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E-mail da Odebrecht relata 'pressão forte de Brasília' em negócio de sondas

Troca de mensagens de presidente da empreiteira com executivos cita 'alinhamento', 'apoio político' e encontros com ex-presidente da Petrobrás Sérgio Gabrielli; análise da PF reúne contatos com governo durante processo de nacionalização de obras de plataformas e embarcações

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Foto do author Fausto Macedo
Foto do author Julia Affonso
Por Ricardo Brandt , Fausto Macedo , Mateus Coutinho e Julia Affonso
Atualização:

Marcelo Odebrecht, preso desde 2015, em Curitiba. Foto: Cassiano Rosário/Futura Press

Atualizada às 19h21

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A abertura de arquivos de mensagens de e-mail dos executivos da maior empreiteira do Brasil, a Odebrecht, revela detalhes de como o grupo monitorou e atuou na contratação de navios-sonda para exploração de petróleo do pré-sal pela Petrobrás.

Nas conversas participam o presidente da empreiteira, Marcelo Bahia Odebrecht - preso desde o dia 19 de junho, em Curitiba -, e três de seus executivos. Os alvos da Operação Lava Jato citam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a atual presidente, Dilma Rousseff, o ex-presidente da Petrobrás José Sérgio Gabriellie outros nomes investigados.

São tratativas que ocorrem em dois momentos do projeto de nacionalização do setor de obras naval voltadas à Petrobrás: 2008 e 2011. A primeira série de mensagens é das semanas que antecederam o start do projeto, com investimentos em estaleiros para produção de plataformas, navios de perfuração de petróleo e embarcações, dado por Lula. A segunda etapa, no governo Dilma, acontece na fase de contratação do primeiro pacote de 28 navios-sondas, por US$ 22 bilhões, pela Petrobrás, via empresa Sete Brasil - criada pela estatal com bancos privados e fundos de pensão federal.

 

Era 23 de novembro de 2011, uma quarta-feira, quando Marcelo Bahia Odebrecht escreve para Rogério Araújo e Márcio Faria, executivos do grupo presos junto com o presidente do grupo, acusados de corrupção e lavagem de dinheiro. Ele os lembra do encontro marcado com o então presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli. "Gabrielli na 6ª em SP 17hs marcado?".

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Quem responde é Márcio Faria, acusado pelo delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, de ter ajudado a abrir contas na Suíça, onde recebeu US$ 23 milhões em propinas da Odebrecht: "Já sei o que ele vai falar pois falou com Ricardo e Léo. Pressão de Brasília foi forte". "Esta disposto a nos dar as sondas desde que tenhamos um parceiro tecnológico", avisa o executivo para Odebrecht.

Na interpretação da PF, nos e-mails, os executivos "tratam de reunião com Marcelo Bahia Odebrecht fará com José Sérgio Gabrielli (provável significado de JSG)". O ex-presidente da estatal diz que falou dos navios-sonda com todos os grupos empresariais, no período e que foram situação legais.

"Márcio Faria da Silva diz que 'pressão de Brasília foi forte' e que Gabrielli 'está disposto a nos dar as sondas desde que tenhamos um parceiro tecnológico'", destaca a PF em documento anexado aos autos da Lava Jato na semana passada.

Odebrecht pede que seja marcada uma reunião e sugere a um de seus executivos: "Marcio, Avalie ate se não seria bom chamar Léo e Ricardo para esta conversa de alinhamento nossa". "Léo" seria José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, presidente da OAS, e "Ricardo", seria Ricardo Pessoa, o dono da UTC Engenharia - delator da Lava Jato. Ambos foram presos em 14 de novembro e cumprem prisão domiciliar.

Na agenda de celular de Léo Pinheiro, a PF já identificou o registro do encontro do executivo com Márcio Faria e Rogério Araújo, no mês de novembro de 2011, o que reforça a suspeita de existência das tratativas.

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Outro executivo, Rogério Araújo, acrescenta para Odebrecht que teve conversa "bastantes extensa" com Gabrielli. "MO: pelo que o JSG me falou ele quer conversar contigo sozinho. Estou a sua disposição para lhe brifar sobre toda nossa conversa hoje que foi bastante extensa".

