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Duelo de personalidades: uma análise sob a ótica de governança e compliance

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Por Gabriela Alves Guimarães
Atualização:
Gabriela Alves Guimarães. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Se durante uma crise de larga proporção, o CEO de uma empresa de capital aberto abandonasse o posto, provavelmente observaríamos a queda do seu valor de mercado, seguida da cobrança dos acionistas por explicações. Por analogia, verificaríamos o mesmo, em menor escala, se o Compliance Officer - profissional responsável pela observância das leis e ética nos negócios - entregasse o cargo. Em ambas situações, a instabilidade já instaurada ganharia proporções ainda maiores, com prejuízo não apenas à imagem da empresa, mas também à reputação dos profissionais.

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Não diferente acontece na gestão pública. No caso, na gestão do país, de seus 26 estados e DF, e diversas empresas públicas e de economia mista. Aqui, em analogia à iniciativa privada, a gestão seria de um conglomerado de empresas, o que é ainda mais desafiador, devido à amplitude do escopo de administração e diversidade dos "negócios" - o maior desafio é definir ações que atendam as particularidades das diversas frentes.

À semelhança da desvalorização das ações de uma empresa negociada em bolsa, o Estado também sofre com o "desgosto" dos seus stakeholders (que inclui, além dos sócios das empresas de economia mista, a sociedade civil, destinatária dos serviços públicos, e demais interessados, como outros países com os quais o Brasil faz ou intenciona realizar negócios, investidores, etc.). O resultado da instabilidade, hoje política e decorrente da pandemia da covid-19, é, grosso modo, o aumento do risco-país, que considera, dentre outros fatores, o ambiente político.

Tanto na iniciativa privada, quanto na Administração Pública, a "reconstrução" da imagem da empresa ou país dependerá do grau de confiança ou desconfiança das suas partes interessadas.

A polarização política ganhou contornos mais evidentes na última sexta-feira (24), quando o ex-magistrado Sérgio Moro pediu exoneração do posto de ministro da Justiça e Segurança Pública, comunicando ao país e a seu próprio Chefe, por meio de uma coletiva de imprensa, as razões da sua decisão. O pronunciamento do ex-ministro e apontamento das possíveis irregularidades da gestão do seu superior hierárquico deu novas conotações ao #SEXTOU.

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Se na semana passada Bolsonaro era tido como "o vaidoso", por ter exonerado o ministro da Saúde, após o último dia 24, esse adjetivo poderá ficar "colado" no ex-ministro. Ao menos até que outro protagonista político surja no cenário e "roube" o título.

Que Moro fez um trabalho exemplar na Lava Jato, é inegável. Foi devido as decisões de Moro, ratificadas pelos tribunais, que grandes empresários e políticos corruptos foram presos, o que permitiu a mudança real da percepção do brasileiro com relação à impunidade: a lei é igual para todos.

O alcance dos resultados da Lava Jato fez de Moro um símbolo internacional de combate à corrupção, mas também fez dele um provável político, ao menos esse é o anseio de parte de seus apoiadores.

Por outro lado, Bolsonaro que vinha alcançando resultados positivos para a economia do país, e tem seu mérito na escolha dos seus ministros técnicos, inclusive o próprio Moro, mostra dificuldade em manter seu clã afastado de sua gestão e, vez ou outra, revela indícios de destempero verbal, o que assusta a mídia, demais políticos, opositores e parte de seus eleitores. Na iniciativa privada, seria como se um CEO envolvesse seus familiares na gestão da empresa, orientasse suas decisões considerando os impactos e mesmo os interesses deles ou usasse de palavras de baixo calão com seus subordinados. Observaríamos, na situação, o "pipocar" de denúncias de potencial conflito de interesses e de assédio.

Enquanto uns veem Moro como um insubordinado, outros avaliam Bolsonaro como um tirano, havendo a possibilidade de entendimento oposto, seja em decorrência dos desdobramentos dos fatos, pela análise rasa ou ideológica destes, ou com base em notícias criadas, as #FAKENEWS. Fato é que ambos devem ser avaliados à luz da atual situação, porém "desvestidos" dos respectivos (ex) cargos, ou seja, como seres humanos que são. Também, adotando-se uma postura menos conflitiva e mais resolutiva, em outros termos, uma postura que busque o bem comum, a estabilidade política do país, essencial às ações que se farão necessárias à retomada do desenvolvimento econômico e à continuidade do combate à corrupção.

