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Presidente do STF rebate líder do governo que defendeu descumprir decisões judiciais

Deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR) criticou o Judiciário e disse que 'vai chegar a hora' de decisões judiciais deixarem de ser cumpridas

Por Vinícius Valfré/BRASÍLIA
Atualização:

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, estuda marcar sabatina de André Mendonça para 16 de dezembro. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, reagiu nesta terça-feira, 8, às declarações do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), sobre descumprir decisões judiciais. "O respeito a decisões judiciais é pressuposto do Estado Democrático de Direito", disse Fux ao Estadão.

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Horas antes, em um evento organizado pelo jornal Correio Braziliense e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Barros criticou o Judiciário e disse que "vai chegar a hora" de decisões judiciais deixarem de ser cumpridas.

A ameaça de descumprimento surgiu enquanto o parlamentar falava sobre o que ele considerou como "avanços do Judiciário sobre prerrogativas" do Poder Executivo.

Ao comentar a determinação do STF para que o governo realize o censo demográfico em 2022, o parlamentar reclamou de decisões que não têm "nenhum fundamento".

"O Judiciário vai ter que se acomodar nesse avançar nas prerrogativas do Executivo e Legislativo. Vai chegar uma hora em que vamos dizer (para o Judiciário) que simplesmente não vamos cumprir mais. Vocês cuidam dos seus que eu cuido do nosso, não dá mais simplesmente para cumprir as decisões porque elas não têm nenhum fundamento, nenhum sentido, nenhum senso prático", afirmou.

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O deputado Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro na Câmara. Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados

No evento, voltado a debater a reforma tributária, o líder do governo na Câmara sugeriu que a legislação tenha mecanismos que permitam que empresários reajam a juízes, promotores de Justiça e auditores fiscais.

Essas categorias, para o deputado, formam uma "classe de inimputáveis" que fazem "ativismo político" e precisam ser enfrentados. O fato de moverem processos e aplicarem multas e penalidades que, mais tarde, acabam sendo revistas deveria resultar em reparações, na opinião do deputado.

"Promotores, juízes, auditores fiscais podem ir na sua empresa, lhe multar em R$ 100 milhões, bloquear seus bens para garantir esses R$ 100 milhões. E, depois de 10 anos, você vai no conselho de contribuintes, ganha, e o que acontece? Nada", disse, antes de prosseguir:

"Quando a nossa Constituição diz que todos somos iguais perante a lei, precisamos fazer valer isso porque essa classe de inimputáveis, que faz ativismo político, que prejudica a tantos... para eles é apenas um comentário no cafezinho do fórum: 'você viu o que eu fiz?'. Isso é uma coisa que o Brasil tem que enfrentar. Se não enfrentarmos, não vamos avançar".

Implicações. Além de ampliar a tensão na Praça dos Três Poderes, a possibilidade de descumprimento de medidas, lançada por Barros, pode acarretar em prejuízos políticos e penais aos integrantes do governo federal ou do Congresso que se dispuserem a não acatar decisões.

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É que, para especialistas, um descumprimento deliberado, no âmbito do governo federal, pode ser enquadrado como crime de responsabilidade, o que ensejaria um processo de impeachment.

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"Caso haja um descumprimento expresso por parte do presidente ou ministro de Estado, qualquer cidadão pode peticionar junto à Câmara para a abertura de processo por crime de responsabilidade", disse Vladimir Feijó, professor de Direito Constitucional da Faculdade Arnaldo.

Outra frente é a abertura de investigação penal pelo crime de desobediência. Além disso, Paulo Henrique Blair Oliveira, professor de Direito Constitucional da UnB, ressalta que o Judiciário também pode intervir no órgão para obrigar o cumprimento.

"Quando se diz que é para ter o censo e a autoridade, em tese, se recusa, você tem a possibilidade de intervenção federal sobre o órgão que o realiza. Existem consequências também penais. Existe o crime de desobediência. Em tese, uma pessoa que se recusa, sem justo motivo, a descumprir ordem judicial, é sujeita a inquérito", disse.

Para o procurador de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, a ameaça de Ricardo Barros é preocupante. E ainda mais grave por ser feito no contexto de crítica ao censo, pesquisa que pode melhorar a compreensão e a oferta de serviços públicos.

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"Ele fala de uma sociedade em que não se cumpre decisão da Justiça. Isso é um princípio fulcral da nossa Constituição, o da separação dos Poderes. Tem que ser cumprida. É um pacto social que foi estabelecido há séculos. Essa pregação significa o desmantelamento da essência do contrato social, nos conduz à selvageria", frisou.

Histórico. A ameaça proferida por Ricardo Barros contra a autoridade das decisões da Justiça não é isolada entre aliados do presidente Jair Bolsonaro.

O próprio parlamentar, em entrevista ao Estadão, em fevereiro, defendeu a contratação de parentes de políticos para cargos públicos. O nepotismo está barrado pelo STF, desde 2008, por violar o princípio da impessoalidade na administração.

O presidente Jair Bolsonaro também acumula investidas contra a separação dos Poderes. No último dia 5, já sob pressão da CPI da Covid, ele ameaçou se sobrepor à Suprema Corte por meio de um decreto que poderia barrar medidas restritivas severas para a contenção da covid-19 nos estados. O STF já decidiu que estados e municípios têm competência para definir ações para enfrentar a pandemia no âmbito local.

"Nas ruas já se começa a pedir que o governo baixe um decreto. Se eu baixar um decreto, vai ser cumprido, não será contestado por nenhum tribunal", declarou.

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Antes, em maio de 2020, o ministro Celso de Mello, do STF, pediu para que a Procuradoria-Geral da República opinasse sobre notícias-crime contra Bolsonaro que pediam, entre outras coisas, a apreensão do celular do presidente.

"Tá na cara que jamais eu entregaria meu celular", disse Bolsonaro. "Alguém tá achando que eu sou um rato para entregar um telefone meu numa circunstância como essa?", disse.

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