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ESG: o capitalismo consciente sob o olhar dos stakeholders

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Por Claudinei Elias
Atualização:
Claudinei Elias. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O ponto de inflexão (tipping point) é aquele momento mágico em que uma ideia, tendência ou comportamento social cruza um limiar, tomba e se espalha como um incêndio. Assim como uma única pessoa doente pode iniciar uma epidemia de gripe, um pequeno impulso, mas precisamente direcionado, pode causar uma tendência da moda, a popularidade de um novo produto ou uma queda na taxa de criminalidade.Tal conceito foi maravilhosamente bem explorado por Malcolm Gladwellem seu excelente livro The Tipping Point:How Little Things Can Make a Big Difference, em português, O ponto da Virada.

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 Atingimos um tipping point em 2020 - 2021:tempos desafiadores,extraordinários em muitos aspectos. Não só pelas mudanças provocadas pela pandemia da Covid-19 (novo coronavírus), mas principalmente por um assunto que se tornou ordem do dia em qualquer companhia, o onipresente ESG.

Se você chegou até aqui, possivelmente já ouviu o termo ESG, do inglês Environmental, Social and Governance. No Brasil, muitos adotam o termo em inglês ou, simplesmente, Práticas Ambientais, Sociais e de Governança. Antes de falar rapidamente sobre o contexto histórico, é importante salientar: ESG não deve ser analogamente comparado a pintar as paredes de verde. É fundamental que investidores, gestores, conselhos e corpo executivo das empresas entendam o quanto antes que não se trata de modismo, não é efêmero emuito menos óbvio.As empresas podem e devem ser protagonistas dessa revolução. Se nos séculos passados a transformação da sociedade era responsabilidade das igrejas e dos estados, hoje são as empresas que carregam essa significância.

Investir em programas de traineefocados na diversidade, neutralizar a emissão de gás carbônico, eliminar o uso e o consumo de plástico, implantar programas sustentáveis e efetivos para o ingresso nas companhias de pessoas LGBTQIA+, convidar mulheres para os conselhos administrativos e cargos de direção e adotar políticas mais humanas nas contratações não são mais ações que "envernizam" a imagem da empresa, isso hoje é o básico (ou deveria ser). Mas há uma certeza nessa transição: tais iniciativas tornam as empresas mais atraentes para investimentos.Estamos falando de impacto e, neste caso,há nitidamente um enorme fluxo financeiro envolvido.

O trinômio ESG surgiu em 2004 quando Kofi Annan, ex-secretário geral das Organizações das Nações Unidas (ONU), convidou mais de 50 CEOs de instituições financeiras a apoiarem o Pacto Global da ONU, que contava com o apoio do governo suíço e do International Finance Corporation (IFC). Em seguida, a iniciativa originou um relatório chamado"Who Cares Wins" (Quem se importa, vence), com autoria de Ivo Knoepfel. De lá para 2021, tivemos um salto quantitativo e qualitativo.

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O tema seguiu uma evolução continua e arriscaria dizer que essa década é a da execução, a começar pela temática sustentabilidade, que já é de conhecimento de muitos. Os relatórios de sustentabilidade, muitas vezes com enfoque voltado para o E do ESG, trazem aspectos ambientais. Entra agora com mais intensidade no radar das empresas o S de Social:algo inferior às medidas regenerativasnão é mais aceitável. Cada vez mais, o capitalismo consciente passa a fazer parte do olhar de todos os stakeholders.

Se considerarmos que a cultura que criamos é reflexo de nossos valores, crenças e comportamentos, os quais são definidos pelos níveis de consciência a partir dos quais operamos e mudamos, as condições para que todos possam vencer estão estabelecidas, e aí incluem-se investidores, empregados, clientes, fornecedores, sociedade, entre outros stakeholders, e inclusive o meio ambiente, atendendo desde uma visão comum até as particularidades de cada grupo. Alguns dos aspectos dessa consciência estão ligados aos Servir, Fazer a Diferença, procurar a Coesão, a Transformação, dentre outros.O Novo Paradigma da Liderança de Richard Barrett explora muito bem esses conceitos.

