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Enfim, Rosa, a nossa esperança

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Por Renato de Mello Jorge Silveira
Atualização:
Renato de Mello Jorge Silveira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A decisão da última sexta (5), da Min. Rosa Weber (STF), impedindo o prosseguimento dessa promiscuidade que tem se dado às nossas vistas, chamada de orçamento secreto, é demonstração inequívoca de que podemos ter esperança em um Brasil melhor. Como no mito de Pandora, todos os males parecem que já foram liberados entre nós, mas ficou, lá, retido pela deusa, a esperança, que agora se reacende. São muitas as decisões judiciais que mudaram o curso da história e esperamos que a virada seja sempre em prol dos valores maiores de nossa sociedade.

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Há 130 anos o STF é a "força que diz: 'Até aqui permite a Constituição que vás; daqui não permite a Constituição que passes'". Assim como os demais Tribunais do país "não tem empregos para dar, não tem tesouros para comprar dedicações, não tem soldados para invadir estados, não tem meios de firmar sua autoridade senão no acerto das suas sentenças" (Rui Barbosa, discurso ao Senado Federal em 1915). Em busca desse acerto não tem fugido à sua missão constitucional.

Direitos assegurados pela CF foram incorporados a nossas vidas por meio da jurisprudência do STF. Desde vedar que a Fazenda Pública, de forma unilateral e discricionária, decrete a indisponibilidade de bens dos devedores até assegurar que todos podem doar sangue, independentemente de sua orientação sexual. No rol das decisões históricas inserem-se a "validação" da lei que autorizou pesquisas científicas com células-tronco embrionárias (DI 3510); o reconhecimento da incompatibilidade da lei de imprensa do regime militar com a democracia revitalizada pela CF de 1988 (ADPF 130); o fim do nepotismo (ADC 12); a equiparação entre as uniões homoafetivas e as uniões estáveis heteorafetivas (ADP 132 e ADI 4277); a proibição do financiamento eleitoral por empresas privadas (ADI 4650); a legitimidade da antecipação do parto do feto anencefálico (ADPF 54), e por aí vai.

É nesse contexto histórico que se encerra a corajosa decisão da Min. Rosa Weber na tarde de ontem. Especificando o destino do dinheiro público e o estrito dever de todas as autoridades à transparência na gestão da coisa que não lhes pertence, ou seja, dos recursos que advém do esforço da sociedade brasileira, a Ministra determinou que se acenda a luz sobre as emendas do relator, aduzindo à celebre frase do Justice Louis Bandeis, para quem "a luz solar é o melhor dos desinfetantes". A decisão enfrenta um dos mais perniciosos malefícios que têm sido infligidos ao povo brasileiro, impedindo sua continuidade e garantindo, por outro lado, às autoridades públicas envolvidas o direito de se explicarem e justificarem o destino das verbas secretamente distribuídas, no que poderia, por alguns, quase ser visto como algo próximo ao momento corrupcional mais icônico da histórica do país que foi o mensalão. Na próxima semana o Plenário Virtual daquela casa - sistema de julgamento criado para garantir a prestação jurisdicional célere exigida pela Constituição Federal - confirmará ou não a decisão singular.

A má conduta na condução da coisa pública não se restringe, no entanto, às práticas sombrias na distribuição do orçamento. Deputados que não se calam ante posturas antidemocráticas tomadas pelo Presidente da Câmara dos Deputados, buscam, no STF, o reconhecimento de inconstitucionalidades manifestas cometidas quando da aprovação, em primeiro turno, da Pec dos Precatórios. Naquela assentada, violou-se a competência das comissões do Legislativo, constitucionalmente fixada, aglutinou-se uma emenda que não existia, em vício de iniciativa, e, ainda, por uma manobra que permitiu a votação por parlamentares licenciados, foi burlado o quórum previsto na Constituição à sua reforma. Ora, a Constituição é o texto fundamental de uma nação. Só tem razão de ser, portanto, se sua reforma se der nos estritos limites que delimita. A Constituição não autoriza os escusos procedimentos do último dia 03, procedimentos esses que, ao que se nota da imprensa, foram acompanhados, novamente, da distribuição das emendas do orçamento.

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O ideal republicado que a Min. Rosa Weber preservou em sua decisão, ao impedir a distribuição de recurso públicos sem a devida transparência e objetividade, é o mesmo a determinar que não se pode flexibilizar o regular trâmite legislativo imposto ao poder reformador. Tal seria um evidente abalo à Constituição e às balizas democráticas. O trâmite deve ser regular, sem remendos, manobras ou contorcionismos. Esperamos que, novamente, tal como Pandora, o STF mantenha a nossa esperança, tão solapada pelos males fartamente distribuídos nos últimos anos à sociedade brasileira.

*Renato de Mello Jorge Silveira é presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp)

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