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Entidades ligadas à Federal de Santa Catarina divulgam carta resposta após orientadora da juíza Joana Ribeiro defender decisão de magistrada

A nota da coordenadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (Nejusca), Josiane Rose Petry Veronese, fez com que integrantes pedissem desligamento do núcleo; fontes ouvidas pelo Estadão relataram casos de assédio moral e falas preconceituosas da professora

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Por Carla Melo
Atualização:

Cartazes colados na Universidade com as falas da juíza Joana Ribeiro, em audiência com criança de 11 anos. Foto: Reprodução

Entidades ligadas à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), divulgaram uma carta resposta contrária à nota de esclarecimento assinada pela coordenadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (Nejusca) e orientadora da juíza Joana Ribeiro Zimmer, Josiane Rose Petry Veronese, apoiando a decisão da magistrada, que impediu que uma menina de 11 anos realizasse o aborto após ter sido vítima de estupro em Santa Catarina.

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Na nota de esclarecimento, Josiane Veronese relata algumas "digressões" referente ao caso, "em defesa da vida", corroborando com a decisão que impedia o realizamento do procedimento na criança. Segundo ela, "a vida é, primeiramente, um dom, antes que uma decisão política ou judicial ou social."

No início do documento, a coordenadora caracteriza a linguagem da juíza Joana Ribeiro com a criança de 11 anos como "sensível" e sugere que a "defesa à vida", referindo-se ao impedimento do aborto, também deveria ser levada em conta na mesma medida em que "o mundo se esforça para conferir à vida humana estabelecida, pleno bem-estar, integridade e relações dignas. Ela chega a afirmar que "se a proteção fosse mesmo a grande marca dos direitos, certamente muitos equívocos seriam evitados."

A orientadora afirma ainda que, apesar de avanços para proteção à vida na ciência, medicina, política, "inclusive, a judiciária", há uma inversão no entendimento das aplicações das leis, que para ela, resultam na redução do valor humano.

"Talvez, porém, no condão de entender a aplicação das leis, inverte-se seu entendimento, à condição parental de leis injustas, a reduzir o valor de um ser humano a um mero valor biológico. Certos juízos de valor, no que se refere ao desenvolvimento humano (zigoto, embrião pré-implantação, embrião pós-implantação e assim por diante, até chegar ao feto e ao bebê em diferentes semanas de gestação), um reducionismo biológico em desrespeito ao estabelecimento da vida humana."

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Resposta divulgada na rede social da Chapa Ainda + Presença!, uma das entidades responsáveis pela carta de manifestação contrária à nota do Nejusca, diz que a atitude adotada pela juíza Joana Ribeira, que é defendida por Josiane, "contradiz os princípios constitucionais vigentes". O texto foi publicado na sexta-feira, 8.

"Destacamos a importância do posicionamento dos estudantes de Direito da UFSC, visto que a conduta da juíza, enquanto também estudante dessa instituição, não pode ser normalizada. Diante dos recentes acontecimentos, é fundamental refletir sobre a função social da UFSC enquanto Universidade Pública." apontaram os grupos na carta.

"Joana Ribeiro conduziu uma audiência - nada sensível- com uma criança de 11 anos desacompanhada de sua representante legal, vítima de violência sexual, grávida em decorrência desse abuso, e que foi revitimizada ao ter o seu direito ao abortamento legal negado."

Os grupos apontaram ainda que são contra o posicionamento da juíza e afirmaram que os atos praticados por ela em nada contribuíram para a "proteção da vida do embrião-bebê e das crianças envolvidas".

"A linguagem equivocada utilizada tanto pela juíza, quanto pela autora da nota reflete uma ideologia profundamente reacionária que, como mencionado anteriormente, relativiza os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. De igual forma, efetivamente assegurar à vítima, criança de 11 anos, seus primeiros direitos constitucionais (como o direito à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar) não se confunde como "jogar luz onde impera o discurso da exposição sem limites, em detrimento da vida em tenra idade", como fez crer o esclarecimento prestado pela Professora Coordenadora do NEJUSCA", concluiu a carta.

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Carta resposta à nota de esclarecimento da Nejusca, divulgada na sexta-feira (8). Foto: Reprodução

Carta resposta à nota de esclarecimento da Nejusca, divulgada na sexta-feira (8). Foto: Reprodução

O Estadão teve acesso à informação de que, logo após a divulgação da nota de esclarecimento, integrantes do Nejusca, decidiram pedir desligamento do grupo, o qual Josiane é coordenadora. Além disso, fontes ligadas à universidade acusaram a professora em questão de praticar abusos psicológicos e assediar moralmente os acadêmicos na universidade. O Estadão conversou com algumas dessas pessoas, que preferiram não se identificar.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Em fevereiro de 2020, Josiane Veronese publicou na revista Empório do Direito o artigo "Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes: Para Muito Além do Abuso", em que sustenta, muitas vezes no texto, que na ocorrência de gravidez após estupro, o aborto não é uma prática obrigatória.