A Odebrecht é dona do estaleiro Enseada do Paraguaçu, na Bahia, e ficou com um pacote de seis sondas desse projeto. Alvo das apurações da Lava Jato, esse projeto envolveria a cobrança de 1% de propina pela Diretoria de Serviços da Petrobrás e que teria abastecido o PT e agentes públicos e políticos ligados ao partido, como o então diretor Renato Duque e o ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu.

 

Governo Lula. Na primeira série de e-mails trocados entre executivos da Odebrecht, em maio de 2008, governo Lula, a PF sugere que informações privilegiadas podem ter abastecido a empreiteira durante o surgimento do projeto de nacionalização do setor naval para o pré-sal.

Na mensagem que abre a série, Rogério Araújo escreve para outro funcionário do grupo Miguel de Almeida Gradin, no dia 10 de maio de 2008. O assunto do e-mail: "Sondas Pre Sal".

 

"DE" para os federais é Diretoria Executiva, órgão colegiado da Petrobrás, e "OOG" é a sigla de Odebrecht Óleo e Gás - braço do grupo para o setor de petróleo.

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A força-tarefa da Lava Jato iniciou suas apurações tendo como foco as obras de refinarias, no governo Lula, a partir de 2005. Foi descoberto um sofisticado esquema de loteamento político na estatal, com divisão dessas obras entre empreiteiras de um cartel. O grupo era favorecido após acerto e pagamento de propinas, que variavam de 1% a 3% do valor dos contratos, para agentes públicos e políticos ligados ao PT, PMDB e PP - líderes políticos do esquema.

 

Apresentação.Nas troca de mensagens, executivos do grupo discutem a importância de uma apresentação das propostas para o presidente e citam "apoio político". "Pb / Gabrielli e diretoria concluíram ser importante fazer uma apresentação para o Lula", informa o executivo. "Após acordarem com Lula, aí sim a decisão será formalizada pela DE e divulgada."

Araújo escreveu então sobre "apoio político" e sugere uma negociação direta com a Diretoria de Internacional. "Miguel, considero muito viável uma negociação direta com Area Intl para colocação de um navio/ 3000 m. É a forma mais direta /objetiva dos apoios políticos serem contemplados...", escreve Araújo, em e-mail a Gradin com cópia para Marcelo Odebrecht.

Os investigadores da Lava Jato acreditam que as trocas de mensagens entre Odebrecht e seus executivos confirmam a interferência "política" nas contratações bem como o papel de atuação direta do presidente nas negociações contratuais com a Petrobrás.

O principal contrato da Odebrecht no setor naval, atualmente, são para construção dos navios-sonda da Petrobrás, fechado em 2011, via Sete Brasil. O ex-presidente da Sete Brasil, João Ferraz, e dois ex-executivos (Eduardo Musa e Pedro Barusco) fizeram acordo de delação e confirmaram propina nos pacotes de sondas fechados com as empreiteiras.

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Para a Lava Jato, o esquema das obras de refinarias foi espelhado no projeto de nacionalização de equipamentos para exploração de petróleo em alto mar - com a descoberta do pré-sal.

 

No dia 12, data em que seria feita a apresentação ao ex-presidente Lula, Araújo volta a responder no e-mail para Gradin. "Miguel, foi feita hoje pela manhã, na Sede da Petrobrás, uma apresentação da necessidade de sondas para a programa exploratório assim como de todos os outros meios navais."

O executivo da Odebrecht relata ter sido informado que nada foi decidido, pois Lula ser reuniria com os empresários no dia seguinte porque queria "ter certeza q esta demanda, nos prazos requeridos, não pode ser atendida pelo parque industrial brasileiro".

No dia 14, Araújo volta escrever no e-mail.

 

"A Petrobras sabe que certamento não vai conseguir contratar as 18 sondas, tendo em vista as exigências de garantias. As eventuais sondas não contratadas, serão possivelmente inseridas neste Programa Naval", explica Araújo, na sequência da conversa da mensagem acima.

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Disputa interna. Neste trecho da troca de e-mails, Araújo relata sobre uma dissidência entre duas diretorias comandadas pelo PT, Engenharia (que é um braço de Serviços) e Exploração e Produção. Sugerindo que a Diretoria de Serviços alinharia com posicionamento defendido por Lula.