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Como pessoas, sem o endeusamento observado por fanáticos, tanto Bolsonaro como Moro são acometidos por pecados, como a vaidade, a inveja e a ira, que, em doses moderadas, como pondera alguns filósofos e psicanalistas, são inclusive saudáveis. Ocorre que, manter a natureza em ordem e controlar a compulsão pelo pecado, em razão da força que este tem principalmente em momentos de pressão, e quando a racionalização provoca uma cegueira exacerbada, é desafiador.

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Se Moro, por um lado, mostrou-se rígido em sua tentativa de ter uma vida completamente ética, por outro, mostrou-se fraco no controle da angústia gerada pela possibilidade de descumprimento do seu dever. Lado outro, Bolsonaro, mostrou-se aderente ao estágio religioso de Kierkegaard, segundo o qual o homem pode transgredir uma lei feita por homens, mas deve ser fiel às leis estabelecidas por Deus.

Ambos, na condição de líderes, pela pressão do próprio momento, que abalou o Brasil e o restante do mundo, vem ampliando o desemprego, o fechamento de empresas e deixando milhares de profissionais informais sem renda, devem dedicar atenção especial a estas características humanas, e não se deixarem influenciar pela racionalização própria ou trazida por terceiros, ou seja, pelo processo de classificar determinados atos como aceitáveis ou justificáveis.

Ser gestor exige bom senso e equilíbrio emocional para tomada de decisões difíceis, em alguns casos, que fogem ao comportamento padrão ou esperado dele. Isso porque o líder deve ter uma visão holística da empresa ou país, e entender que, paciência e visão estratégica são qualidades que viabilizarão ganhos/ conquistas maiores ou mesmo perdas menores.

Em momentos de crise, é preciso estratégia de guerra, o que significa que, é fundamental saber avançar ou recuar para garantir um resultado satisfatório e, em alguns momentos, inclusive, sacrificar um ou outro soldado, ou a si mesmo, aos próprios valores. Afinal, "os planos bem elaborados levam à fartura; mas o apressado sempre acaba na miséria" (Provérbios 21:5).

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Esse entendimento não significa negligência ou omissão do dever legal, mas o saber "COMO E QUANDO AGIR", inclusive porque, na atualidade, mais do que nunca, o gestor público precisa do apoio popular (aprovação de eleitores para o detentor de cargo eletivo, e clamor popular para aqueles dedicam esforços ao tratamento do câncer que é a corrupção) para atuar com tranquilidade e eficiência. Assim, e considerando que a honra é um conceito público, não basta ser ético, é preciso que o comportamento, e consequências dele decorrentes, seja reconhecido como adequado e seja aceito pela população.

Nesse aspecto, é impreterível ações coordenadas e colaborativas (mesmo quando há disparidade comportamental, de perfil de gestão e ideológico), além de aderentes à "nova ordem" e à "nova ética" devido ao estado de calamidade, de modo a alcançar um bem maior, e permitir o reestabelecimento do equilíbrio institucional.

A atual conjuntura exige ações emergenciais, que trazem consigo uma série de riscos de corrupção, pelo que enquanto o líder maior decide pelos recursos necessários ao atendimento, tanto de pessoas e empresas, como de estados e municípios (relativo ao repasse de recursos), aquele que está incumbido, dentre outras coisas, da defesa da ordem jurídica, pela verificação da regularidade das ações e aplicação dos recursos, deveria agir com parcimônia de forma a garantir a preservação dos princípios do estado de direito, bem como a continuidade das políticas públicas sob sua responsabilidade.

*Gabriela Alves Guimarães, advogada certificada pela SCCE/USA como CCEP/ I - Certified Compliance and Ethics Professional - International, com dual MBA em Business Administration pela FGV e Ohio University/ USA; diretora do Instituto Não Aceito Corrupção e sócia da empresa de consultoria FourEthics. É coordenadora e professora de cursos de Compliance na Católica SC, FIA, Instituto Butantan, LEC e Universidade Cândido Mendes

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