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Duas festas de libertação: de Mussolini a Bolsonaro

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Por Wálter Fanganiello Maierovitch
Atualização:
Wálter Maierovitch. FOTO: DENISE ANDRADE/ESTADÃO Foto: Estadão

Hoje, 25 de abril, é a festa de aniversário da libertação italiana dos 21 anos de fascismo e, também, da ocupação nazista.

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Este ano, a festa será atípica em razão do novo coronavirus. Mas, no interior de cada italiano democrata estará a ecoar o maravilhoso hino de liberdade intitulado 'Bella Ciao'.

Mussolini, em fuga para a Suíça, foi preso e morto num vilarejo da comuna de Tremezzina, próximo a Como. Foi, pela versão oficial ( a não oficial fala em julgamento sumário), alvejado por Walter Audisio, o comandante partegiano de codinome Valério.

Em Milão, na piazzale Loreto, o corpo sem vida de Mussolini restou pendurado de cabeça para baixo, conforme vetusta prática comercial em açougues: pendurar porcos para retalho. Ficou em exposição e virou alvo de escarros dos cidadãos antifascistas.

No Brasil e ontem, começou a festa de libertação do mandato presidencial de Jair Bolsonaro. Depois da fala de despedida do então ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, começou a desmoronar o governo do presidente Bolsonaro, eleito num momento de polarização. Um governo de matriz fascista. E golpista, como patenteado na manifestação de domingo passado, ocorrida defronte o Quartel General do Exército, com o silêncio obsequioso do general comandante Edson Pujol.

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Pela manifestação de Moro, inicialmente estribada em indícios com lastro de suficiência e logo após, como mostrado no Jornal Nacional da rde Globo, comprovadas por mensagens pelo sistema 'whatsapp' , o presidente Bolsonaro queria a troca do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, para, com um sabujo na funçao, poder, no seu interesse pessoal, saber de investigações em curso e agir para favorecer os seus filhos, 12 deputados suspeitos e quem mais fosse do seu interesse. Em outras palavras, Bolsonaro desejava se intrometer, manobrar investigações e informações de inteligência policial para tirar proveito . Não no interesse público, mas no interesse privado, familiar e político.

Bolsonaro, com tentativas anteriores frustadas, tentava, mais uma vez, descaracterizar a Polícia Federal como polícia de estado e a transformar em milícia pessoal, como na ditadura Vargas, que teve Felinto Muller à frente.

Essa sua atuação tipifica crime de responsabilidade. Foi violada a probidade administrativa, a retidão e honestidade imposta a um chefe de poder e de governo, consoante o nosso regime constitucional presidencialista.

Nos países civilizados, o governante não pode confundir o público com o privado, sob pena de enquadramento em crime de responsabilidade e em ilícito comum do Código Penal.

Assim, o impeachment do presidente Bolsonaro é imperativo absoluto. Tudo, evidentemente, observado o devido processo, a ampla defesa e o contraditório.

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Louve-se a resistência de Sérgio Moro ao não aceitar, sem justa causa, substituições na direção-geral e nas superintendências da Polícia Federal.

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Lógico, um ministro é agente da autoridade do presidente da República. Compete ao presidente ao governo e as indicações, só que para fins lícitos. Bolsonaro, que havia dado "carta branca" a Mora desejava abusar do seu poder para alcançar objetivos criminosos, ilícitos favorecimentos.

A replicada do presidente Bolsonaro foi focada na desmoralização do ex-ministro. Só que teve o impacto de uma bombinha infantil de festa de São João. Logo foi desmentida. Puro invencionismo bolsonariano o relato de Moro ter ofertado a troca do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, pela cadeira de ministro do Supremo Tribunal, na vaga que se abrirá com a compulsória aposentadoria do ministro Celso de Mello. Bolsonaro mentiu.

Sem ter esfera de cristal, a renúncia de Bolsonaro, a partir de ontem, deve ter entrado na cogitação de Bolsonaro ou de alguém com sanidade da sua proximidade. A renúncia representará a fuga de um humilhante impeachment que tem como consequência constitucional a perda de direitos políticos, salvo se, na presidência do julgamento perante o Senado da República (reservada ao presidente do Supremo) estiver um filo-bolsonarista, como aconteceu no impeachment de Dilma Rousseff, presidido por Ricardo Lewandowski, um filo-lulista e dilmista. Ou, como se diz no popular, de "carteirinha".

Logo depois da manifestação de Moro e da réplica do presidente, o procurador-geral da República requereu, junto ao Supremo, a abertura de inquérito policial. Uma leitura mostra uma peça desequilibrada: pende para incriminar Moro, incluído o seu interrogatório: e Moro não tem mais foro privilegiado. Mais uma vez, Aras usa o chapéu de advogado de Bolsonaro e não de isento procurador-geral, na defesa da sociedade e da Constituição.

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A peça foi protocolado no Supremo, mas com o foco em absurdos ilícitos cometidos por Moro. Dois exemplos: não está tipificado no Código Penal, como crime contra a Adminitsração da Justiça, o ilícito de obstrução de Justiça, como já decidido no caso Delcídio Amaral. Por outro lado, nas hipótese de crimes contra a honra do presidente da República, a ação penal é pública condicionada. Ou seja, condicionada à manifestação de vontade do presidente da República, com requisição de instauração pelo ministro da Justiça. No particular, Augusto Aras, não apresentou a manifestação do presidente e não era o ministro da Justiça, único com legitimidade para requisitar.

Num pano rápido. Duas datas marcantes. Duas festas, a brasileira ainda não terminada.

*Wálter Fanganiello Maierovitch, 72 anos, jurista, professor, conferencista, desembargador aposentado e Cavaliere della Repubblica Italiana

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