"No cenário da violência sexual, pode vir a ocorrer uma gravidez. O que fazer? O Código Penal Brasileiro, que é de 1940, possibilita - o que não significa, de modo algum, a obrigação da prática do aborto para os casos em que a gravidez coloque em risco a vida da mulher ou tenha resultado de um estupro - art. 128, CP, mais a possibilidade assegurada à gestante de se submeter à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos assentada na jurisprudência"

Josiane complementa o artigo dizendo que, em casos da vítima de estupro ser uma criança, o crime "precisa ter uma leitura interdisciplinar" e que "não é apenas o direito que tem que falar, também a medicina, a psicologia." Ela afirma que o aborto não deve ser apenas pensado como a resposta para o estupro e como uma "solução pronta e 'barata'" e diz ainda que a criança, que é vítima do crime, é coisificada e "não se trata simplesmente de fazer dessa complexa questão, reduzindo-a ao aborto"

No artigo, ela ainda menciona o caso da menina de 10 anos, grávida vítima de estupro pelo tio, caso acontecido em 2020. Após a extremista de direita Sara Giromini divulgar nas redes sociais o local em que a menina realizaria o aborto legal, um grupo contrário ao procedimento foi até a frente do hospital em que a menina estava internada. Segundo fontes ouvidas pelo Estadão, a professora chegou a defender o movimento do grupo contra o aborto na universidade.

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"conversei com uma pediatra, Dra. Eliane De Carli, a respeito da realidade dessa criança em termos da sua estrutura fisiológica. Como é a situação de um aborto para uma criança e um adolescente. A resposta, vindo da área médica, não é daquelas que nos tranquiliza, vez que, segundo a pediatra, "o aborto não é algo fácil. Precisamos respeitar e apoiar a decisão tomada, porém, apresentar opções e apoio concreto tanto para a opção do aborto como para a manutenção da gestação Muitas meninas ou mesmo mulheres que se submetem a um aborto, ficam com severas marcas. O trauma psicológico decorrente também é gigantesco".

Eliane De Carli, citada por Josiane no artigo, é coordenadora do Núcleo Lux Mundi na Conferência dos Religiosos do Brasil e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Em agosto de 2021, Josiane participou como palestrante na 2ª conferência do curso "Proteger a Infância: Proteção Integral e Garantia dos Direitos Fundamentais de Crianças e Adolescentes", realizada pelo Núcleo Lux Mundi.

O evento, "com objetivo de fortalecer o sistema de garantias de Direitos do público Infanto adolescente e promover um debate sobre as vulnerabilidades Sociais em que Crianças e Adolescentes estão sujeitos", teve como principais público alvos religiosos, formadores, sacerdotes, seminaristas, formandos Movimentos Eclesiais, catequistas, médicos, psicólogos, assistentes sociais, professores e advogados.

Uma das pessoas ligadas ao corpo docente, que se manifestou publicamente nos espaços da universidade contra a posição apresentada na nota de esclarecimento, foi a professora Luana Heinen, que acabou de assumir a Secretaria de Aperfeiçoamento Institucional da UFSC e é integrante do Instituto de Memória e Direitos Humanos da UFSC. Em conversa com o Estadão, ela afirmou que o documento representa poucos professores do curso de direito e que a maioria discorda totalmente do que foi apresentado pela professora.

No dia 21 de junho desde ano, oito dias antes de Josiane Veronese disparar o documento em grupos, o instituto o qual Luana Heinen faz parte, publicou uma nota de repúdio à decisão da juíza Joana Ribeiro de impedir que o aborto legal fosse realizado. A nota caracteriza a negativa ao direito da menina como "um nefasto desrespeito ao direito fundamental à vida das meninas, especialmente daquelas que se encontram em extrema vulnerabilidade social."

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Também questionado sobre a divulgação da nota de esclarecimento da coordenadora, o coordenador do curso de pós-graduação em Direito da UFSC afirmou em nota, que o documento divulgado pela professora Josiane Rose Petry Veronese, se trata de manifestação individual e, por isso, "não representa o pensamento do corpo docente do curso.

