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Documento levado à CPI da Covid aponta superfaturamento de contratos de propaganda na pandemia

Contratos sob suspeita foram firmados pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Especial de Comunicação Social

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Por André Borges/BRASÍLIA
Atualização:

Uma nova denúncia encaminhada à CPI da Covid aponta diversos indícios de irregularidades em contratos firmados pelo Ministério da Saúde e a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República juntos a produtoras de vídeos para elaboração de material a respeito do impacto da pandemia.

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Uma petição assinada pelo deputado Elias Vaz (PSB-GO) e pelo senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), e que foi entregue nesta segunda-feira, 18, ao relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirma que, no segundo semestre de 2020, peças publicitárias de conteúdo simples e sem participação de celebridades foram contratadas pela Saúde e Secom a custos muito acima do que de fato deveriam custar, envolvendo centenas de pessoas e equipamentos que, segundo a denúncia, seriam injustificáveis.

O principal caso apontado no documento diz respeito a contratações feitas pelo governo Bolsonaro com a empresa Madra Mia Filmes. Em julho de 2020, quando a Secom era comandada por Fabio Wajngarten, essa empresa produziu dois filmes de 30 segundos para a campanha do Ministério da Saúde referente à retomada das atividades econômicas no País. A produção dos dois vídeos - que contêm testemunhos de empresários simples, sem participação de celebridades ou artistas de renome, tampouco efeitos especiais - custou aos cofres públicos o total de R$ 1,147 milhão.

Omar Aziz (sentado), presidente da CPI da Covid; Randolfe Rodrigues, vice (à esq.); e o relator Renan Calheiros. FOTO: EDILSON RODRIGUES/AG. SENADO  Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Ao analisar atentamente a planilha de custos unitários apresentada pela Madre Mia, os parlamentares afirmam que o elenco utilizado em um primeiro vídeo, composto de seis personagens principais e 11 figurantes, custou R$ 37,6 mil. O quantitativo de profissionais técnicos, no entanto, que teriam trabalhado na pré-produção, produção e edição desse material chega a nada menos que 115 pessoas, profissionais que custaram R$ 517.850,00.

"O valor gasto com os técnicos é 14 vezes superior ao elenco", dizem os parlamentares, no documento. "As planilhas de custos trazem indícios claros de superfaturamento, uma vez que, para justificar o gasto de R$ 1,14 milhão, a produtora requereu custos com técnicos suficientes para produzir um filme longa-metragem."

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A petição chama a atenção para o fato de o trabalho envolver pagamentos para diretor de edição, um coordenador de edição, dois profissionais finalizadores, dois profissionais de finalização (quatro para fazer o mesmo serviço), dois editores, dois assistentes de edição, dois profissionais de edição (seis profissionais para fazer o mesmo serviço) e mais quatro coloristas. "É incrível a quantidade de pessoas que foram necessárias para editar dois vídeos de 30 segundos", afirmam.

O documento chama atenção ainda para a cobrança de diárias de equipamentos como o "travelling", que é, de forma simples, uma câmera montada em um veículo sobre trilhos que permite a realização de imagens em movimento. "Nos vídeos, porém, não há cenas que indicam o uso do Travelling."

"Para produzir os dois vídeos 115 pessoas trabalharam (fora o elenco) na pré-produção, produção e edição. Esses profissionais estariam divididos em 6 equipes que viajaram até os estabelecimentos dos entrevistados. A planilha revela, porém, que houve a cobrança de apenas 5 diárias de hospedagem e 10 passagens de ida de volta, portanto apenas 5 pessoas viajaram até os entrevistados", informa a petição.

O ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten presta depoimento à CPI da Covid. Foto: Gabriela Biló/ Estadão

O material destaca ainda a cobrança de uma "taxa de produtora", de mais R$ 166.826,14. "Sem dúvida, há indícios claros de superfaturamento, uma vez que, para nós, a produtora selecionou todos os serviços e equipamentos utilizados em produções cinematográficas e os distribuiu aleatoriamente na planilha de custos com o objetivo de justificar o preço cobrado da União", dizem os parlamentares.

