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Entenda a Contribuição sobre Bens e Serviços, proposta pelo governo federal no âmbito da reforma tributária

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Por Mariana Vale Darwich Apgáua e Barbara das Neves
Atualização:
Mariana Vale Darwich Apgáua e Barbara das Neves. Foto: Divulgação

Como amplamente noticiado, no dia 21 de julho o governo federal apresentou a primeira fase do seu projeto de reforma tributária. Trata-se do Projeto de Lei nº 3.887/2020, que institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços - CBS, em substituição às contribuições ao PIS e à COFINS. Em regra, a nova contribuição incidirá à alíquota de 12% (doze por cento) sobre a receita bruta operacional, sendo possível concluir que o tributo não incidirá sobre outras receitas que não guardem relação com a atividade ou objeto principal do contribuinte, a exemplo do ganho de capital. No caso das importações, foi mantida a incidência sobre o valor aduaneiro.

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Vale destacar que consta expressamente no art. 7º do PL nº 3.887/2020 a exclusão do ICMS, do ISS e da própria CBS de sua base de cálculo, além dos descontos incondicionais. Essa previsão provavelmente encerrará as discussões acerca da inclusão de tributos na base de cálculo da contribuição incidente sobre a receita. A nova contribuição pressupõe a apuração na sistemática não-cumulativa, mas com mudanças significativas. Em síntese, o PL propõe a adoção do critério de crédito financeiro. Ou seja, será possível a apropriação de créditos da CBS sobre a totalidade das aquisições de bens e contratação de serviços, não havendo mais a necessidade de observância do enquadramento da despesa ao conceito de insumo e a relação de essencialidade com exercício da atividade econômica do contribuinte. Tal previsão também deve encerrar divergências atuais quanto ao direito à apropriação de créditos no conceito de insumos, porém, pressupõe a aquisição de determinados itens que se enquadrem nos conceitos de produtos ou serviços, podendo existir discussões sobre a cessão e licenciamento de direitos. Apenas instituições financeiras e entidades equiparadas foram mantidas em uma sistemática semelhante à da cumulatividade do PIS e da COFINS, sujeitas a alíquota da CBS de 5,8%, sem a possibilidade de creditamento.

Nos termos do art. 9º do PL, a única exigência para o creditamento seria o destaque da CBS no documento fiscal relativo à aquisição do bem ou da contratação do serviço. Inclusive, em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o ICMS e, com o objetivo de resguardar o adquirente ou tomador do serviço de boa-fé, o PL prevê a possibilidade de apropriação do crédito inclusive quando a documentação fiscal é considerada inidônea, desde que comprovada a ocorrência e validade da operação.

Em relação a algumas operações desoneradas (como a ZFM e áreas de livre comércio) e exportações, há tratamento especial, principalmente no que se refere à possibilidade de apropriação de créditos. No entanto, carece o PL de uma completa definição do que seriam as operações de importação e exportação de serviços. Ainda, de acordo com o PL, será possível a compensação dos saldos credores da CBS com outros tributos federais, inclusive, com contribuições previdenciárias, ou o ressarcimento em dinheiro ao contribuinte. Nesse ponto, o PL é omisso quanto ao prazo para o ressarcimento dos créditos, o que se espera que seja suprido em eventual aprovação pelo Congresso Nacional com fixação de prazo máximo para a restituição, conforme proposição do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB.

Indo adiante, a CBS inevitavelmente acarretará a majoração da carga tributária de determinados setores, em virtude da extinção dos benefícios fiscais, como o caso dos livros e entidades do terceiro setor, assim como o aumento de alíquotas do setor de serviços.

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Atualmente, grande parte dos prestadores de serviços está sujeita ao recolhimento do PIS e da COFINS à alíquota de 3,65%. Com a entrada em vigor da CBS, o setor de serviços ficará sujeito à alíquota de 12%, sendo que seu principal custo (mão de obra e folha de salários) não possibilitará a apropriação de créditos, nos termos da sistemática da não cumulatividade.

Uma inovação no PL é o tratamento dado às plataformas digitais, tanto as localizadas em território nacional quanto aquelas localizadas no exterior, que ficarão responsáveis pelo recolhimento da CBS nos casos em que o vendedor ou o prestador não realizem a emissão do documento fiscal pertinente.

Assim, não há dúvidas de que o projeto possui aspectos positivos, como a redução do contencioso tributário (concessão de crédito de forma ampla e a exclusão de tributos de sua base de cálculo), além da simplificação da apuração e do cálculo do tributo. Contudo, devem ser destacados alguns pontos que exigem reflexão, como (i) o provável aumento da carga tributária para o setor de serviços (principalmente os serviços prestados para consumidores finais que não se apropriam de créditos da CBS); (ii) a precarização do trabalho, já que a mão de obra, principal custo do setor dos serviços, não ensejará a apropriação de créditos; (iii) a retirada drástica de diversos incentivos fiscais que fomentam setores essenciais à economia e ao desenvolvimento do país, como os setores de saúde e educação. Por fim, mas não menos importante, deve ser destacado o fato de que, da forma como foi proposta a criação desta nova contribuição, no caso de aprovação de reforma tributária mais ampla, a CBS poderá ser somada ao ICMS e ao ISSQN para formação de um único tributo incidente sobre o consumo (IBS), nos moldes do IVA adotado por diversos países. Neste sentido, a alíquota final de um futuro IBS poderá resultar em uma das maiores tributações sobre o consumo do mundo, aumentando a desigualdade vivenciada pela sociedade brasileira.

*Mariana Vale Darwich Apgáua e Barbara das Neves são advogadas do Departamento Tributário da Andersen Ballão Advocacia.

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