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E-mails registram que Agricultura pode ter omitido da União Europeia suspensão de unidade da BRF

Três relatórios de análise da Polícia Federal enviados à Justiça nesta sexta, 16, reunem mensagens trocadas por Roney Nogueira de Santos, preso na Operação Carne Fraca, de suposta omissão do ministério para evitar 'delistagem' da empresa por problema sanitários e tratativas para buscar soluções com servidores federais

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Por Ricardo Brandt e Julia Affonso
Atualização:
 

Três relatórios de inteligência da Polícia Federal, anexados nesta sexta-feira, 16, aos autos da Operação Carne Fraca, reforçam as suspeitas de que o Ministério da Agricultura e a BRF, uma das gigantes do setor de carnes, podem ter omitido dados sanitários de autoridades internacionais para manter o fornecimento da empresa para a União Européia. Os documentos são resultado da análise de conteúdo dos e-mails apreendidos com Roney Nogueira de Santos, funcionário do grupo, preso no dia 18 de março, no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP), acusado de corrupção.

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"O Dipoa já nos alertou que nos suspendeu mas não tem comunicado essas suspensões à União Europeia tendo em vista que essa ação poderia resultar em delistagem, o que seria mais difícil de reverter", registra um dos e-mails analisados. Dipoa é o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal, do Ministério da Agricultura. "A União Europeia, em missão ao Brasil apontou essa atitude do MAPA como não conformidade."

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A Comissão Europeia criticou o governo brasileiro por conta da falta de controles sanitários no que se refere às exportações de carnes do País. O Estado apurou que, no último dia 7 de junho, uma comunicação foi enviada entre Bruxelas e Brasília apontando falhas nos controles e pedindo ações por parte das autoridades brasileiras. Uma auditoria da União Europa descobriu mais de cem casos de contaminação da carne brasileira e Bruxelas ameaça impor novas restrições aos produtos nacionais.

Em um dos documentos novos da Carne Fraca, o Relatório de Análise 34/2017, que analisou os dados de um computador portátil que o funcionário da BRF carregava ao chegar no aeroporto, em retorno da África, onde estava quando foi expedida ordem de prisão contra ele, a PF informa que e-mails apontam "preocupações da BRF com questões relacionadas a Laudos de Salmonella em unidade SIF 104 - CHAPECÓ".

 

"Indicam que a empresa tem dúvidas em relação aos produtos já produzidos e armazenados em unidades da empresa no que diz respeito a Certificação Sanitária", informa o documento, produzido no dia 12. Nas conversas por e-mail, um funcionário da BRF pede a Santos informação sobre produtos que seriam exportados para o Japão. Os dois falam sobre o Certificado Sanitário Internacional (CSI) daquele País.

+ Ouça grampos da Carne Fraca

+ UE acena com bloqueio à carne brasileira

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"Pelo que sei o CSI de Japão não exige controle de Salmonella e não recebemos nenhuma informação do DIPOA ou SIPOA (Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal) para tal restrição de exportação para o Japão."

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Os e-mails são de 2014 e reúnem uma sequência de mensagens entre funcionários da BRF que demonstram, segundo a PF, "preocupação com as questões relacionadas ao controle de Salmonella e sobre o 'aperto' quanto as análises laboratoriais, embora entendessem que o Japão não exigia a análise de Salmonella na certificação".

"Acrescenta no e-mail o caráter reincidente da contaminação por Salmonella, embora já tenham conseguido reverter suspensão sem necessidade de auditoria prévia. E ainda, relata que o DIPOA embora tendo suspendido a empresa não vinha informando sobre o fato à União Europeia como indicado no teor da mensagem: 'mas não tem comunicado essas suspensões à União Europeia tendo em vista que essa ação poderia resultar em delistagem'."

 

A PF destaca ainda a preocupação dos funcionários da BRF em tratar de assuntos por e-mail ou telefone e de buscar por soluções com os fiscais e funcionários do Ministério da Agricultura, para agilizar medidas. Procurado via assessoria de imprensa, o órgão ainda não respondeu aos pedidos de informação.

O Ministério Público Federal, no Paraná, denunciou no dia 20 de abril 60 investigados no suposto esquema envolvendo empresários de frigoríficos, fiscais do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) que atuavam na liberação de licenças, solicitação e recebimento de vantagens indevidas, entre outros investigados.