E entender por quese tornou tão importante adotar práticas sustentáveis e como fazer isso de forma efetiva pode parecer óbvio, mas não é. Naturalmente, o empurrão que a indústria financeira traz para o tema, possui poucos paralelos na história.Vamos usar uma ordem de grandeza que mostra significativamente a necessidade de enxergar o ESG como algo natural e premente. De acordo com oGlobal Sustainable Investment Alliance (GSIA), a indústria do ESG chegou a US$31 trilhões no mundo, representando 36% dos ativos financeiros totais. Na Europa, por exemplo, os players locais precisarão reportar a inclusão de pautas de ESG na tomada de decisão.

Mas e o Brasil nessa história? Bem, a verdade é que estamos atrasados, no entanto, estamos observando uma proliferação e aceleração de interesses. Vem de todos os lados, e a imprensa tem gerado uma imensa quantidade de informações, chamando muito a atenção para o tema.

Temos vistos dentro de empresas novas áreas de ESG e Sustentabilidade sendo formadas, além de uma interação muito maior do tema com as áreas de riscos, controles, compliance e auditoria. Relação com investidores que usualmente era uma área com menor interação com as áreas mencionadas, passou a interagir, assim com a área legal, marketing e comunicação. Trata-se de uma mudança no formato organizacional. É um problema sistêmico que exige colaboração, cocriação e coinovação.

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Nãohá dúvida sobre a relevância do assunto. Larry Fink, presidente da BlackRock, a maior gestorade investimentos do mundo, dedica-se incansavelmente a abrir os olhos de todos, escrevendo cartas anuais de sua empresa e chamando a atenção para o tema. Vale lembrar que o fundo de Fink tem US$6,84 trilhões sob gestão. Arrisco dizer que de uma mensagem de"abram os olhos", agora passamos para "façam ou terão sérios problemas".

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 Mas, como fazer? Podemos seguir uma rota ESG By Design.

Para lidar com problemas complexos, design e inovação se tornam essenciais, uma vez que para ter uma verdadeira compreensão é preciso aprender a desenhar o problema do zero e seus possíveis desdobramentos de direções. O ESG é um gigantesco direcionador para inovação. Pensar novos modelos de negócios, novas relações verdadeiras com os diversos stakeholders, olhar a diversidade com atenção e,mais do que isso,incentivá-la em todas as instâncias, em especial a de pensamento, é vital. Precisamos lembrar, no entanto, que sem a diversidade material, a de pensamento fica um pouco menos diversa.

Pensar a economia circular na cadeia de valor e as integrações das práticas de ESG com a governança - em especial a integração à gestão de riscos corporativos e todas as iniciativas de governança, riscos e compliance - é tornar esse processo mais efetivo e certamente iniciá-lo de forma mais rápida e já estruturada.

Os direcionadores para mudança são muitos: estão aí os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, os inúmeros frameworks, iniciativas como o Sistema B e o Capitalismo Consciente para mostrar caminhos.E surge o maior de todos os desafios: impactar pessoas, mentes, pensamentos e o comportamento coletivo.

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 Em um mercado em formação, é preciso gerar conhecimento e promover uma mudança de cultura, o que não é uma tarefa fácil. É preciso ter paciência para catequizar através de expertise e conteúdo. É preciso sermos mentores, usarmos nossos conhecimentos para gerarmos impacto!

Essa mudança requer coragem, muitas vezes é uma luta solitária, na qual são imprescindíveis atributos como paciência, resiliência e foco no destino, no propósito. Estamos falando da nossa existência. Há algo mais importante?Nossa vitória se dará através de todos, nossa evolução não está no conhecimento puro e simples, mas em cada uma de nós.

A grande questão é que imaginar estratégias de ESG implementadas com sucesso, resultados e impacto sem governança, é como imaginar um trem desgovernado, ou como entrar no paradigma de Alice no País das Maravilhas: "se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve".

Pode parecer difícil pensar em tantas ações, mas a verdade é única, como a frase do relatório assinado por Ivo Knoepfel: Quem se importa, vence.

*Claudinei Elias é CEO e fundador da Bravo GRC

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