia na polícia… Chega de nossos filhos sofrerem esses tipos de agressões e desrespeito num país onde se diz seguro”, ressalta a internauta.
“Eu me sinto perdida, decepcionada. Eu acho que eu fracassei… Será que eu escolhi errado?” Ainda abalada, ela tem recebido apoio de imigrantes de outros países que vivem em Portugal para superar o trauma com a filha. “Eu me sinto mais acolhida. Porque a sua nacionalidade não define quem você é”, defende Antonia.
A instituição disponibilizou apoio psicológico, mas a gestora decidiu manter a menina com a profissional que a acompanhava antes por não se sentir segura. Agora ela está preparando a documentação para transferir a filha para outra escola. Desde a agressão, a vítima não frequenta o colégio.
Antonia registrou boletim de ocorrência na Polícia. Ela explica que o próximo passo é abrir um processo contra a instituição por causa da omissão diante do histórico de violência que o local tinha conhecimento.
Em nota à imprensa lusitana, o Ministério da Educação de Portugal comunicou que havia entrado em contato com Antonia na terça-feira, 7. Mas ela afirma que só recebeu suporte do órgão na quinta-feira, 9.
COM A PALAVRA, A EMBAIXADA DO BRASIL EM LISBOA
A reportagem do Estadão entrou em contato por e-mail com a Embaixada do Brasil, mas até a publicação deste texto não houve retorno. O espaço está aberto para manifestação (jayanne.rodrigues@estadao.com)
COM A PALAVRA, A ESCOLA BÁSICA RUY D’ANDRADE
A reportagem entrou em contato por telefone com a direção da escola, mas até a publicação deste texto não houve retorno. O espaço está aberto para manifestação.
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