 

"Com esta reação do Lula, a Engenharia ganha força e certamento todas as outras sondas (ou grande maioria) vão ser encomendadas para construção no Brasil", acrescenta Araújo. "Engenharia /Barusco, a pedido do Duque já ligou para o MO acerca de sua conversa com Gabrielli. Mas a resposta já está alinhada com Miguel."

Dilma e Lula. No dia 15, Araújo retorna os e-mails e informa para Odebrecht e Gradin o posicionamento de Lula e da então ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

"Lula e Dilma estão mantendo posição contrária contratação no exterior, o q levou a DE não tomar decisão de contratação das sondas na reunião de hoje. A estratégia da Petrobrás acertada com Lula e Dilma é fazer uma consulta a industria (entidades de Classe tipo Onip, Abdib, Sinaval, etc)."

 

No dia 19, na última troca de e-mail desse trecho reunido pela PF, Araújo escreve para Odebrecht, Gradim e inclui Márcio Faria. "Estão indo para BsB o Gabrielli / Duque / Estrella / Justi para esta apresentação que vai ser as 18:00 hrs na Casa Civil. A PetrobrÁs quer que a Odebrecht apoie o Plano (são 18 no exterior e 28 no Brasil, dando um total planejado para esta fase do pré-sal de 46 unidades)", explica para os interlocutores.

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Faria, Araújo e o presidente da Odebrecht estão presos desde 19 de junho em Curitiba - quando foram alvos da 14 fase da Lava Jato (Erga Omnes).

COM A PALAVRA, JOSÉ SÉRGIO GABRIELLI

É preciso contextualizar o assunto. Tive inúmeras reuniões com todos, repito todos, os grandes players da indústria de sondas do mundo no Brasil, Coreia, Singapura, Japão, Noruega e Estados Unidos porque a demanda da Petrobras impactava a capacidade de produção mundial deste tipo de equipamentos.

Não era uma simples licitação. Queríamos aproveitar a escala da demanda, que exigia crescimento da capacidade mundial de fabricação de sondas deste tipo, para estimular a indústria brasileira, criando novas capacidades produtivas no Brasil, onde deveria se situar a maior parte da utilização das sondas sofisticadas de sexta geração, destinadas a operar em mais de 3 mil metros de lâmina de água, como é o caso do Pré-Sal brasileiro.

Não havia a escolha de um contra outros. Gostaríamos de envolver a maior parte dos produtores potenciais nesta expansão da indústria brasileira. Todos os contatos com os dirigentes tratavam das questões estruturais e estratégicas, sem entrarmos em detalhes operacionais que não competiam ao Presidente da Petrobras e aos CEOS das empresas.

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Os emails trocados apenas mencionam a existência destas potenciais reuniões, no caso específico da Odebrecht. Querer insinuar qualquer comportamento irregular a partir destas vagas menções é nada mais nada menos que ilação subjetiva, má-fé e tentativa de criação falsa de escândalos.

Se algumas das pessoas que participaram das reuniões tiveram comportamentos questionados, que a Justiça apure o caso específico e puna os culpados.

A simples existência das reuniões não pode substanciar as acusações.

Jose Sergio Gabrielli de Azevedo

COM A PALAVRA, A ODEBRECHT

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"A Odebrecht esclarece que os trechos de mensagens eletrônicas divulgados apenas registram uma atuação institucional legítima e natural da empresa, e lamenta as interpretações distorcidas e descontextualizadas. Como é de conhecimento público, nessa época havia um intenso debate no setor de Óleo e Gás sobre como o Governo Brasileiro e a Petrobras iriam se posicionar quanto às contratações necessárias ao desenvolvimento do pré-sal brasileiro. Neste contexto, com base em uma decisão de governo de se privilegiar o conteúdo nacional, foi criada a Sete Brasil e contratada a construção de 28 sondas por estaleiros brasileiros, o que representaria um marco de desenvolvimento para a indústria naval brasileira. Os e-mails aventavam a possibilidade de se discutir a matéria com executivos das empresas UTC e OAS uma vez que essas empresas viriam a se associar com a Odebrecht e a Kawasaki no Estaleiro Enseada, que terminou sendo contratado pela Sete Brasil para a construção de 6 sondas de perfuração."

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