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Estado enfermo: precisa de cuidados

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO Foto: Estadão

O Estado é conceituado de várias formas. Monopólio da força, organização provida de soberania, instrumento de realização dos anseios humanos, sociedade de fins gerais, cuja abrangência permite que, em seu interior, desenvolvam-se as sociedades particulares e os indivíduos.

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Seja como for, parece que o Estado brasileiro está enfermo. Já vinha evidenciando sintomas preocupantes. Falta absoluta de ética, moral em recuperação judicial (porque já não existe a concordata...), economia em debacle, desemprego crescente, milhões sem saneamento básico, emprego, moradia e perspectiva de vida digna.

Para culminar, a pandemia. Tudo conspira para que o Brasil tenha chegado ao declínio sem ter tido apogeu. Não passou de mera promessa.

Entretanto, uma das concepções otimistas dessa entidade chamada Estado o considera centro de simpatia e cooperação. Simpatia e cooperação representam ideais benevolentes. Seria possível uma associação humana reger-se pela espontânea atração entre seus membros e atuar de forma a perseguir finalidades comuns? Uns ajudando os outros? Todos unidos numa coesão de sentimentos cordiais tendentes à fraternidade?

Dir-se-á que isso é difícil de se conseguir até em comunidades minúsculas. A família, por exemplo. Nem sempre é esse ninho de amor e de convivência aprazível. Quando a proporção atinge dimensões maiores, tudo tende a piorar. Que o digam os estamentos corporativos, foco de competitividade ferrenha, eixo de dissensões, maledicência, hipocrisia e falsidade. Toda instituição humana pode ostentar as falhas da criatura racional, mas imperfeita. Aquela que luta, permanentemente, para alimentar um dos dois animais que ocupam sua consciência. Qual vencerá a eterna disputa?

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Todavia, há uma possibilidade de surgimento dessa utopia que é a cooperação entre humanos que se consideram simpáticos. É o período de guerra. Diante do conflito, os homens tendem a se ajudar mutuamente. O destino comum seria a morte. A salvação vem de mãos se encontrando e se amparando. Quando o perigo se avizinha, as ambições mesquinhas e egoísticas desaparecem.

Não estamos longe desse estágio. Incúria, omissão, negacionismo, incompetência, ignorância e, para culminar, má-fé. Tudo isso colaborou para que o Brasil chegasse à condição de mau exemplo universal. O criadouro de mutações do Covid, o país em que mais se morre, por falta de leitos nas Unidades de Terapia Intensiva, por falta de vacina, por falta de medicamentos para os tratamentos mais graves, por falta de oxigênio, por falta de pessoas preparadas. Mas, sobretudo, por falta de dignidade e de vergonha.

É óbvio que não podemos confiar cega e plenamente na matéria de que é feito o ser humano. Esta pandemia já mostrou a continuidade da corrupção, seja na aquisição de equipamentos, seja no "furar a fila" da vacinação. Aqui, segundo consta, houve torpeza bilateral: os que quiseram passar na frente receberam injeção de soro fisiológico.

Mas houve uma corrente de solidariedade. Pessoas que se condoeram da sorte dos invisíveis e procuraram fazer o que podiam. Se cada um alimentar outrem, a tragédia não será tão intensa. Mas é preciso também perseverar na busca de situação nacional que não nos empurre para este beco sem saída, para este túnel em que a única luz que se vê é a da locomotiva em sentido contrário. E estamos nos sentindo amarrados sobre os trilhos, sem poder nos mexer...

É claro que o desalento pode nos acometer outra vez. No livro "Desencantamento", C.E.Mortague conta como o espírito de solidariedade empolgou a nação e logo em seguida foi destruído: "A maioria desses voluntários dos primeiros instantes eram homens de belas e infinitas ilusões. Cada um deles, de maneira absoluta, se imaginava uma molécula do corpo da nação, que estava realmente, e não de maneira figurada, retesando todos os seus nervos, para cumprir uma obrigação de honra". Sentiam que a virtude cresce regada pela chuva vermelha da guerra. Mas no coração da rosa morava uma lacraia.

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Em 2021, os brasileiros têm de matar a lacraia que se hospeda na utopia da rosa. Que utopia é essa? É a esperança de uma vida dadivosa, numa terra prodigiosamente rica, rica o suficiente para sustentar inúmeras gerações, desde que cesse a destruição de seu patrimônio natural e de seu tesouro intangível, a crença de seu povo nos destinos do Brasil.

Compreensível o desalento e o abatimento moral. Mas nada é impossível para quem tiver vontade férrea e determinação. Vamos cultivar a simpatia para com todos e cooperar para o resgate dos valores negligenciados e desprezados?

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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