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Espírito lavajatista ou compreensível indignação?

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Por Luiz Alberto Machado
Atualização:
Luiz Alberto Machado. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Faço questão de afirmar, de início, minha admiração pelo jornal O Estado de S. Paulo, que cresceu ainda mais após a recente reformulação do projeto editorial, num exemplo de modernidade que, entre outros benefícios, facilita o manuseio por parte dos leitores.

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Tal admiração deve-se à constante defesa dos princípios democráticos e republicanos, bem como à abertura à divergência de opiniões, desde que sejam expressas de forma respeitosa.

E é exatamente com base nesse espírito da liberdade de opinião que venho manifestar meu desacordo com o editorial veiculado na edição do dia 2 de novembro com o título A perigosa permanência do lavajatismo.

O segundo parágrafo do referido editorial começa com a afirmação de que "a Lava Jato chegou ao fim, mas - eis ponto que merece ser destacado - continua existindo o que se pode chamar de espírito lavajatista".  Na sequência, sustenta que "segue viva uma específica mentalidade [chamada de jacobina em outro trecho] que vai muito além do princípio republicano de que todos são iguais perante a lei e, portanto, todos devem responder à luz da lei por seus atos". Conclui criticando a ideia de que em nome do combate à corrupção, "essa visão pretende justificar uma conclusão inteiramente antirrepublicana: a de que, para combater a corrupção, seria permitido e autorizado utilizar todos os meios disponíveis, também os ilegais".

Minha divergência - e tenho a firme convicção de que é a mesma de milhões de brasileiros - não se baseia em eventuais erros processuais cometidos pela Operação Lava Jato, com os quais, evidentemente, não posso compactuar. Mas sim numa série de ações que vêm ocorrendo já há algum tempo dando a nítida impressão de que todos os avanços conquistados no passado recente, que favoreceram uma pequena melhora no nosso índice de percepção da corrupção, estão sendo eliminados.

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Entre as ações a que me refiro incluem-se: a reversão da prisão em segunda instância, prática adotada em diversos países respeitáveis e que o Brasil deveria ter como espelho; o nítido abrandamento das punições a praticantes de atitudes ilícitas contido na recém-aprovada Lei de Improbidade Administrativa; e, não menos importante, a reiterada tentativa de aprovar a PEC 5/2021, uma tentativa aumentar o grau de politização das decisões judiciais por meio da interferência  nas atividades do Ministério Público.

Se somarmos a isso a lentidão com que os processos tramitam no Brasil, o baixo índice de esclarecimento de crimes e as flagrantes possibilidades de não cumprimento integral das penas, chegaremos à triste conclusão de que em nosso país "o crime compensa".

Não se trata, portanto, de "uma guerra entre corruptos e heróis, na qual os heróis não poderiam ser privados de nenhum meio, uma vez que os corruptos são ardilosos, poderosos e incrivelmente capazes de se perpetuar", como discorre o editorial do dia 2 de novembro.

Trata-se, muito mais, da indignação de parcela considerável da sociedade brasileira, composta, em sua esmagadora maioria, de cidadãos honestos e cumpridores de suas obrigações, diante de constantes evidências de que bandidos e corruptos acabam merecendo tratamento preferencial por parte da justiça.

Na minha perspectiva - que pode perfeitamente estar equivocada, na medida em que sou economista e não um especialista nos intrincados meandros da justiça - o que estamos vivendo no Brasil é uma clara confusão entre o essencial, que é tornar o Brasil um país melhor por meio de um duro combate à corrupção e à impunidade, e o acessório, representado por eventuais exageros praticados por alguns  integrantes do Ministério Público ou membros de uma força-tarefa como a Lava Jato na tentativa de chegar ao objetivo maior.

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*Luiz Alberto Machado, economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012) e assessor da Fundação Espaço Democrático

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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