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Essa CPI não vai dar em nada

É o que dizem, repetem e elaboram os apoiadores do presidente da República: "que CPI que nada"... "São sete bandidos"... "Como um vagabundo como Renan Calheiros pode investigar alguém"...

Por Ugo Braga
Atualização:

Ugo Braga. Foto: Divulgação.

Pois em verdade vos digo, a CPI está neste momento potencialmente decidindo a eleição do ano que vem. E passo a me explicar.

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CPIs são quase sempre um espetáculo político. Ao contrário de outros espetáculos, ela não produz o desfecho ao seu fim. Produz enquanto se desenrola. E esta CPI está produzindo um fenômeno já captado matematicamente. A última pesquisa de opinião do XP/Ipespe, publicada há alguns dias, mostra o congelamento da avaliação de bom/ótimo do governo Bolsonaro em 22%. Ao passo que a maioria esmagadora que o julga ruim ou péssimo estacionou na faixa dos 58%.

Vai e vens na opinião pública são normais. Mas essa aglutinação se dá especificamente no momento em que o governo voltou a pagar o auxílio emergencial. Aquele mesmo que no ano passado tirou a imagem de Bolsonaro do atoleiro. Isto é, a CPI está a alterar a máxima rodrigueana segundo a qual dinheiro compra até amor verdadeiro. Não mais dos brasileiros por Bolsonaro.

Curioso é que, fora as suspeitas recentes de corrupção, rigorosamente nada do que a CPI ilumina é propriamente novidade.

Bolsonaro resolveu atacar a política de distanciamento social nem bem havia pousado em Guarulhos o avião que trouxe da Itália o primeiro brasileiro infectado. Ele não o fez por alguma crença sanitarista. Pelo contrário. Convenceu-se que o isolamento traria recessão. E recessões derrubam governos. Pouco importa a ele se brasileiros morreriam, como de fato morreram. A ele importava, como importa cada vez mais, manter-se na cadeira.

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Não esperava que seu então subordinado, Luiz Henrique Mandetta, um médico, se opusesse publicamente a tão tresloucada ideia. Nem muito menos que, ao fazê-lo, tornaria-se namoradinho do Brasil, a ponto de ficar muito mais forte e popular do que o próprio presidente da República.

Surgiu então a fábula da cloroquina, da qual Mayra Pinheiro ainda não tornara-se Capitã. Mas ela, a droga, servia como álibi pseudocientífico para os ataques à política de isolamento social. Contra indicação de seu próprio Ministério da Saúde, Bolsonaro passou a balançar caixinhas com o remédio em todo canto que ia, sobretudo em suas aparições ao vivo nas redes sociais.

Foi um crime que custou milhares de vidas brasileiras.

Não me entenda mal. Um médico prescrever a droga a seu paciente como terapia é uma coisa. É um erro, já que ela não tem efeito contra a covid. Mas é só um erro. O presidente da República alardeá-la a milhares de pessoas, instigando-as a circular pelas cidades é outra. Porque acelerou a cadeia viral. E isso sim, matou muita gente.

Esse é o gênese do que estamos vendo agora. Entendê-lo é essencial. Tanto quanto para alguém que senta a uma mesa de pôquer sem conhecer as regras.

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Em "Guerra à Saúde", publicado pela editora Leya Brasil, eu esmiuço em detalhes como Bolsonaro transformou seu próprio Ministério da Saúde em inimigo público no meio da maior pandemia do século. Foi por tê-lo feito e como o fez que chegamos até aqui.

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Quando um PM de baixa patente de Minas Gerais surgiu do nada com uma acusação de corrupção na negociação de vacinas, por exemplo, me vi em meio a um deja vu terrível. Não pelos personagens -- o principal deles, Roberto Dias, diretor de Logística do Ministério da Saúde, já bem conhecido a quem leu Guerra à Saúde. Mas pelo que se seguiu no ambiente digital.

Enquanto o homem contava uma história com muitos pés e muitas cabeças, confusa demais para parecer verdade, centenas de perfis nas redes sociais o aplaudiam com entusiasmo. O próprio Bolsonaro foi ao Facebook e tascou: "Hoje foi bonito".

Parece estranho que um presidente veja beleza no depoimento de alguém que faz uma acusação grave de corrupção contra o seu próprio governo.

Mas há um método e eu já o tinha visto em pleno funcionamento, como conto no livro. Quando acuado, Bolsonaro se vale de falas e posicionamentos nas redes sociais feitos em consonância com centenas de perfis que o seguem. Parece haver um frenesi social de apoio às maluquices. Mas não há, é só um truque capitaneado por um dos filhos. Serve para mobilizar a "militância".

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No passado recente da pandemia, essa tática foi usada em diversas ocasiões. Para tentar demitir Mandetta, para jogar a população contra os governadores, para promover a cloroquina... Agora é para solapar as investigações de corrupção.

Tenho visto muita gente pregando o impeachment de Bolsonaro. Não haverá. Ele acabou de eleger os presidentes das duas casas do Congresso. Fez isso aliando-se aos partidos de centro, que são quem controlam os plenários da Câmara e do Senado.

As razões para o impeachment seriam os muitos crimes de responsabilidade colecionados pelos signatários. Como politicamente a abertura do processo é improvável, e dado que de fato este governo há muito já perdeu a condição de o ser, o melhor é urdir-se um coro em apelo: renúncia já!

*Ugo Braga - jornalista, foi diretor de Comunicação Social do Ministério da Saúde e é autor de Guerra à Saúde -- Como o Palácio do Planalto transformou o Ministério da Saúde em inimigo público no meio da maior pandemia do Século 21 (Editora Leya - 2020)

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