Influência religiosa

Uma fonte, que decidiu não se identificar, conta que a juíza Joana Ribeiro, que também é integrante do Nejusca e tem orientação da Josiane no Doutorado, sempre teve viés religioso e contrário ao aborto em sala de aula, e que as palavras ditas na audiência pela magistrada, "não supreendem".

"No meio acadêmico todos estão sabendo. Em São Paulo, no Rio [de Janeiro] e Minas Gerais. Está bem feio. O ambiente está horrível. O Brasil inteiro sabe o que aconteceu aqui, mas não sabia da ligação com a Federal. Todos estão sabendo e estão com horror a ela. Ela assinou que ela é cúmplice de tudo que a Joana faz."

Segundo as fontes, Josiane, que também é colider do núcleo do Núcleo de Pesquisa Direito e Fraternidade da UFSC, vinculado aos Grupos do Diretório de Pesquisa do CNPq, tem ligação com o Movimento Focolare da Igreja Católica, o que explica a suposta ligação com o viés ideológico manifestado por ela em sala de aula e também na nota de esclarecimento assinado pela coordenadora .

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Dias após a divulgação da nota, cartazes com os dizeres da juíza Joana Ribeiro em audiência com a menina que havia sido impedida de realizar o aborto, foram colados no Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), segundo informações e imagens enviadas pelas fontes, teriam sido arrancados dias depois.

Ainda na quarta, a Frente Feminista 8M, de Santa Catarina e a Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto realizou um manifesto na frente do CCJ após o caso ganhar conhecimento público.

"A juíza, a promotora e todas as outras pessoas e instituições implicadas atuaram e continuam atuando de forma violenta, discriminatória, moralista, antiética e em desacordo com a lei no exercício de suas funções públicas", diz publicação dos movimentos no Instagram.

"Entendemos a Universidade como espaço importante de construção de conhecimento em prol do coletivo. Portanto, esse manifesto acontece na UFSC porque é onde se formam pensamentos e se debatem ideias. Não pode, aqui, ser um local que compactua com violências e violação dos direitos humanos. Não deve haver brecha, nessa instituição, para questionar o direito de uma criança estuprada de interromper uma gestação.

Não aceitaremos que o debate sobre aborto se dê, dentro da Universidade Federal de Santa Catarina, carregado de ódio e preconceito. Aborto é questão de saúde pública. Mulheres e meninas morrem todos os dias no Brasil porque os ambientes acadêmicos não estão pautando o direito ao aborto seguro e legal. Essa pauta é urgente. Quantas mulheres, crianças e pessoas com útero ainda vão morrer?", continua o post.

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Relatos de Assédio Moral

Após a nota chegar a conhecimento público, fontes relataram ao Estadão, acusações contra a professora por assediar moralmente os estudantes, "sujando a imagem e o nome dos acadêmicos", além de praticar tortura psicológica. Uma das pessoas disse que chegou a ter crises de ansiedade e estado de agressão devido aos atos da coordenadora. Segundo informações, muitas pessoas ligadas à universidade estão assustadas e com medo desde a divulgação dos fatos.

Desde então, o clima na universidade passou a ficar ainda mais tenso, e segundo relato das fontes, a imagem da professora ficou "extremamente queimada". Ainda de acordo com as informações passadas, muitas pessoas ligadas ao núcleo discordaram da manifestação da coordenadora, já que a nota não tinha embasamento juridíco e bioético, e corroborava com a defesa de um crime, manifestando-se contrário ao aborto legal da criança de 11 anos, vítima de estupro.

Além dos relatos de assédio, fontes relatam que a professora apresenta falas e posicionamentos misóginos, machistas, racistas e xenofóbicos. De acordo com as informações, a professora já chegou a afirmar em sala de aula, que os alunos cotistas eram preguiçosos, chegavam atrasados nas aulas e não eram tão dedicados.

"Na oportunidade, vários alunos falaram que não concordavam com a fala, pois percebiam a dedicação dos alunos cotistas, ainda mais quando muitos trabalhavam e estudavam, dependiam do transporte público, etc..", informa uma fonte

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"Para ela, mulher sempre tem defeito e sempre compete com a outra. É muito errado", informou uma outra fonte.

COM A PALAVRA, JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

O Estadão tentou contato com a professora, mas até a divulgação da reportagem, não recebeu retorno. O espaço está aberto para manifestações.

COM A PALAVRA, A UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

O Estadão tentou contato com a Universidade, mas até a divulgação da reportagem, não recebeu retorno. O espaço está aberto para manifestações.

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