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É hora de expandir a educação política

Por Marcela Machado e Murilo Medeiros
Atualização:
Marcela Machado e Murilo Medeiros. Foto: Divulgação

A política deixou de ser, inegavelmente, assunto restrito a especialistas. Engana-se quem pensa que deve ser pauta exclusiva de quem dedica a ela seu ofício. Bertolt Brecht, teórico alemão, postulou: a política está em tudo. Atreveu-se a caracterizar como analfabeto político quem se orgulha em dizer que odeia política, já que o fruto de seus debates e decisões impactam integralmente nossas vidas, o tempo todo.

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O despertar para a política, assim como a metamorfose de uma lagarta em borboleta, se deu através de um processo lento, doloroso, mas essencial: a adversidade nos alerta para necessidade da mudança; que algo está sendo conduzido de maneira errada. As jornadas de junho de 2013, há quem diga, foram o estopim desse processo.

Desde as manifestações de 2013, a população brasileira passou a se atentar mais para o debate público. Discutir política virou assunto principal na mesa de bar, nos encontros familiares, no ambiente escolar, no trabalho e, sobretudo, nas redes sociais. A instantaneidade no acesso e troca de informações através da internet foi e continua sendo um grande aliado nesse processo de reconceituação da política.

Apesar do amplo e crescente interesse, a verdade é que pouco se faz pela educação política no Brasil. A instrução cidadã é feita voluntariamente, através de informações desconexas e, por vezes, não verídicas, encontradas com a ajuda de um buscador de internet ou através do que é difundido via grupos de WhatsApp. Nas escolas, temas clássicos sobre organização do Estado, eleições, papel dos partidos, participação, legislação, direitos e deveres constitucionais, quando abordados, é feito de maneira bastante incipiente. Talvez pelo medo da instrução ser confundida com doutrinação, o que é, de certa maneira, o justo reflexo da falta que a educação política faz.

As recentes lives encabeçadas pela cantora Anitta para discutir o cenário político nacional com especialistas podem ser analisadas sob a ótica de uma sociedade ávida em compreender melhor os meandros da política. Mas faltam, porém, conhecimentos básicos. Quais os pilares da Constituição Federal, que é a lei fundamental e suprema do nosso país? Quais as atribuições dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário? O que é uma República Federativa presidencialista, sistema de governo adotado no Brasil? Qual a função de um vereador, de um senador ou de um deputado federal? Quais as diferenças básicas entre Câmara e Senado? O quanto sabemos sobre os instrumentos de participação e engajamento, para além do nosso voto, como o e-cidadania, democracia digital, projetos de iniciativa popular, sugestão legislativa, audiências públicas interativas?

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Quais são as engrenagens do processo legislativo? Como tramita um projeto de lei? O que é uma PEC ou uma Medida Provisória? Qual o significado de termos como obstrução e quórum para deliberação? Qual o papel das comissões parlamentares? Como essa engenharia afeta a nossa vida? O que é direita, esquerda, centro, centrão, baixo clero, base, oposição? Como caracterizar um liberal, conservador e progressista? O que é o fascismo, o socialismo e o comunismo?

A falta de conhecimento elementar sobre o nosso sistema político é justamente o motivo que afasta os cidadãos, sobretudo os mais jovens, do processo eleitoral. Por isso, talvez, que as agremiações suprapartidárias fazem tanto sucesso: investem na capacitação política de futuros candidatos, algo que os partidos políticos ainda estão começando a se atentar.

Não adianta apenas formar novos quadros para disputar as eleições. É igualmente relevante capacitar a população para escolher, de maneira mais esclarecida, seus representantes, aqueles que irão decidir pelo destino de toda uma coletividade por, no mínimo, quatro anos. A expansão da noção cívica é a ferramenta mais eficaz para fortalecer o indivíduo na sociedade e, principalmente, para combater o personalismo político, as fake news e a ascensão de figuras populistas. A educação política deve orientar o cidadão a tomar consciência dos problemas locais e participar da transformação do lugar onde vive. Quanto mais informada a população, mais acertadas serão suas escolhas e menos dependente de promessas eleitorais ela se torna.

Com eleitores cada vez mais instruídos politicamente, os candidatos também devem buscar se capacitar para exercer o cargo ao qual postulam. O trato com a coisa pública demanda bastante expertise e conhecimento acerca da função pública, papel que não deve ser relegado unicamente ao corpo de assessoramento do gestor ou do parlamentar. O eleitor passará a exigir dos candidatos e mandatários que eles estejam capacitados para lidar com a máquina pública. Os cidadãos estão, cada vez mais, se politizando e os candidatos também devem se atentar para a necessidade de se aperfeiçoarem.

A transformação da qual o Brasil precisa depende da promoção da educação política. Disseminá-la é prestar um precioso serviço para a democracia. Sem participação, não há solução. O atemporal Bertolt Brecht acerta, mais uma vez: "que continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem."

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*Marcela Machado é doutora em Ciência Política pela Universidade de Brasília, professora voluntária do Instituto de Ciência Política (UnB) e pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Comportamento Político, Instituições e Políticas Públicas (Lapcipp/UnB).

*Murilo Medeiros é cientista político pela Universidade de Brasília (UnB) e assessor legislativo no Senado Federal. É também embaixador do Politize, especialista do Instituto Millenium e pós-graduando em Democracia, Direito Eleitoral e Poder Legislativo. 

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