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Efeitos econômicos e sociais da Lei de Propriedade Intelectual

Por Carlos Portugal Gouvêa e Mariana Pargendler
Atualização:
Carlos Portugal Gouvêa Mariana Pargendler. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Tramita atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF) questionamento sobre a constitucionalidade do art. 40, parágrafo único, da Lei da Propriedade Intelectual (LPI), o qual potencialmente estende o prazo de vigência das patentes em caso de demora na sua concessão pelo INPI. Segundo artigo dos professores Luciano Timm e Thomas Conti recentemente veiculado nesta coluna, "não há argumentos de Análise Econômica do Direito (AED) que justifiquem a decretação de inconstitucionalidade" do referido dispositivo legal. Tal conclusão, porém, afronta lições elementares da ampla literatura acadêmica sobre AED.

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O objetivo econômico das patentes é aumentar os incentivos à inovação, tendo em vista a facilidade de apropriação de novas ideias por concorrentes. Trata-se de coibir o "efeito carona" referido por Timm e Conti. Ocorre que a literatura de AED sempre enfatiza que a proteção das patentes também traz custos substanciais, pois pode permitir a precificação de monopólio, gerando produção e disseminação insuficientes. Esses custos consideráveis e amplamente reconhecidos pela corrente mais ortodoxa de AED são ignorados por completo na análise de Timm e Conti. A omissão é bastante surpreendente, pois sabe-se que a limitação no prazo de proteção das patentes é o mais tradicional instrumento para mitigar esses custos.

Timm e Conti qualificam como "oportunismo" o efeito carona de concorrentes que buscam oferecer o produto (como medicamentos) a preço mais baixo para a população, mas desconsideram o oportunismo refletido em buscar-se proteção jurídica a preços monopolistas por um prazo mais longo que o garantido no contexto internacional. Tampouco se sustenta a conclusão apressada dos autores de que o dispositivo legal em questão é essencial para a inovação. Tal veredito contraria os diversos estudos que questionam a eficácia das patentes como método de estímulo à inovação. Além disso, há grandes desvantagens econômicas em uma proteção excessivamente forte para países em desenvolvimento como o Brasil, fator inclusive reconhecido pelo Banco Mundial sob a liderança de Joseph Stiglitz, economista laureado com o prêmio Nobel.

Deve-se lembrar que estudos mais modernos de AED têm defendido a consideração de questões distributivas (divisão do bolo) para além da ênfase na eficiência (tamanho do bolo). A proteção excessiva às patentes pode ser não apenas ineficiente como também aumentar a desigualdade social, permitindo a cobrança de preços de monopólio por grandes empresas em detrimento da população consumidora. Além disso, no caso do Brasil, boa parte dos ganhos será apropriada por companhias e investidores estrangeiros, ao mesmo tempo em que as perdas recaem justamente sobre o Estado ou os consumidores do País. Em obra dedicada ao tratamento da propriedade intelectual por países em desenvolvimento, os professores Bruno Salama (especialista brasileiro em AED que atualmente leciona na Universidade de Califórnia em Berkeley) e Daniel Benoliel (Universidade de Haifa) concluem que até mesmo a restrição mais contundente do licenciamento compulsório pode "representar um saldo positivo de barganha social para países como o Brasil".

Há, sim, muitos argumentos de AED contrários à excessiva proteção da propriedade intelectual no Brasil. O que inexiste é um princípio geral de AED contrário ao controle de constitucionalidade de leis ordinárias, mesmo que tenham vigorado por décadas, como sugerem Timm e Conti. A apreciação pelo Poder Judiciário de temas relevantes à vida nacional não é necessariamente incompatível com um debate acadêmico mais amplo na comunidade científica e com a participação social, como têm evidenciado os diversos amici curiae e a possibilidade de realização de audiência pública. Que o debate prossiga com a devida atenção à literatura científica.

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*Carlos Portugal Gouvêa, professor doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e doutor em Direito pela Universidade de Harvard

*Mariana Pargendler, professora associada da FGV Direito SP, diretora do Núcleo de Direito, Economia e Governança da FGV Direito SP e doutora em Direito pela Universidade de Yale

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