Mateus Coutinho
23 de novembro de 2015 | 14h30
Enquanto atuava em cartel com outras grandes empreiteiras do País para fraudar licitações da Petrobrás e pagava propina – que somou ao menos R$ 60 milhões a ex-funcionários da estatal, lobistas e agentes políticos – a empresa Setal Engenharia (atualmente Setec Tecnologia) foi condenada na Justiça trabalhista a pagar R$ 41,5 mil em danos morais pela demissão discriminatória de um funcionário devido ao fato de que ele, com um salário de R$ 301, não tinha residência própria. As informações são da página do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
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Em agosto de 2004, quando as reuniões do “clube” de empresas para acertar licitações da Petrobrás começaram a ficar mais constantes, a Setal contratou Carlos Augusto Ferreira Rocha como ajudante para trabalhar na construção da fábrica da Veracel Celulose S.A. em Belmonte (BA). Com um salário de R$ 301, ele foi morar no alojamento da fábrica e, segundo relatou à Justiça, pouco tempo depois teria sido pressionado a comprar móveis para o alojamento por uma empresa que prestava serviços para a Veracel e verificava as condições de trabalho dos funcionários.
De acordo com o relato do ex-empregado, após ter a carteira de trabalho registrada, ele teria recebido a informação de que uma terceira empresa havia determinado o cancelamento de seu registro porque “não tinha móveis em casa”. A contratação foi mantida, mas, ainda segundo sua versão, representantes da empresa foram até sua casa e deram o prazo de dois meses para que comprasse móveis, caso contrário seria “demitido sumariamente”, o que de fato ocorreu em outubro daquele ano.
Enquanto isso, ainda em 2004, o dono da Setal Augusto Ribeiro Mendonça Neto e outros nomes da cúpula da empreiteira se reuniam com representantes de outras oito empresas para definir com quais obras da Petrobrás cada uma ficaria e como seriam os acertos de propinas. Com o passar do tempo mais empreiteiras foram se juntando ao “clube VIP”, que chegou a somar 16 integrantes.
Ao entrar na mira da Lava Jato no ano passado, Augusto Mendonça decidiu colaborar com a Justiça e fez um acordo de delação premiada. Sua empresa, por sua vez, firmou um Acordo de Leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Com isso, o empreiteiro admitiu o cartel e o pagamento de propinas de ao menos R$ 60 milhões envolvendo contratos da Petrobrás.
‘Estado de miséria’. Longe dos holofotes e com cifras cinco casas decimais abaixo, o caso de Carlos Rocha foi levado ao Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, na Bahia. Se na Lava Jato Augusto Mendonça aceitou devolver R$ 10 milhões a título de “multa indenizatória”, perante o TRT sua empresa resistiu a pagar uma indenização que chegou a R$ 41,5 mil, ou 0,4% da quantia paga pelo executivo para se livrar da cadeia.
Para tanto, a empreiteira alegou à Justiça trabalhista que a demissão de Carlos Rocha foi legal e ocorreu durante o contrato de experiência, sem interferência da empresa que prestava serviços à Veracel. A Setal afirmou ainda que o ajudante informou como endereço residencial o alojamento da Veracel. Segundo a empreiteira, a própria indústria forneceu o alojamento para os operários que trabalhariam na obra, e as instalações tinham todos os móveis necessários, refeitório, sala de TV e quadra de esportes. Em novembro deste ano, após ter um recurso negado pelo TST, a empreiteira firmou um acordo e quitou a multa com o ex-funcionário.
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A empresa responsável por prestar serviços à Veracel, por sua vez, informou que analisava as condições de habitação dos operários, “para que não ocorram situações em que funcionários estejam vivendo em estado de miséria absoluta”. Após a verificação, informava à Setal se determinado empregado estava vivendo em desacordo com os padrões estabelecidos pela Veracel. “Diante disso, a empregadora deve tomar as providências necessárias, ou seja, melhorar as condições da residência do empregado ou remanejá-lo para os alojamentos disponíveis”, alegou a empresa em sua defesa.
‘Política de melhoria’. De acordo com o TRT-BA, a “política de melhoria” implementada pela Veracel consistia em transferir para alojamentos os empregados que não pudessem manter uma moraria digna. “No caso, restou evidente que, ante a constatação de que o trabalhador não possuía condições de moradia, e, obviamente, encaixando-se no perfil do trabalhador alvo da mencionada política de melhoria, optou a empresa por despedi-lo, ao invés de implementá-la”, ressaltou a sentença da corte trabalhista.
Também chamou a atenção do Tribunal o fato de que os trabalhadores que tivessem condições de manter a residência digna e que, neste caso, não fariam jus ao benefício da política de melhoria, tinham os seus contratos mantidos, “ao passo que os trabalhadores mais carentes, e que, efetivamente, teriam de ser abarcados pelas melhorias prometidas pela Veracel, eram sumariamente dispensados”, diz a sentença da primeira instância que foi mantida pelo TST ao recusar um recurso da Setal.
Para a Justiça do Trabalho, Carlos Augusto Ferreira Rocha “foi marginalizado pelas suas condições humildes”. Se a breve “carreira” de Carlos Rocha durou apenas três meses na Setal, as propinas milionárias pagas pela empreiteira por meio de uma complexa rede de lobistas, doleiros e contas no exterior se estenderam até, pelo menos, 2012, segundo admitiu o próprio Augusto Mendonça.
A reportagem entrou em contato com as assessorias da Veracel, mas ainda não obteve retorno. A defesa da Setec informou que já fez um acordo com Carlos Rocha e quitou a multa de R$ 41,5 mil.
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