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E se o Botafogo pedir recuperação judicial?

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Por Leonardo Fragoso e Bruna Martins
Atualização:
Leonardo Fragoso e Bruna Martins. Foto: Divulgação

A imprensa noticiou recentemente que o Botafogo estuda a recuperação judicial como plano B à transformação em Sociedade Anônima e apresenta esse panorama a candidatos. A informação foi suficiente para mobilizar os torcedores do Botafogo, de outros clubes e operadores da área da insolvência.

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Conforme entrevistas concedidas pelo Comitê Gestor do Clube, o objetivo inicial da constituição da Sociedade Anônima seria captar recursos suficientes para quitar dívidas com vencimentos em curto prazo, que estão engessando o fluxo de caixa com penhoras e outras constrições patrimoniais. Liberando o fluxo de caixa, o Clube teria capacidade de investir em sua atividade, negociar e quitar as dívidas do passivo não circulante. Para tanto, informam que, atualmente, o investimento necessário na S/A seria de aproximadamente R$ 250 milhões.

Em que pese o cenário jurídico ainda ser instável, quanto à possibilidade de uma associação sem fins lucrativos ter o benefício da recuperação judicial concedido, ressalte-se a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que deferiu o processamento de recuperação da Universidade Cândido Mendes. Isso abriu o caminho para futuros casos semelhantes, como o do Botafogo.

O cenário teria uma maior segurança jurídica, caso tivesse sido aprovado e promulgado o Projeto de Lei que cria o Clube-Empresa (PL 5.082/2016), o qual prevê concessões especiais, como a dispensa da comprovação do exercício da atividade há mais de 2 anos. Tal fato possibilitaria o requerimento imediato da recuperação judicial, bem como a submissão das dívidas anteriores à mudança para empresa.

Dessa forma, fica o questionamento: caso o Botafogo de Futebol e Regatas se utilize do seu plano B e ingresse com pedido de recuperação judicial, o que podemos esperar?

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Inicialmente, é importante destacar que as análises aqui apresentadas foram feitas com base em documentos disponibilizados pelo clube em seu site, no portal da transparência, e não foi requerida nenhuma documentação complementar aos seus representantes.

Partimos da premissa de que a Companhia Botafogo é umbilicalmente ligada à associação desportiva Botafogo de Futebol e Regatas, tendo como principal atividade a exploração econômica do Estádio Nilton Santos. Consequentemente, em caso de um futuro pedido de recuperação judicial, é possível que haja uma consolidação de processos que envolvam a associação e a sociedade anônima.

O balanço auditado, consolidado de 2019, demonstra que há uma deficiência de capital de giro de R$ 270,395 milhões. Além disso, houve um prejuízo de R$ 21,006 milhões causado, principalmente, pelas despesas financeiras relativas a juros e multas de obrigações tributárias.O passivo total do clube é de R$ 890,022 milhões, sendo R$ 303,061 milhões vencidos até o final do ano (passivo circulante) e R$ 586,961 milhões após esse período (passivo não circulante).

Nesse contexto, devemos observar os créditos que não se submeteriam ao processo de recuperação judicial, como tributários e os previstos no art. 49, §§ 3º a 5º da Lei nº 11.101/2005, tais como os que envolvem propriedade fiduciária, arrendamento mercantil, adiantamento de contrato de câmbio, entre outros.

passivo tributário totaliza R$ 390,135 milhões, dos quais R$ 318,962 milhões foram parcelados em 2019. Portanto, a dívida tributária hoje corresponde a 43,83% do total do endividamento do Botafogo.

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Outro passivo que poderia não se submeter à recuperação judicial é o relativo aos empréstimos e financiamentos. Afirmar que eles se submeteriam ou não ao processo é incerto, uma vez que, ainda que o balanço informe a garantia prestada, é necessária a análise individual dos contratos, para verificar se as garantias prestadas pelo Botafogo são passíveis de afastamento da lista de credores.

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Os empréstimos e financiamentos somaram R$ 125,236 milhões no final do exercício de 2019, ou seja, 14,07% do passivo total. Já os créditos que se submetem à recuperação são todos aqueles anteriores ao pedido, exceto os elencados acima. As dívidas realizadas durante o processo serão cobradas conforme contratadas originalmente.

O primeiro desafio junto aos credores na recuperação judicial são os créditos trabalhistas, pois, atualmente, a legislação recuperacional prevê que esses créditos devam ser pagos em até um ano.

Entretanto, o Projeto de Lei nº 6.229/2005, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e será analisado pelo Senado, prevê que esse prazo pode ser estendido em até dois anos, cumpridos certos requisitos, como apresentação ao juiz de garantias suficientes, aprovação dos credores trabalhistas e garantia de pagamento da integralidade dos créditos.

As obrigações trabalhistas correspondem o montante de R$ 28,626 milhões, representando 3,22% do total do Passivo. Há ainda R$ 114,625 milhões em acordos trabalhistas e o Ato Trabalhista nº 156/2014. Esse valor representou 12,88% do total das dívidas do Botafogo, no ano de 2019.

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Assim sendo, seria necessário um vultuoso aporte financeiro para a quitação dessas obrigações, no prazo previsto em lei, ou a negociação de deságio, o que nos créditos trabalhistas ainda não é matéria pacificada nos tribunais superiores. O STJ suspendeu decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que não acatou o desconto no processo de recuperação judicial do jornal Lance!. A decisão de suspensão proferida pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva se fundamentou no fato de a lei não vedar o desconto, mas tão somente fixar o prazo para pagamento de até um ano.

Dessa forma, caso não haja aporte financeiro ou uma alta porcentagem de deságio, é provável que o Botafogo não cumpra com o pagamento dos créditos trabalhistas, no prazo fixado pela legislação, e tenha a sua falência decretada.

Aos demais créditos, sejam eles com garantia real, quirografários ou de titularidade de microempresa e empresa de pequeno porte, a lei não prevê tratamento limitativo ao prazo, aos descontos ou às formas de pagamento. Deve ser negociada, junto aos credores, uma forma em que haja convergência de interesses.

Baseado nessas análises, é possível afirmar que, caso o Botafogo ingresse com o pedido de recuperação judicial, há uma grande probabilidade de que seja convolada em falência. O processo recuperacional serviria apenas para postergar o que é inevitável e o agravamento da crise econômico-financeira, que a cada ano chega mais próxima de R$ 1 bilhão.

Logo, caso venha a se socorrer da Lei nº 11.101/2005, o remédio mais indicado para o Clube é o amargo pedido de autofalência, com a continuação de suas atividades, objetivando a maximização dos ativos. Dessa maneira, a alienação em bloco da atividade, marca, bens corpóreos e incorpóreos seria mais eficaz, pois seriam transferidos ao comprador, sem sucessão de obrigações, e o produto seria usado para o pagamento dos credores, na ordem da legislação falimentar. Assim, a atividade seria mantida, bem como a Estrela Solitária, que se tornaria mais atrativa aos investidores do que é hoje.

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*Leonardo Fragoso, botafoguense e advogado especialista em Recuperação Judicial e Falência na Licks Associados e Bruna Martins, contadora especialista em Recuperação Judicial e Falência na Licks Associados.

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