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Doações por crowdfunding e seus desafios tributários

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Por Hermano Notaroberto Barbosa , Rafaela Canito e Gabriela Cavalcanti
Atualização:
Hermano Notaroberto Barbosa, Rafaela Canito e Gabriela Cavalcanti. Fotos: Divulgação  

As novas tecnologias e mídias sociais se tornaram aliadas importantes das entidades filantrópicas. Revolucionaram as formas de acesso e comunicação com doadores, permitindo que estratégias de arrecadação sejam feitas por meio digital com grande eficiência. Exemplos cada vez mais comuns são os programas de doação por financiamento coletivo, o chamado crowdfunding. Na contramão dessa evolução, nossas leis tributárias ainda trazem riscos merecem atenção.

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Versão digital das populares "vaquinhas", as doações por crowdfunding são implementadas usualmente por plataformas eletrônicas que intermediam a arrecadação em massa. Como qualquer e-commerce, elas conectam as partes interessadas, doadores e donatários, viabilizando o financiamento de projetos de entidades ou pessoas. Apesar de sua flexibilidade, o baixo custo de implementação faz com que o crowdfunding de doações seja alternativa particularmente eficiente para financiamento de projetos de pequeno valor ou em localidades isoladas, portanto com alto grau de capilaridade junto a quem precisa de ajuda. Como a maioria dos temas ligados a filantropia, esse tipo de doações também cresceu na pandemia do Covid-19. E com essa difusão também se acirraram as preocupações tributárias.

Doações em geral, inclusive via crowdfunding, podem ser tributadas segundo regras variam de um estado para outro, com alíquotas de até 8%. O imposto estadual sobre doações (ITD) incide conforme a lei do domicílio do doador. É comum que essas leis definam como contribuinte o donatário, quem recebe a doação, mas apontem o doador como responsável solidário se o imposto não for recolhido. Outros aspectos relevantes para fins tributários incluem o valor da operação, peculiaridades do donatário ou mesmo a localização do doador.

As plataformas digitais também devem estar atentas à legislação aplicável, considerando a totalidade das operações intermediadas, para verificação do tratamento tributário, potenciais riscos e formalidades instrumentais que podem ser exigidas pelos fiscos estaduais. Por exemplo, tem sido comum leis estaduais considerarem como responsáveis solidários pelo ITD pessoas que detenham a posse do bem transmitido por certo período de tempo ou que pratiquem atos relacionados à transmissão do valor arrecadado. Com variações maiores ou menores, embora sem se referirem às plataformas digitais, isso ocorre, entre outros, em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás.

Por seu alcance e características, campanhas virtuais de crowdfunding têm potencial parar gerar conflitos de competência sobre o imposto de doação, sobretudo se mal administradas. Isso porque doadores, donatários e plataforma podem estar localizados em estados diferentes, ou mesmo outros países, sem que isso impeça a captação de recursos para os projetos. Assim, bons primeiros passos prevenir discussões e gerenciar riscos incluem manutenção de cadastro detalhado de dados pessoais e domicílio dos doadores que utilizam as plataformas de arrecadação, além da adoção de regras contratuais claras sobre papel e obrigações do intermediário. Além disso, donatários e plataformas digitais têm o desafio de identificar se há normas de atribuição de responsabilidade solidária aos intermediários da operação e, em caso positivo, se haveria imposto sobre as doações realizadas, nos valores projetados.

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Muitos estados isentam de imposto as doações de pequeno valor. Mas não todos. Os limites variam de um estado para outro, podendo ser referir a operações ou à pessoa beneficiada. A depender do donatário, é possível ainda o afastamento do imposto por regras de imunidade, casos de associações de assistência social e de educação sem fins lucrativos, ou isenção, que em alguns estados beneficiam outras organizações sem finalidade lucrativa. Exemplos incluem as entidades beneficentes no Espírito Santo, as promotoras de direitos humanos e meio ambiente, em São Paulo, e associações de pesquisa e desenvolvimento científico no Rio de Janeiro. É comum ainda que a desoneração seja condicionada ao cumprimento de obrigações instrumentais, como envio de declarações e reconhecimento prévio da causa de dispensa do imposto. Esses requisitos devem ser conhecidos e atendidos pelas plataformas digitais, em benefício próprio e dos doadores.

A lei tributária brasileira ainda costuma olhar para um mundo analógico, contemporâneo de quando foi criada. Os agentes da economia digital têm o desafio de buscar nessas regras as respostas para os problemas atuais, evitando armadilhas e estimulando debates que permitam evoluções. Isso também vale para o financiamento do terceiro setor. Doações por crowdfunding parecem ter vindo para ficar, como alternativas eficientes para financiamento de projetos sociais de qualquer porte. É preciso atenção para que as regras tributárias estaduais não se tornem um entrave a campanhas de filantropia, quando o país mais precisa desse tipo de iniciativas.

*Hermano Notaroberto Barbosa é advogado e professor, Rafaela Canito e Gabriela Cavalcanti são advogadas. Os três são integrantes de BMA Barbosa Müssnich Aragão Advogados

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