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Segundo os procuradores da Carne Fraca, durante a investigação "ficou comprovada a existência de uma verdadeira organização criminosa atuando no âmbito da Superintendência Federal de Agricultura do Paraná, envolvendo inclusive suas altas cúpulas". Entre os crimes apontados estão corrupção passiva, corrupção ativa, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, concussão, violação de sigilo funcional, peculato, organização criminosa e advocacia administrativa.

Mineiros. Em outra sequência de e-mails do funcionário da BRF, analisada pela PF, foi destacada conversas sobre uma unidade do grupo em Mineiros (GO), que sofreu interdição pelo Ministério da Agricultura. "Ficou evidente na investigação dessa Operação que a empresa da BRF em Mineiros- GO vinha tendo problemas com contaminação local. Verificando os e-mails observou-se que alguns problemas vinham acontecendo há algum tempo", registra o Relatório de Análise 32/2017.

 

Em um deles, uma funcionária da BRF se refere ao acesso "informal" a um parecer fruto de supervisão no SIF 1010- Mineiros-GO, de uma fiscal do Ministério da Agricultura. "Tal parecer implicaria em prejuízos à empresa, uma vez que se trataria de impedimento de produção, cujo tema principal é contaminação por Salmonella."

Caberia a Roney Santos, "agilizar" com "Francisco", que segundo a PF seria possivelmente Francisco Carlos de Assis, na época Superintendente Regional do Ministério da Agricultura em Goiás, para que as informações, que já obtiveram de forma confidencial chegue ao SIF local. O superitendente também foi alvo daCarne Fraca.

O juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal, em Curitiba, levou para o banco dos réus 59 investigados da Carne Fraca, no dia 25 de abril, entre eles Roney Santos, da BRF. As acusações do Ministério Público Federal apontam corrupção e fraudes envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura e empresários e funcionários de frigoríficos e empresas de carnes processadas.

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Lajeado. No relatório 33/2017, da Polícia Federal, os analistas listaram troca de e-mails sobre habilitação do SIF 3975 - Lajeado/RS, "para exportação para Rússia". "A empresa BRF busca apresentar parecer final de que estaria livre da Ractopamina com o objetivo de recuperar exportação para aquele país.".

Os e-mails são de 2014, trocados entre funcionários da BRF e tratam da necessidade de uma solução com órgãos do Ministério da Agricultura. Em um deles, citam o ex-ministro da Agricultura Neri Geller. Segundo o documento, desde 2011 já há registros de "decisão do governo da Rússia de suspender temporariamente a importação de carne e produtos compostos de alguns frigoríficos, entre eles o do SIF 3975, que revelaram várias deficiências no funcionamento dos serviços veterinários". O ex-ministro não foi localizado para comentar o caso. O espaço está aberto.

 

Conduzida pelos delegados Maurício Moscardi Grillo, Roberto Biasoli e William Tito Marinho, as investigações da Carne Fraca foram enviadas para a Procuradoria e para a Justiça para definição de aumento de prazos para análise dos documentos apreendidos. "Considerando a importância dos relatórios de inteligência 32/2017, 33/2017 e 34/2017 para a formação da prova nos autos da ação penal em andamento na 14ª Vara Federal de Curitiba", a PF enviou o material para Josegrei. O conteúdo, segundo os delegado, "robustecem diversas denúncias já firmadas pelo Ministério Público Federal".

O Ministério da Agricultura foi procurado via asessoria de imprensa, mas não respondeu aos questionamentos. O espaço está aberto para manifestações.

COM A PALAVRA, A BRF

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A BRF divulgou nota em que afirma não existirem ilicitudes nas conversas, que não compactua com tais práticas e wue colabora com as investigações.

NOTA À IMPRENSA

"A BRF esclarece que as informações apresentadas pelas autoridades correspondem à interlocução lícita e legítima de um funcionário da companhia com os órgãos de fiscalização. As mensagens dizem respeito a manifestações oficiais elaboradas no âmbito dos procedimentos administrativos próprios. A BRF reitera que não compactua com práticas ilícitas, que vem colaborando com as autoridades desde a deflagração da Operação Carne Fraca e que confia no Poder Judiciário."

 

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