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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Entrevista com Rui Barbosa

Por João Linhares
Atualização:
João Linhares. Foto: Divulgação

Nosso entrevistado desta semana é o Dr. Rui Barbosa de Oliveira; nasceu em Salvador/BA, a 5 de novembro de 1849. Filho do médico João José Barbosa de Oliveira e de Maria Adélia Barbosa de Oliveira. Ele foi jurista, político, jornalista, escritor, membro fundador da Academia Brasileira de Letras, poliglota e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça de Haia.

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Dr. Rui Barbosa, é uma satisfação tê-lo aqui para nos brindar com essa entrevista. 

- Eu que o agradeço pelo convite afavelmente formulado para este colóquio. Não foi nada fácil a vinda até aqui. Postulei autorização à Junta Celestial, pois há entraves óbvios para sair daquele ambiente, porém foi denegada. Apeguei-me aos precedentes de Chico Xavier, que entrevistou diversos dos meus colegas de além, e interpus uma reclamação defendendo a igualdade de tratamento. O Supremo Magistrado concedeu-ma, por meio de liminar satisfativa e inapelável. Mais uma vez, creio que convenci e venci.

Gostaria que o senhor nos relatasse um pouco da sua infância e onde o senhor estudou, onde se abeberou para absorver tanta erudição. Peço-lhe gentilmente que se valha de uma linguagem bastante singela e acessível para que nossos leitores possam compreendê-lo em sua inteireza.

- Refestelo-me pelo encômio. Nasci na Rua dos Capitães, na Freguesia da Sé, em Salvador/BA. Meu prenome (Rui) é uma homenagem ao meu avô paterno e uma abreviatura do nome dele, Rodrigo Antônio Barbosa de Oliveira. Lucubrei no Ginásio Baiano, dirigido pelo diligente e sábio Prof. Abílio César Borges, onde também estudava Antônio Frederico (Castro Alves). Meus pais tiveram outra filha, Brites, contudo ela infelizmente morreu bastante jovem, por conta de um parto malsucedido. O colégio despertava nos discentes a curiosidade e instigava à pesquisa e às artes. O melhor ensino é o que liberta, o que propõe a igualdade, a tolerância e a fraternidade entre as pessoas, dando ensanchas a infinitas possibilidades e fazendo despertar o gênio humano em sua plenitude...

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Iniciei a Faculdade de Direito no Recife/PE e de lá fui, a vapor, tal qual Antônio Frederico (Castro Alves), em 1868, para Santos-SP, de onde rumei para a cidade de São Paulo, pois me transferi para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em cujo local me bacharelei.

Entretanto, minha maior inspiração foi meu pai que se formou em medicina e depois lecionou na Faculdade da Bahia e foi jornalista e deputado provinciano e geral. Era um revolucionário, tendo se envolvido na Sabinada. Instigou-me sempre à pesquisa e ao trabalho. Filho de um homem apaixonado por esses estudos, encontrei em casa essa tradição, bem esquecida hoje, que nos aponta no amor da língua nacional uma das faces do amor da Pátria.

Dr. Rui Barbosa, muitos já conhecem a sua trajetória e alguns dos seus posicionamentos políticos e jurídicos. Nesta entrevista, gostaria de abordar temas diversos, amplos.  O que o senhor pode nos dizer, resumidamente, sobre a vida e a morte?

- Na grande viagem, na viagem de trânsito deste a outro mundo, não há 'possa, ou não possa', não há querer, ou não querer. A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar, pelo nascimento; outra de sair, pela morte. Ninguém, cabendo-lhe a vez, se poderá furtar à entrada. Ninguém, desde que entrou, em lhe chegando o turno, se conseguirá evadir à saída. E, de um ou outro extremo, vai o caminho, longo, ou breve, ninguém o sabe, entre cujos termos fatais se debate o homem, pesaroso de que entrasse, receoso da hora em que saia, cativo de um e outro mistério, que lhe confinam a passagem terrestre. Por outro lado, a maior de quantas distâncias logre a imaginação conceber, é a da morte; e nem esta separa entre si os que a terrível apartadora de homens arrebatou aos braços uns dos outros. Quantas vezes não entrevemos, nesse fundo obscuro e remotíssimo, uma imagem cara? quantas vezes não a vemos assomar nos longes da saudade, sorridente, ou melancólica, alvoroçada, ou inquieta, severa, ou carinhosa, trazendo-nos o bálsamo, ou o conselho, a promessa, ou o desengano, a recompensa, ou o castigo, o aviso da fatalidade, ou os presságios de bom agouro?

Tem-se visto, aqui e acolá, uma polarização política extrema. Agora, por exemplo, têm ressurgido movimentos que parecem apregoar a primazia de uma determinada vertente religiosa, segmentos partidários que invocam "Deus" e "Jesus Cristo" para fins eleitorais. Também tem sido muito usada a bandeira do "patriotismo" para a defesa de diversas atitudes polêmicas. E isso se dá tanto à direita quanto à esquerda do cenário analisado. O que o senhor pensa sobre a política partidária imiscuir-se nesses assuntos e levá-los para dentro de um Estado laico?

