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Estamos presenciando o fim dos fundos de liquidez diária?

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Por Lauro Araújo
Atualização:
Lauro Araújo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Desde o surgimento e popularização dos títulos privados de renda fixa - em especial os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), as Debêntures Incentivadas e os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) -, achei que os fundos de crédito sofreriam resgates.

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Para o cliente do tipo pessoa física é muito mais interessante comprar diretamente esses papéis do que os conseguir por meio de fundos. O motivo é simples: no fundo é necessário realizar os pagamentos do imposto de renda e taxa de administração. Ao investir de forma direta, não é preciso pagar imposto e não há taxa de administração.

A realidade foi diferente do que eu pensava. Os fundos de crédito, mesmo os de liquidez diária, continuaram a crescer. Curioso é que o mercado de títulos privados também cresceu bastante.

Mas a mudança veio, mesmo apresentando certa lentidão no início. A partir do começo do ano passado, alguns clientes perceberam que ter esses papéis em carteira, era mais interessante do que investir em fundos de crédito privado. O dinheiro novo iria para a carteira e não mais para os fundos.

Com a crise gerada pela covid-19, muita coisa mudou rapidamente. Os riscos dos fundos de crédito ficaram mais evidentes. Todos eles sofreram com cotas negativas. Em alguns casos a perda foi superior a 5%.

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Mas, o que causou uma perda tão grande nesses fundos em tão pouco tempo? A explicação pode não ser óbvia, mas é simples. No mercado financeiro tudo é definido pela lei da oferta e demanda. Se todos os investidores querem comprar algo, o preço sobe. Já quando ocorre o contrário, a tendência é a de que todos queiram vender, consequentemente, o preço cai. Foi exatamente isso que aconteceu.

Diante da crise, os investidores iniciaram um movimento de resgate de fundos de crédito, principalmente, daqueles com liquidez diária. Para honrar os resgates, o gestor se viu obrigado a vender rapidamente os investimentos de sua carteira. Essa necessidade de venda aumentou a quantidade ofertada de títulos privados. Pronto, já é possível imaginar o que acontece quando muita gente quer vender.

Os compradores, mesmo os mais agressivos, estavam mais seletivos, o que é normal. A crise foi forte, manter a cabeça fria é o melhor remédio nestes momentos. Resultado: poucos compradores.

Então a situação era: muita gente precisando vender e quase ninguém querendo comprar. Não podia dar outro resultado: o preço dos títulos privados despencou.

Outro fator importante é a forma como o valor da cota do fundo é calculada. O administrador tem a obrigação de contabilizar todos os investimentos de sua carteira pelo preço de mercado. Como o mercado estava pagando menos pelos papéis, o fundo perdeu valor. Resultado: cota negativa.

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A cota negativa disparou uma segunda onda de resgate. O gestor se viu obrigado, mais uma vez, a vender a qualquer preço, o que acabou gerando mais cota negativa. Esse efeito se repetiu algumas vezes em março.

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Março e abril foram os meses da liquidação na renda fixa. Papéis de empresas de primeiríssima linha foram vendidos de forma barata, a preços de papéis de empresas de alto risco. Esse contexto foi bom para quem tinha dinheiro em conta. Hoje, ainda vemos oportunidades interessantes, mas as taxas já não são as mesmas.

Outro ponto importante a mencionar é o de que na carteira do cliente, o título de renda fixa é contabilizado pelo preço comprado e corrigido pela taxa de juros pactuada, ou seja, não é o valor de mercado que se vê na carteira, diferente de um fundo. Se uma pessoa optar por ficar com o investimento até o vencimento do mesmo, tudo bem, no final ambos - valor de mercado e valor de carteira - serão iguais. Agora, se o investidor preferir vender o título antes do vencimento, deve ficar atento ao valor de mercado. Como vimos, ele pode negociar com ágio ou deságio.

Olhando para o futuro, fica claro que fundos de crédito em geral, perderão espaço no portfólio de clientes mais ativos. Para os clientes que "não gostam de ter trabalho", ainda terão algum apelo. Apesar de acreditar que esse cliente ficaria muito mais bem servido, investindo diretamente em bons papéis de renda fixa, reconheço que os fundos podem ser uma opção interessante, mesmo considerando que as taxas de administração comerão uma boa parte da rentabilidade.

Entretanto, os fundos de crédito de liquidez imediata - aqueles em que o investidor pode retirar o seu dinheiro em 3 ou menos dias - podem estar com os dias contados. A razão dessa observação é a seguinte: historicamente, esses fundos rendem um pouco acima do CDI. Uma rápida pesquisa pode mostrar que em 2018 e 2019, a média de retorno acima da taxa do CDI não passa muito de 0,3% ao ano - algo em torno de 105% do CDI, no máximo 110%. Na crise, a média de perda sofrida pelo mais conservadores foi de 1%. Se pensamos em um CDI de 2% ao ano, a perda equivale a 6 meses de retorno.

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Fica a pergunta: vale a pena correr o risco de perder 1% em menos de um mês para ganhar 0,1% durante todo um ano? A resposta objetiva é não.

É claro que uma crise como essa não deve ocorrer sempre. Mas, se o investidor tem espaço em sua carteira para correr maiores riscos, deve pensar em ativos que tenham uma maior expectativa de ganho. É melhor deixar 90% do seu dinheiro no Tesouro Selic e fazer uma pequena aplicação de 10% em um fundo imobiliário, do que colocar todo o seu dinheiro em um fundo de crédito com liquidez diária. Diversificando a sua carteira, o seu risco total não será grande - só 10% do seu dinheiro assume risco de perda - e o ganho será mais interessante com o recebimento dos dividendos dos Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs).

Além disso, os fundos com liquidez diária se prestam a dois objetivos principais: reserva de emergência e reserva de oportunidade.

A reserva de emergência é aquele dinheiro que o investidor guarda para uma emergência: doença na família, perda de emprego, etc. Ela precisa ser preservada longe de possíveis riscos. Essa reserva deve ser usada em momentos desafiadores. Um fundo que pode ter cota negativa não é indicado para essa reserva.

Investidores agressivos constituem reservas de oportunidade. Um dinheiro - normalmente proveniente do lucro de algum investimento - que fica esperando novas oportunidades. Vamos assumir o risco de perder 1% desse dinheiro? Claro que não, o objetivo aqui é manter o dinheiro líquido e livre de risco para aproveitar oportunidades.

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Conclusão: no Brasil, os gestores estão acostumados a vender fundos de crédito que, simplesmente, compram títulos e ficam com os mesmos até o vencimento. O investidor brasileiro está aprendendo que com o auxílio de uma boa assessoria de investimentos, também pode fazer a mesma coisa, sem ter que pagar pela taxa de administração e imposto de renda. Fora do Brasil, esses fundos realizam aplicações complexas e possibilitam a compra de títulos de renda fixa em diversos países. Claro, isso é muito mais complicado, até porque temos o problema da taxa de câmbio. Assunto para outro artigo. Mas, normalmente estes fundos não oferecem liquidez diária.

Contudo, aconselho que o investidor reveja os seus investimentos. Pense com carinho na sua carteira e busque opções inteligentes, seguras e rentáveis. Com uma taxa de juros baixa, qualquer ganho é importante!

*Lauro Araújo, assessor na Atrio Investimentos

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