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Eleição por dispositivo móvel: o seu voto e a sua privacidade estarão protegidos?

 

Por Leidi Vilela
Atualização:

Leidi Vilela. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A crescente digitalização do Estado é um caminho de mão dupla. De um lado, os avanços tecnológicos têm permitido um refinamento dos serviços prestados à população, reduzindo a distância entre a gestão pública e o cidadão; do outro, no entanto, o que se observa é uma acelerada e preocupante concentração de dados dos cidadãos em poder do Estado, que pode colocar a democracia e o direito à privacidade em risco. Por esta razão, é importante observar com cautela os movimentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que vem analisando alternativas para substituir as urnas eletrônicas e possibilitar o voto a distância, por meio de dispositivos móveis.

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Um possível modelo de voto eletrônico e remoto no Brasil, objeto de estudos do TSE, resumidamente, seria baseado no tráfego de informações pessoais dos eleitores: em uma ponta, o cidadão seria identificado a partir de seu dispositivo móvel, por meio de seus dados biométricos, e registraria o seu voto; do outro, a Justiça Eleitoral asseveraria a identidade do eleitor e computaria o voto encaminhado.

Em que pese até possam existir mecanismos seguros para a comunicação entre essas duas partes, eleitor e TSE/TREs, não é possível afirmar que essa comunicação não possa ser violada, interceptada, manipulada, seja por cibercriminosos, agentes internos ou externos, com grande potencial de desestabilizar a soberania nacional e fragilizar a democracia brasileira. Também não é possível afirmar que o cidadão, desassistido de um fiscal eleitoral, não seja coagido ou manipulado para o exercício do sufrágio, tampouco que o voto seja secreto e inviolável tal como determina a Constituição Federal brasileira.

Não obstante, a veracidade da identidade do cidadão também pode ser questionável, sobretudo pelo fato do processo eleitoral se basear em dados que estão sob livre circulação, não apenas pelos vazamentos ocorridos, mas também pelo fornecimento das informações pessoais de forma consentida pelos seus titulares para uma infinidade de pessoas físicas, jurídicas, organizações nacionais, transacionais, Big Techs... Ou seja, não existe sigilo sobre os dados que serão utilizados como chaves de identificação e de voto e, no mesmo sentido, não é possível garantir que a tecnologia não evolua suficientemente para ludibriar sistemas e técnicas robustas que sirvam para minimizar o uso indevido e o roubo de identidades eletrônicas para fins eleitorais.

Outra questão a ser ponderada recai sobre a alta concentração de dados pessoais sob custódia do Estado. A partir do momento que o cidadão passa a utilizar bases públicas e identidades eletrônicas fornecidas e controladas pelo próprio Estado para a prática de diversas atividades, juntamente com a prerrogativa de amplo compartilhamento de informações dos cidadãos em âmbito público equivocadamente conferida pela Lei Geral de Proteção de Dados, abre-se espaço para uma potencial vigilância e para a aplicação de inteligências artificiais que permitam a criação de perfis e de identificação de padrões para os mais variados fins, inclusive para fins eleitorais. Além da devassa à privacidade, não é possível listar todos os riscos relacionados aos resultados desse controle nas mãos do Estado, mas é possível imaginar todos os efeitos que poderão gerar à democracia quando as pessoas passam a ser substituídas pelos seus dados, que podem ser orquestrados e manipulados irrestritamente.

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Diante deste tenebroso e irreversível cenário de insegurança, principalmente sobre os dados biométricos, nota-se que parte das discussões sobre uma provável modernização do processo eleitoral tem se pautado sobre uma premissa equivocada. Em novembro do ano passado, ao comentar a realização de testes com entidades diversas para a apresentação de soluções tecnológicas para o sistema de votação, o presidente do TSE, Ministro Luis Roberto Barroso, mencionou o alto custo de manutenção e reposição das urnas eletrônicas como justificativa para buscar um "modelo alternativo", de preferência de voto pelo dispositivo pessoal. É preocupante que eventuais mudanças do sistema eleitoral tenham como objetivo maior a redução de custos e não o aprimoramento da segurança do cidadão e, em última instância, a proteção da própria democracia, sobretudo quando nos deparamos com sucessivos vazamentos de dados pessoais dos cidadãos brasileiros e constantes ataques às bases públicas do Estado.

O estudo de formas de aprimoramento do processo eleitoral que possam nos direcionar às "Eleições do Futuro", como o próprio TSE se refere ao projeto para modernização, pode ser bem-vindo. Os riscos à privacidade e à democracia, não.

*Leidi Vilela, advogada. Pós-graduanda em Compliance na FGV e mestre em Direito da Sociedade da Informação pelas Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU. Dedica-se ao estudo da democracia e dos direitos civis no ciberespaço

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