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- Deus, pátria e trabalho. Metei no regaço essas três fés, esses três amores, esses três signos santos. E segui, com o coração puro. Não hajais medo a que a sorte vos ludibrie. Mais pode que os seus azares a constância, a coragem e a virtude." Contudo, não é digno do nome de patriotismo o sentimento mesquinho, invejoso, ininteligente, que, por amor de estultos melindres nacionais, refuga os elementos do progresso que a fraternidade universal da civilização contemporânea nos está oferecendo, e condena o país a servir-se eternamente com a falsa prata da casa. No tocante ao bom nome de Deus e de Seu Filho no âmbito partidário, recordo que paralela com a fé corre a intolerância. E a política é o canal de solução pacífica das controvérsias, onde os dogmas da exclusão não podem prevalecer. Cristo era manso, bom, cheio de amor, cheio de caridade; Cristo era o ideal; mas Cristo abominou a opressão, ouviu e discutiu a opinião de seus inimigos, resistiu até à morte contra as tiranias.

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Dr. Rui Barbosa, muitas operações investigatórias têm denotado, vez ou outra, uma relação bastante nefasta de setores do espectro partidário no Brasil com empresas, sobretudo no concernente a financiamentos de campanha e a pagamentos de propinas a autoridades, bem como desvios de verbas públicas. Muita gente foi encarcerada. Gostaria que o senhor comentasse acerca disso.

- É preciso ter cautela para não generalizar, pois se pode incorrer em injustiça. Toda a política se há de inspirar na moral. Toda a política há de emanar da moral. Toda a política deve ter a moral por norte, bússola e rota. Mas a política brasileira é radicalmente amoral, é, convencida e professamente, imoral. Renegou a moral, fez voto de imoralidade, e vive encharcada na desmoralização, como no seu elemento. Renegou a moral, caluniando as nossas instituições com a profissão de irreligiosidade, que eles confundem com a liberdade religiosa. Renegou a moral, estabelecendo como coisas distintas duas leis de moralidade: uma para os indivíduos, outra para o Estado. Renegou a moral, separando o homem público do homem privado. Como se pudesse haver numa só criatura duas consciências, duas naturezas, duas pessoas. Como se, ainda admitida esta dualidade, estando as duas em contato, a metades juntas de um só todo, pudessem as mazelas de uma, as suas chagas, as suas lepras deixar de contagiar a outra.

Algumas fricções têm ocorrido entre os Poderes no Brasil. Qual é o papel dos Tribunais e, em particular, do STF nessa conjuntura?

- Nenhum tribunal, no aplicar da lei, incorre, nem pode incorrer, em responsabilidade, senão quando sentencia contra as suas disposições literais, ou quando se corrompe, julgando sob a influência de peita ou suborno. Postas estas duas ressalvas, que nada altera a independência essencial ao magistrado, contra os seus erros, na interpretação dos textos que aplica, os únicos remédios existentes consistem nas formas do processo, nas franquias asseguradas à defesa das partes e, por último, nos recursos destinados a promover a reconsideração, a cassação ou a modificação das sentenças, recursos que não se interpõem da justiça para outro poder, mas se exercitam necessária e intransferivelmente, dentro da própria esfera judicial de uns para outros graus da sua hierarquia.

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As decisões do Supremo Tribunal Federal hão de prevalecer sempre pela natureza da sua autoridade, pelo alcance constitucional de seus atos, porque toda vez que o prejudicado carecer de reclames pela justiça a ele devida, o tribunal não há de tremer diante da força de um poder estranho, usará da sua consciência, aplicará a sua autoridade e interpretará a lei de acordo com os princípios cardeais da organização política do país.

Há erros. Claro que os há, eventualmente. Para combatê-los existem recursos à própria Corte ou a promoção de mudanças legislativas pelo Congresso. Jamais cabe defender o fechamento ou atrofia oportunista de um Poder de Estado. A democracia não vicejaria desta forma.

Senhores, não posso ser suspeito de inimigo da justiça e seu detrator. Prezo-me de ser intimamente um dos maiores cultores da justiça.

Dr. Rui, sabe-se que os problemas que enfrentamos são complexos. Há muitas diretrizes e busílis para o governo resolver e o orçamento é parcimonioso. Todavia, se o senhor tivesse que elencar o norte principal para o país desenvolver-se, qual seria?

- No início desta entrevista, eu salientei a importância da escola na formação do indivíduo.

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É preciso investir muito em educação, com políticas de Estado (e não de governo ou de partidos), a médio, curto e longo prazos para se alcançar resultados realmente expressivos. O estabelecimento de metas, o primado do mérito, o acolhimento escolar, o despertar da curiosidade e a plena valorização do magistério.

