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Empresas em recuperação judicial e a relação contratual e manutenção dos imóveis locados

Por Ana Paula Babbulin
Atualização:
Ana Paula Babbulin. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Com o descontrole da pandemia, que está levando a economia mundial para uma recessão sem igual, com o aumento do número de desempregados, incapacidade de geração de novas receitas por pessoas jurídicas, além do alto endividamento bancário, fez com que o número de empresas pedindo recuperação judicial aumentasse substancialmente.

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Desde o ano passado até o presente momento, as relações contratuais vêm passando por alterações, em especial nos contratos de locação de espaços comerciais e em Shopping Centers espalhados por todo o Brasil. 

As empresas de varejo foram as mais afetadas, especialmente durante as fases emergenciais, o que obrigou todos os lojistas a fecharem suas portas. E não sabemos ainda quantas outras medidas de isolamento serão adotadas. 

Perante a extrema dificuldade para o cumprimento dos contratos, as empresas se viram obrigadas a renegociar dívidas e a ingressar com a denominada revisão contratual, com a possibilidade de o devedor modificar equitativamente as condições antes acordadas e, caso a revisão não seja possível, a rescisão contratual, acontecerá nos termos do artigo 393, parágrafo único do Código Civil, se mostrando adequada ao caso fortuito ou de força maior, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

A falta de recursos, o acúmulo de dívidas, e o ordenamento jurídico brasileiro, permitem especificamente por meio da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresarial o ajuizamento de uma recuperação, com o objetivo de que a empresa salde suas dívidas, a fim de se reerguer no mercado.

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Diante desses eventos, o que vemos é totalmente o oposto ao cenário da relação contratual, ocorrendo inúmeras ações de despejo e rescisões em massa, obrigando o locatário a desocupar sua única fonte de renda.

Apesar do regramento contido no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/05, que estabelece que "o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor", verifica-se que a determinação não vem sendo aplicada para as empresas de varejo em recuperação. A referida suspensão, além de possibilitar a viabilidade do plano de recuperação judicial, também garante ao devedor a manutenção de suas atividades, o que não ocorrerá caso seja despejado.

Embora a ação de despejo movida pelo proprietário locador, para retomada da posse direta do imóvel locado à empresa em recuperação, com base nas previsões da lei específica (Lei do Inquilinato nº 8.245/91), não se submeta a competência do Juízo universal recuperacional, sendo necessária a análise de caso a caso, no caso de empresas de varejo, onde sua atividade principal depende de referidos espaços, a essencialidade do estabelecimento comercial para suas atividades e, consequentemente, o soerguimento almejado na recuperação judicial se mostra ainda mais evidente. Neste aspecto, deveria ser relativizado o direito de propriedade do locador em detrimento a preservação da atividade empresarial em recuperação.

Ressalte-se que, embora haja divergência de entendimentos em nossa jurisprudência e em alguns casos se aponte para a não submissão da efetivação da ordem de despejo ao juízo da recuperação, a prática do ato de retomada do imóvel adotada na esfera exclusiva da ação de despejo deve exigir cautela, pois poderá conduzir, muitas vezes, a situações de completa inviabilidade das atividades da empresa em recuperação.

Defender o direito de propriedade do locador em detrimento a preservação da atividade empresarial em recuperação, colide com o artigo 47 da Lei nº 11.101/2005. Coloca-se frente a frente a Lei de Inquilinato (Lei 8.245/91) e da Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005), onde devemos levar em consideração o critério de interpretação da norma. Isso porque devemos conceber o ordenamento jurídico como um sistema aberto, em que há lacunas, com a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa se dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto.

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O problema de antinomia propõe a aplicação de alguns critérios, sendo o critério cronológico (ver qual norma é mais antiga e se a segunda não revogou a anterior); critério hierárquico (aplicar o sistema hierárquico das normas) e, por fim, o critério da especialidade (o qual a lei especial afasta a aplicação da lei geral).

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No caso em comento, deve-se aplicar o critério cronológico, em especial a aplicação do artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, o qual objetiva a Preservação da Empresa e superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores promovendo, assim, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Estes princípios norteadores da legislação falimentar são igualmente tratados e elencados na Constituição Federal Brasileira, que defende a preservação da empresa, onde declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada.

Caso não seja possível a solução do conflito, ante a impossibilidade de se verificar qual é a norma predominante, deve-se seguir a mais justa ou a mais favorável, procurando salvaguardar a ordem pública e social. Cabe deixar claro, que a questão de propriedade e posse são coisas diferentes e não se está discutindo o direito de propriedade do locador, mas, sim, a questão prematura do pedido de despejo em detrimento aos valores sociais, da iniciativa privada e ordem econômica.

De um lado temos o direito de propriedade, porém, do outro temos grandes empresas que geram postos de trabalho e arrecadação de impostos. Além do que, em todos os precedentes invocados, a cobrança de valores, ou seja, objeto da ação de despejo, se encontra sujeito à Recuperação Judicial, posto serem valores anteriores à distribuição da Recuperação, evidenciando-se, a incidência do art. 6º, caput, da Lei de Recuperação.

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Portanto, diante do princípio de preservação da empresa, compartilhamos o entendimento de ser prematura a realização de despejos fundamentados em créditos que estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, mesmo que em detrimento a propriedade locatícia, posto ser o ponto comercial, principalmente no varejo, essencial às atividades empresariais e geração de subsídios para seguimento da empresa.

*Ana Paula Babbulin, DASA Advogados

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