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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

E pensar que começamos juntos...

Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO Foto: Estadão

Impressionou-me noticiário recente de que os Estados Unidos têm milhões de vagas para trabalhadores e falta mão-de-obra. O fenômeno seria a expectativa de maiores ganhos, que fez com que os americanos guardassem o que receberam sob a forma de auxílio-desemprego - cerca de mil e quatrocentos dólares mensais - e fizessem poupança que lhes permite aguardar melhores oportunidades.

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Um proprietário de restaurante brasileiro se queixava, na reportagem, de que havia recorrido inúmeras vezes a agências de empregos e sequer um candidato se apresentara.

Isso excita os brasileiros desalentados que aqui enfrentam situação exatamente ao contrário: catorze milhões de desempregados. Sem contar os informais. Aqueles que já desistiram de procurar trabalho. Os subempregados. Os que ganham pouco e estão insatisfeitos com a falta de perspectivas.

Pensar que Estados Unidos e Brasil começaram praticamente juntos. Os dois no século dezesseis. Só que ali ocorreu um milagre: os quakers, quando saíram da Inglaterra, vieram com os ossos dos antepassados, os retratos familiares e a firme disposição de permanecerem para sempre no Novo Mundo. Para cá vieram aventureiros, degredados, exploradores de tudo o que se podia transportar para a metrópole.

Alguns pensadores falam também sobre a influência da religião. O catolicismo ensina que o sofrimento é a vocação natural do peregrino por este planeta. Todas as compensações virão na eternidade. O mal é perfeitamente suportável para o crente na certeza de uma retribuição divina. Já a ética protestante - e a lição de Max Weber é clássica - propõe que o céu pode começar aqui na Terra. Mas para aqueles que se mexem, que trabalham, que se esforçam, que se sacrificam.

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O Brasil acumulou fatores desfavoráveis. Os Estados Unidos educaram seu povo. Suas Universidades são seculares e se tornaram nichos de excelência. O nosso país permaneceu atrelado a uma concepção anacrônica de educação. Não percebeu o tempo passar. Ou, o que é pior, teria percebido mas se aproveitado da ignorância para perpetuar práticas nefastas.

Os Estados Unidos têm dois partidos políticos. O Brasil possui quase quarenta e muitas dezenas de propostas para criar mais. Pois partido significa sinecura. Vida tranquila com dinheiro suado de um povo sofrido e maltratado. Basta mencionar o descalabro, o desvario, o delírio de um Fundo Partidário de quase seis bilhões, enquanto milhões de brasileiros passam fome.

A política no Brasil é um eloquente atestado de quão egoísta é o ser humano, de quão ególatra, de quão ligado apenas e exclusivamente aos seus interesses mais comezinhos. A classe política se converteu em profissão rendosa. Daí a permanência dos mesmos, de seus filhos, de seus netos, na mamata coletiva.

O resultado é que nenhum brasileiro lúcido consegue se enxergar representado nesta falida Democracia representativa. O representante só se lembra do representado às vésperas das eleições. Depois volta ao seu exercício costumeiro: encontrar fórmulas de se enriquecer. De elaborar orçamentos secretos. De adquirir empresas. De controlar os meios de comunicação. De nomear os milhares de cargos nas estatais, quais sanguessugas que nada produzem, tudo exploram, tudo exterminam.

Têm razão os jovens que não enxergam futuro no Brasil. A indústria sucateou. A educação só cuida de oferecer diplomas, não profissões necessárias à sociedade tecnológica e próspera dos países civilizados. Têm motivos para enfrentarem os rigores americanos em relação ao estrangeiro. Ali, a migração não é considerada direito, mas ocupação ilícita de um território reservado aos ianques.

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O que eles não sabem é que essa bolha, como outras, também vai estourar. Pode ser que os americanos consigam um inexpressivo aumento salarial. Mas conviverão com outra praga que nossa infeliz Nação não conseguiu extirpar de vez: a inflação.

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Só que os americanos têm os cérebros próprios, cultivados em Harvard, no MIT, além de atraírem cérebros de nações periféricas que não sabem oferecer futuro para seus próprios filhos.

Eles sobreviverão. Sobranceiros e hegemônicos, assim como de costume. Nós, o que nos espera neste fatídico ano de 2022? Conseguiremos sair da vala infecta destinada a um "pária ambiental"? Alguma esperança em reforma política e administrativa, que enxugue este Estado perdulário e ineficiente? Algum vislumbre de ética na política? Algum sinal, ainda que mínimo, de que a família e a sociedade se encarregarão de seu dever de educar?

O Brasil precisa de milagres, enquanto que os Estados Unidos só precisam continuar na trilha que, de um mesmo ponto na escala temporal, nos distanciou como antípodas cinco séculos depois.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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