A Madra Mia Filmes integra um mesmo grupo empresarial que tem mais duas empresas citadas entre as supostas irregularidades, a Vapt Filmes e a Punch Filmes. No caso da Vapt, são apontados argumentos similares ao caso da Madra Mia que, segundo os parlamentares, teriam a função de ampliar o valor de um contrato, que chegou a R$ 650 mil para produzir cinco filmes de 30 segundos cada.

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Segundo a denúncia, o material veiculado se limita à "montagem de imagens", ou seja, edição sobre material já produzido. "Este é, sem dúvida, o caso mais escandaloso encontrado até agora, pois a Vapt Filmes teve a coragem de cobrar a contratação de 99 pessoas para realizar a edição das imagens, ou seja, a 'montagem'. Apenas os 99 técnicos de edição custaram R$ 419.300,00", informa o documento. Já o banco de imagem teve custo de R$ 117.900,00, enquanto o item "taxas" somou mais R$ 106.800,00.

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O documento traz ainda o caso da Constelação Filmes, que produziu três vídeos com as mesmas características de um material simples e sem uso de celebridades, mas que custaram R$ 1,070 milhão. A reportagem entrou em contato com a produtora, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

Nesta campanha, os recursos utilizados são oriundos da Medida Provisória 942/2020, que abriu créditos extraordinários em favor da Presidência da República, para que esta executasse campanhas de enfrentamento à pandemia da Covid-19 e mitigação de seus impactos.

Outro exemplo mencionado é o da empresa Registro Urbano Filmes, em que apenas um filme de 30 segundos sobre a "retomada das atividades econômicas com ênfase e exaltação do agronegócio brasileiro" custaram R$ 480 mil. Foram contratadas 94 pessoas para produzir um vídeo de 30 segundos. Esses profissionais custaram R$ 226.600,00 aos cofres da União. O valor gasto com os técnicos é 26 vezes superior ao custo do elenco, que não traz nenhuma celebridade. A reportagem não conseguiu contato com a produtora.

O Estadão questionou o Ministério da Saúde e a Secom sobre os apontamentos feitos pela petição e encaminhou o material na íntegra para que as pastas avaliassem as denúncias e se manifestassem. Não houve resposta até o fechamento desta reportagem.

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Fachada do Ministério da Saúde em Brasília. Foto: Jefferson Rudy/Agencia Senado

A empresa Madre Mia Filmes, que integra a Vapt Filmes e a Punch Filmes, declarou que "todos os valores cobrados, por serviços efetivamente prestados na produção dos filmes comerciais em tela, atendem aos parâmetros de referência (tabela de referência de valores/serviços que orientam a análise e a aprovação de custos de produção) estabelecidos pela Secom/PR e Ministério da Saúde".

Segundo a companhia, "os serviços em questão foram realizados em meio ao período de pandemia (determinando a adoção e implementação de novas práticas e protocolos de segurança)" e as produções ocorreram em tempo recorde, em diferentes regiões do país, simultaneamente.

A Madre Mia Filmes declarou que a denúncia é um "rascunho de 'petição'" e que, ao longo dos seis meses de trabalhos, oitivas e investigações da CPI da Covid no Senado Federal, os questionamentos levantados e "apresentados intempestivamente (ou seja, fora do prazo) à Comissão Parlamentar de Inquérito não foram feitos no canal normal e regular do foro apropriado: o plenário da CPI".

"Reiteramos: todos os valores cobrados pelos serviços efetivamente prestados na produção dos filmes comerciais em tela atendem aos parâmetros de referência da Secom/PR e do Ministério da Saúde. Se e quando provocados pelas devidas instâncias legais, a defesa de nossas boas práticas empresariais será feita e quedará comprovada", afirmou a empresa.

O senador Jorge Kajuru, que é jornalista, tem a maior parte de sua vida profissional ligada ao setor de mídia e produção de conteúdo para rádio e TV. O deputado Elias Vaz declarou que espera desdobramentos do caso dentro do Congresso e junto à CPI.

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"É escandaloso que, em plena pandemia, dinheiro público seja torrado indiscriminadamente e não para informar, proteger e auxiliar a população. São indícios claros de superfaturamento, que precisam ser investigados", afirmou Elias Vaz. "As irregularidades vão desde a cobrança de serviços que não foram prestados, passam por altos salários e número elevado de profissionais, equipamentos pagos e que não foram utilizados e a cobrança de valores muito acima dos de mercado."

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