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Em tempos de covid, querem passar uma boiada na reforma tributária

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Por Mauro Silva
Atualização:
Mauro Silva. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Brasil é aquele sujeito que está na areia movediça até o pescoço. Precisa pensar em um jeito de sair urgente dali, mas quanto mais se mexe, mais afunda. Basta um pouco de história e uma pesquisa básica no noticiário dos últimos cinco anos para nos darmos conta de que todas as medidas reformistas, em particular aquelas que removem pilares constitucionais, mantiveram o manjado roteiro de retirar direitos e de sobrepesar pobres e trabalhadores, na medida inversa em que aliviaram o topo da pirâmide socioeconômica do país sem que as previsões, ou promessas, de melhorias para o povo e para a economia se cumprissem. Em poucas palavras, muito do modelo pensado para o país precisa de ajustes, e o sistema fiscal não é diferente. Mas iniciar a discussão da reforma tributária, como vem sendo anunciado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia - em meio a uma tragédia sanitária e econômica, com perda de milhares de vidas e de empregos, por causa da Covid-19 -, cheira ao velho método de aproveitar a desatenção da opinião pública para passar uma boiada em assunto tão relevante para o país.

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Não bastasse a hora inadequada, momento em que todas as instituições democráticas do país deveriam unir esforços dentro de suas competências para enfrentar um inimigo comum, de dimensão global, que é a pandemia, desengavetar agora a proposta da reforma tributária não apenas passa a mensagem de insensibilidade humana por parte do parlamento brasileiro como a de oportunismo desclassificado. Discutir a reforma do sistema fiscal do país tem repercussões em várias frentes. Interfere na autonomia de estados e municípios. Afeta as estruturas da máquina arrecadatória e da autoridade tributária. Redesenha doutrinas do direito tributário. Repensa formas de simplificar o recolhimento e a arrecadação. Estabelece alíquotas que, a depender das escolhas feitas, podem ou não institucionalizar privilégios, podem ou não alterar a direção do regime tributário rumo à justiça fiscal com adoção do princípio da progressividade, olhando para a capacidade contributiva dos brasileiros.

A reforma tributária não é apenas uma expressão, é uma escolha que define o destino do país, afeta a economia, os entes federativos, a empregabilidade, o custeio da máquina estatal, o dia a dia das pessoas. Por isso, é um tema que merece respeito e deve ser debatido profundamente, à luz do dia, de maneira transparente, com serenidade e senso de patriotismo.

Cabe ao presidente da Câmara dos Deputados estar à altura de seu posto e deixar a discussão da proposta para um momento menos tóxico, num ambiente de normalidade, não de instabilidade e de comoção, como agora. Mesmo porque, sequer a equipe do ministro da Economia mandou sua proposta ao Congresso Nacional. Sob um olhar republicano, não se justifica o afogadilho.

Se a intenção é encontrar fontes para custear o combate a essa crise sem precedentes, Rodrigo Maia e o ministério da Economia não precisam ir muito longe. A imprensa divulgou algumas boas contribuições de estudiosos e autoridades no campo tributário que mostraram o caminho para o enfrentamento emergencial tributário. Não faz muito tempo, a Unafisco Nacional, em conjunto com outras entidades do Fisco, apresentou à sociedade um pacote sóbrio e factível de dez medidas tributárias com o propósito de fazer frente ao grande desafio do Estado em conciliar o aumento expressivo de demandas da sociedade com a inevitável queda de arrecadação, proveniente da abrupta redução da atividade econômica, garantir a empregabilidade dos brasileiros por mais tempo e reativar a economia, no curto e médio prazos.

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Não há muito segredo para sua implementação, além de ser socialmente justa. O conjunto de proposta está sentada na desoneração tributária para os segmentos mais afetados da economia e ao incremento da arrecadação, através de setores que, favorecidos pela crise e com maior capacidade contributiva, mantiveram ou aumentaram suas atividades. Propõe a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, que tem previsão constitucional e já dispõe de robusto embasamento doutrinário sobre seus impactos (link Estudo Técnico Unafisco). O que há são poderosas forças contrárias que querem manter privilégios e ganhos mesmo em tempo de calamidade pública.

É preciso que se diga que o único objetivo até o momento da reforma tributária, a simplificação, pode ser obtido de maneira infraconstitucional, sem, portanto, interferir no Pacto Federativo e sem a necessidade de reformas constitucionais profundas em um cenário conturbado e imprevisível.

*Mauro Silva é auditor fiscal da Receita Federal e presidente da Unafisco Nacional

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