Por que você acha que eu e o Antônio Frederico (Castro Alves), que estudamos no mesmo colégio e nas mesmas faculdades, nos destacamos? Foi êxito apenas nosso?

Eu contei com a sorte de ter ótimos professores nos quais me espelhei e uma escola acolhedora, que potencializava os meus talentos e que me estimulava a crescer.

Uma nação que não investe primordialmente no ensino ou que gasta mal tais recursos e não forma adequadamente e tampouco valoriza os seus professores, forma maus docentes. Evidente! E o mau professor gera os maus alunos; os maus alunos empobrecem as profissões intelectuais, estacam as fontes de renovação científica do país, condenam à infecundidade o serviço público, semeiam de analfabetos a medicina, a engenharia, o foro, o exército, perpetuam os hábitos de servidão moral do povo, educando-o no fatalismo da fortuna, habituando-o a pôr toda a sua confiança na proteção, ensinando-o a desprezar o trabalho.

O senhor foi jornalista. O que diz sobre os ataques que a imprensa tem sofrido?

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- Um dos nossos deveres, nesta ingrata vida jornalística, está, se nos não enganamos, em acautelar os nossos concidadãos contra os deslumbramentos, que às vezes se propagam como por contágio, e cujas consequências serão desastrosas para a educação do espírito público, se os diretores da opinião, se os elaboradores do sentimento popular se deixarem envolver entre os deslumbrados. A esse prestígio falaz das aparências convém opor a ciência prática do real.

Do mesmo modo como o sino de rebate não tem a culpa do incêndio, que anuncia, não é responsável o jornal pelas comoções, de que previne a imprevidência do poder. Já o lembrava Girardin, em 1863, ao segundo império: 'O jornalismo mostra o perigo: não o cria'. A prova é que os perigos sempre cresceram, para os governos, com a supressão ou a restrição da independência da imprensa.

Dr. Rui Barbosa, já me referi en passant à polarização extrema na política. Isso acaba repercutindo em todos os níveis do Estado e igualmente da sociedade. Qual a saída para superar esse problema?

- Por mais que as pessoas tenham paixões nobres, ardentes, impulsivas, que inspiram as convicções profundas, formadas no estudo, na experiência, no sofrimento da vida política, ódios não podem vingar, por piores que sejam os adversários; é preciso contribuir para o bem público do país, sentando-se e dialogando com quem pensa diferente; porque quanto maior for a solidariedade existente entre as diversas opiniões, que dividem a nossa vida intelectual e política; quanto mais completa for a união dos grupos diferentes em torno de uma mesma ideia, de um mesmo programa, mais probabilidades há para nos convencermos de que trabalhamos pela verdade, pela justiça e pela salvação do país.

Dr. Rui Barbosa, por favor, deixe uma mensagem final aos jovens brasileiros.

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- Cada um julga possuir, no fundo de sua consciência, um reservatório inesgotável de verdades para o ministério dos mais árduos problemas. Toda idade tem a sua força, moços: a vossa reside nessa confiança providencial, poder inestimável de renovação, que preserva a nossa espécie de estiolar-se. Mas todas as forças carecem de direção, e a natureza não quis que nenhuma pudesse dar direção a si mesma. Paralela com a fé corre a intolerância. Lado a lado com a confiança sopra a enfatuação. Nada tão formoso debaixo do céu como a mocidade na plenitude da sua exuberância, com as suas abertas iluminadas de sol e as suas sombras floridas de poesia. Só as suas regiões miraculosas conhecem o privilégio das evocações do futuro. Nada, porém, mais perigoso do que esse mundo encantado, se a frondescência dos seus instintos poderosos interpuser a brenha de suas ramas entre ele e a fonte eterna de luz. Por essas devesas resvalam sutilmente os gênios da fantasia, as seduções eloquentes, a ebriedade dos assomos violentos. Tudo isso vive fora da ordem universal, ao lusco-fusco dos sonhos, no ambiente capitoso das sensações exageradas. E o corretivo a tudo isso está na subordinação racional, na disciplina dos espíritos, no respeito dos antigos, dos chefes e dos mestres.

Muito obrigado pela entrevista, Dr. Rui Barbosa.

- A satisfação foi toda minha. Não posso alongar-me mais, porque a liminar que consegui, concedida pelo Supremo Julgador, assinalava um prazo exíguo para que eu pudesse sair do além e depois me apresentar à Junta Celestial, no meu regresso...

Mas, se já expirado o tempo, e a mencionada Junta criar embaraços, vou ter de recorrer de novo - e geralmente ganho! Risos

*João Linhares Júnior, promotor de Justiça em Mato Grosso do Sul. Pós-graduado em Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional - PUC/RJ. Mestre em Garantismo e Direito Processual Penal pela Universdidade de Girona (Espanha). Titular da 4ª Promotoria de Justiça de Dourados (MS).

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