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Ensaio sobre a tributação de lucros e dividendos

Por Luiz Felipe Centeno Ferraz
Atualização:
Luiz Felipe Centeno Ferraz. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Assunto dominante em toda a campanha eleitoral à Presidência no ano passado, a tributação de lucros e dividendos tem sido ofuscada pelas discussões relativas à criação de um novo tributo sobre o consumo - em relação ao qual tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado têm tentado seus protagonismos para emplacar uma Proposta de Emenda Constitucional vitoriosa.

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A ideia de tributar lucros e dividendos distribuídos por empresas, no entanto, continua acesa e o propósito é fácil de ser assimilado: tributar o chamado "andar de cima", os sócios que hoje recebem tais rendimentos isentos de imposto de renda na fonte e em suas Declarações da Ajustes Anuais. Essa ideia é ainda mais fácil de se colocar na medida em que os relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstram que apenas a minoria dos países deixa de tributar tais valores. Como o Brasil atualmente pleiteia uma vaga neste chamado "clube dos ricos", em princípio não deveria estar fora da regra mundial.

Este artigo, assim, não tem o propósito de questionar a ideia de tributação - sequer entra no mérito sobre se isso é correto ou não. Ele propõe, no entanto, uma reflexão sobre a calibragem que isso deveria ter para que a fome de tributação não estrangule o contribuinte. Afinal, é preciso fazer valer todos os discursos em favor da tributação de lucros e dividendos com base na redistribuição das alíquotas sem aumento de carga tributária.

Nenhuma discussão sobre a tributação de lucros e dividendos deve existir sem que se analise o contexto da isenção quando foi criada em 1996: ela visou a simplificação de controles e a inibição da evasão fiscal ao estimular o investimento nas atividades produtivas pela equiparação de tratamento e das alíquotas aplicáveis. A escolha pela oneração da empresa em detrimento de seu sócio reduziu possibilidades de planejamento tributário envolvendo distribuições disfarçadas de lucros, o que significa que qualquer imposição de tributação deverá também considerar que tais planejamentos voltarão, assim como os correspondentes contenciosos com as tradicionais incertezas de interpretação da legislação.

Voltando ao contexto. No momento em que a isenção foi garantida, a contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento à Seguridade Social (Cofins) se resumiam a uma nota de rodapé na lista de encargos da empresa.

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De 1996 para cá, a carga tributária do PIS e da Cofins cresceu: em 1998 foi criado o sistema cumulativo a uma alíquota conjunta de 3,65% e, em 2002/2003, esta alíquota foi aumentada para 9,25%. Neste último caso, a tomada de créditos tende a reduzir um pouco a alíquota, mas o contencioso e as obrigações acessórias gerados por tal tomada são tão relevantes que arrisca-se a dizer que quase não valem o benefício.

Com esses aumentos de tributos, é de se considerar que o governo de fato investiu na tributação da pessoa jurídica durante essas duas décadas: se o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ/CSLL) toma por base todas a receitas menos todas as despesas (com exceções aos dois lados), há mais de quinze anos o PIS e a Cofins competem com ele ao tributarem as receitas e descontarem créditos da operação. Trata-se quase de um imposto de renda paralelo - ou, caso se prefira, quase uma compensação na pessoa jurídica pela ausência de tributação dos lucros e dividendos ao longo dos anos.

Prevalecendo a ideia de tributação dos lucros e dividendos como em 1995, deveria ser levada em conta uma redução do PIS e da Cofins para os parâmetros mais baixos, caso a reforma tributária de forma geral não o elimine em benefício de outro tributo.

Outro ponto a ser colocado aqui é a desmistificação do beneficiário do lucro ou dividendo. É natural que ele seja personificado no investidor estrangeiro e/ou no grande investidor local, ambos detentores do capital de grandes empresas brasileiras. O conceito, no entanto, tem alcance prático muito maior: abrange médias e pequenas empresas, a grande maioria dos negócios no País. Assim, uma tributação do "andar de cima" que vise onerar os grandes detentores do capital inevitavelmente onerará também negócios como a banca de jornal do bairro, a loja do shopping center e mesmo o prestador de serviços autônomo.

É importante, portanto, que a ânsia pela tributação não desestimule o empreendedorismo - este já tão ameaçado pelas contingências que a realização de negócios no Brasil naturalmente abriga. O lucro deve ser visto como algo saudável a quem gera empregos e não como algo a ser combatido contra os que giram a atividade econômica.

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Neste ponto chegamos às propostas em curso: são 28 Projetos de Lei redigidos entre 2007 e 2018 (a maioria em anos mais recentes) parados ou em andamento em alguma comissão do Congresso Nacional. Muitos deles propõem cargas tributárias diferentes entre si - boa parte removendo a atual isenção para aplicar a tabela progressiva a uma alíquota máxima de 27.5% - sem qualquer forma de compensação pelas alíquotas que cria.

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Trata-se de projetos sem qualquer conexão com as ponderações acima, e que tampouco possuem qualquer garantia de serem levados à frente e/ou que sejam de agrado do governo federal.

O Projeto de Lei 1.952/2019, único proposto pelo Senado e em curso naquela Casa, ao menos possui parte dessa sintonia: sugere a criação de uma alíquota de Imposto de Renda de 15% para os lucros e dividendos e, em contrapartida sugere uma redução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) para 12,5%, com um adicional de 7,5% incidente sobre o valor resultante da multiplicação de R$ 20.000,00 pelo número de meses do respectivo período de apuração. Um total de aproximadamente 20%.

Essa é uma redução considerável, mas, na medida em que o Projeto de Lei não faça qualquer referência à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), é de se presumir que ela continue válida à atual alíquota de 9%. Somada à alíquota do IRPJ, portanto, temos uma alíquota corporativa nominal conjunta de 29%.

A questão que se coloca seria: é essa alíquota suficiente para anular um aumento de tributação de lucros e dividendos, como desejado?

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Em uma conta simples, de acordo com a alíquota corporativa atual (34%) um lucro bruto de $100 seria considerado líquido em $66 e integralmente distribuível como lucro ou dividendo aos sócios considerando a isenção vigente. Na forma da proposta do Senado, essa alíquota conjunta (29%) reduziria o mesmo lucro bruto de $100 para $71 ($100 - 29%); este lucro estaria sujeito à tributação de 15% na distribuição, restando, assim, $60,35 aos sócios.

Neste exemplo, temos um aumento da carga tributária total de $34 no cenário atual para $39,65 no cenário pretendido pelo Senado - um resultado que não condiz com o discurso de reequilíbrio de tributação e manutenção de neutralidade fiscal. A alíquota nominal conjunta ideal para esta finalidade estaria na casa dos 22%.

É bastante natural que durante os rumos da discussão estudos diversos ainda trarão números e elementos mais complexos à simples conta acima, mas é importante que esse conceito seja mantido.

Importante será, de qualquer forma, que todas as discussões e estudos levem a sério uma visão ampla da tributação. Neste sentido, aliás, fica a sugestão de que a tão proclamada reforma tributária do governo federal neste âmbito reveja a tributação do Imposto de Renda como um todo, e não somente a de lucros e dividendos - essa menos em linha com a ideia de reforma e mais com a de uma simples majoração de tributo.

*Luiz Felipe Centeno Ferraz é sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados

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