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Estados de exceção, covid-19 e gastos públicos: uma combinação perigosa sob o ponto de vista do combate à corrupção

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Por Rossana Brum Leques
Atualização:
Rossana Brum Leques. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os impactos da covid-19 trouxeram consigo a necessidade de as autoridades públicas aumentarem os gastos públicos, justamente com o intuito de combater a pandemia.

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Só no Estado de São Paulo, em documento disponibilizado no último dia 28 de abril, foram 140 compras emergenciais para atendimento da contingência do coronavírus, que somam o total de mais de R$ 912 milhões de reais.

O aumento da quantidade de leitos para tratamento dos doentes (e até mesmo a construção de hospitais de campanha nos maiores centros urbanos do país), além da necessidade de compra de insumos, testes de verificação de contaminação, máscaras, luvas e outros equipamentos de proteção são um claro exemplo disso.

Não por outro motivo, no final do mês de março deste ano, o Governo Federal e os demais entes federativos decretaram estado de calamidade pública, à medida que o coronavírus avançava pelo país. No estado de São Paulo, foi por meio do Decreto nº 64.879/2020, disponibilizado no Diário Oficial em 21 de março de 2020, que se reconheceu o referido estado de exceção.

Tais medidas - sem nenhuma dúvida necessárias diante do caos que se instalou desde então - autorizam inobservância à meta fiscal definida anteriormente, com a autorização de gastos extraordinários e diminuição dos procedimentos para contratação com o Poder Público, dispensando-se a realização de licitação.

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Se, por um lado, o reconhecimento do estado de calamidade confere aos gestores públicos maior agilidade para a adoção das medidas necessárias de combate à pandemia nestes dias difíceis, tendo em vista a desburocratização do processo de compra e contratação com o Poder Público, por outro lado, perde-se a rigidez do processo de licitação, cujas etapas e critérios visam a seleção da proposta mais vantajosa, menos onerosa e com a melhor qualidade possível para o dispêndio de dinheiro público.

Quando todos os olhares e energias estão naturalmente voltados para o combate à pandemia, cria-se um cenário preocupante e que requer cautela pelos gestores públicos no âmbito da União, dos Estados e Municípios.

Assim, é importante lembrar que, por evidente, a dispensa de licitação não afasta a necessidade de observância aos princípios da Administração Pública, especialmente da moralidade, com a busca por uma atuação boa e honesta.

Nesse sentido, o próprio Tribunal de Contas da União traz como parâmetros a motivação do ato praticado pelo gestor (demonstração da emergência na compra/contratação direta realizada) e a comprovação de compatibilidade dos preços com aqueles praticados no mercado.

Fiquemos atentos: publicidade e transparência ainda são importantes recursos no combate à corrupção.

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Não por acaso, neste último dia 30 de abril, noticiou-se que o Ministério Público instaurou inquérito civil público para apurar a compra direta de respiradores hospitalares, no valor de US$ 100 milhões de dólares, pelo Governo do Estado.

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Os critérios utilizados para as compras e contratações diretas feitas neste período são cruciais e devem ser cobrados pela sociedade civil.

Por isso, andou muito bem o Plenário do Supremo Tribunal Federal ao impedir as restrições na Lei de Acesso à Informação durante a pandemia, tal como inseridas pela Medida Provisória 928/2020, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6351) ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Pretendia-se suspender os prazos de resposta aos pedidos de acesso à informação nos órgãos com servidores em regime de quarentena ou teletrabalho e que dependessem de acesso presencial dos encarregados da resposta ou do agente público ou setor prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento da pandemia - o que se nota ser ainda mais absurdo diante do contexto acima.

Este período difícil há de passar, mas não esqueçamos, as contas - como sempre - serão pagas por nós, contribuintes.

*Rossana Brum Leques, advogada criminalista. Mestre em Direito pela USP. Professora universitária

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