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Escola, conhecimento e democracia

Por Raquel Franzim e Renato Godoy
Atualização:
Raquel Franzim e Renato Godoy. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

No dia 3 de fevereiro de 2021, o governo federal entregou uma lista das prioridades legislativas aos presidentes recém-empossados do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira.

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À época, os estudantes brasileiros acumulavam quase um ano sem atividades educativas presenciais, em função da pandemia do coronavírus, e dado do Cetic.br já apontava que 36% dos estudantes relatavam dificuldades em acompanhar as aulas remotas em função da falta ou baixa qualidade da conexão à internet.

Ainda assim, na lista com 35 itens, o governo não tratou do retorno seguro às aulas ou de uma proposta para propiciar conectividade aos alunos mais vulneráveis. Ao contrário, vetou o PL 3477/2020, que garantia acesso à internet com fins educacionais aos alunos e professores da educação básica.

A única prioridade do governo relacionada à educação foi o tema do ensino domiciliar, que voltou a avançar na Câmara dos Deputados, com a tramitação dos PL 3179/2012 e 3262/2019.

O PL visa criar normas para a prática do homeschooling, que hoje seria praticado por aproximadamente 18 mil estudantes no país. A discussão vai na contramão das demandas da educação brasileira e acaba por sobrepor o direito de poucas famílias ao direito da criança em aprender e se desenvolver na convivência plural que apenas o ambiente escolar propicia.

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No ano passado, a mesma Câmara dos Deputados deu início a um processo que culminou na constitucionalização do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Uma demanda histórica, que avança no sentido de garantir o direito universal à educação.

Soa como um contrassenso que, meses após essa conquista universalizante, o governo promova a discussão da diminuição do papel da escola na sociedade e a desvalorização dos profissionais da educação.

Cabe destacar que diferentes estudos internacionais e nacionais apresentam a escolarização como um importante promotor de desenvolvimento social e econômico de países. Nações com elevado desenvolvimento social e econômico revelam que investimentos perenes na qualidade da permanência de estudantes na escola e maciça valorização dos profissionais são fatores chave para alcançar o bem-estar social.

O avanço da escolarização também tem sido fundamental para o reconhecimento de violações na infância e o acesso aos demais direitos para estudantes em contexto de vulnerabilidade. Sendo assim, o ensino domiciliar é uma prerrogativa excludente a milhares de estudantes por desconsiderar o papel protetivo e preventivo que as escolas desempenham na vida dos estudantes por meio de programas suplementares, tais como aqueles financiados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Ademais, é preciso ter clareza que ensino domiciliar não é o que está sendo vivenciado por aqueles estudantes que conseguem ter aulas à distância durante a pandemia: em linhas gerais, o ensino à distância ocorrido durante a pandemia se dá sob supervisão e coordenação das escolas, enquanto no ensino domiciliar, há uma drástica diminuição do papel da escola e do currículo oficial no processo educacional dos alunos, que ficaria a cargo dos pais, mães ou tutores.

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Defender a educação escolar não se trata de priorizar a escola em detrimento do direito das famílias de educarem seus filhos. O direito da família em participar da educação e desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social está assegurado nos termos da lei. O ensino e aprendizagem escolar, diferentemente da educação geral promovida pela família, é um processo intencional e profissional que assegura direitos de aprendizagem e desenvolvimento aos estudantes, tal como expresso na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Dessa forma, a família não detém o conjunto de características necessárias para se alcançar o padrão mínimo de qualidade no que se refere ao ensino e às condições para efetivar o direito de aprender das crianças e dos adolescentes.

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Nos termos da LDB 9.394/96, a qualidade da educação é de competência dos entes federados e dos sistemas de ensino. A despeito da boa intenção de famílias que se proclamam educadoras, a responsabilidade pelo acesso, permanência e aprendizagem escolar é de ordem pública, coletiva e não individual de famílias. Todavia, sua participação nos processos de ensino e aprendizagem escolar é desejada e demanda incentivo e fortalecimento por políticas próprias e por dispositivos já previstos como Conselhos de Escola, Associação de Pais e Mestres e no acompanhamento do processo pedagógico escolar.

O acesso à educação escolar é pilar fundamental da consolidação de uma democracia. No ambiente escolar, desde a infância, estudantes podem ter contato com a pluralidade da sociedade e são inseridos em um contexto em que se aprende participação e cidadania no convívio.

Nenhuma democracia atual se construiu sem um projeto que passa pela escola. Nenhum país deu saltos significativos na diminuição das desigualdades sem um projeto que passasse pela centralidade da escola. Por fim, nenhum país pode prescindir da ciência para enfrentar a pandemia. E a ciência começa na escola.

*Raquel Franzim é diretora de Educação e Cultura da Infância do Instituto Alana

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*Renato Godoy é coordenador de Relações Governamentais

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