"Começou, assim que ele foi preso, o presidente já tinha assumido."
"Ele" é Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ex-presidente da Câmara, cassado e preso por corrupção. O "presidente", Michel Temer. E o narrador, o delator Joesley Batista, dono do Grupo J&F, que detalhou aos investigadores da Operação Lava Jato a origem da gravação que levou o apocalipse à Brasília e reacendeu o debate sobre os limites da colaboração premiada e dos grampos.
Com um gravador escondido, Joealey registrou conversa com a autoridade máxima da República em que comunica supostos crimes de corrupção e obstrução à Justiça. Temer nega ilícitos e busca anular a prova.
"Entendo que ali existe um grupo, onde parte está preso, parte está no Poder", afirmouJoesley, em seu depoimento gravado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Em mais de uma hora de vídeo, ele fala sobre a relação com Temer e Cunha. (ouça o trecho, aos 11 min e 55 seg)
A delação do empresário e outros seis nomes ligados à J&F desencadearam a Operação Patmos, que encurralou Temer e o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), sob suspeita de envolvimentos com crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução à Justiça.
Iniciativa. "Foi inicialmente através do Geddel (Vieira Lima, ex-ministro). Quando Geddel foi preso, eu fui falar lá com o presidente", conta o delator.
A legalidade da gravação e o contexto da conversa viraram um dos principais debates da delação bomba dos donos da J&F.
Joesley afirma que pagou R$ 5 milhões em "saldo de propina" a Cunha, de um total de R$ 20 milhões, dos quais R$ 15 milhões já haviam sido quitados quando o peemedebista ainda era deputado.
Os pagamentos se estendiam a Lucio Funaro, apontado como operador de Cunha. Um valor de R$ 400 mil mensais para "ficarem em silêncio e não se debelarem".
"Sempre recebi sinais claros de que era importante mantê-los financeiramente, a família, tal... resolvidos", relata Joesley.
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"Ouvi claramente do presidente que era importante manter isso. A primeira missão minha lá (no Jaburu) era essa, ir lá saber dele se o compromisso ainda era necessário."
O encontro secreto do dia 7 de março de 2017 com o presidente Temer, no Palácio do Jaburu, foi gravado por Joesley, ainda sem a participação da PGR, que depois fez interceptações de diálogos do delator com investigados, entre eles Aécio e o deputado federal afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), de forma controlada.
"Esse negócio das gravações, a gente vem fazendo alguns registros de reuniões e de coisas aí, e essa (com Temer) foi uma delas." (ouça aos 5min e 55 seg)
O delator recordou um ponto específico da conversa com Temer, em que menciona o compromisso de pagamentos para o operador de propinas Lucio Funaro. Temer, segundo Joesley, teria entendido que ao citar Lucio, ele se referia a um irmão de Geddel, de mesmo nome.
Esquema Câmara. Joesley afirma que buscou Temer porque sempre recebeu sinais que era para manter os pagamentos e que via Cunha e Temer como participantes do esquema de arrecadação de recursos do PMDB na Câmara dos Deputados. (ouça aos 6 min e 40 seg)
"O Lucio Funaro é o operador financeiro do Eduardo do esquema PMDB da Câmara. O esquema PMDB da Câmara é composto pelo presidente Michel, Eduardo, enfim, e alguns outros membros", afirmou o delator.
"Eu fui lá dizer que 'olha, o Eduardo está preso, o Lucio está preso e a gente paga lá uma mensalidade para o Lucio até hoje."
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O delator explicou que o pagamento de R$ 5 milhões para Cunha, referente à dívida de R$ 20 milhões, foi acertada em compensação à atuação do peemedebista na Câmara na tramitação de projeto de lei que desonerou a cadeia produtiva do frango.
"Na época, o Eduardo Cunha tramitou essa prorrogação e pediu R$ 20 milhões para que isso acontecesse. Eu achava que era R$ 15 milhões, ele disse que era R$ 20 milhões. Por isso ficou esse saldo."
"Fui lá falar com o presidente exatamente isso. Que tinha acabado o saldo de Eduardo, que eu tinha pago tudo, que estava tudo em dia, mas tinha acabado", afirmou Joesley em seu Termo 2, em depoimento no dia 7 de abril, na PGR. (ouça aos 8 min e 30 seg)
"Por outro lado, que eu seguia pagando o Lucio, R$ 400 mil por mês e eu queria informar isso a ele e saber a opinião dele", explicou. O lobista está preso desde julho do ano passado na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Nesta terça, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou um pedido de liberdade do operador.