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Doações à administração pública no Brasil face ao coronavírus

Por Raquel Maranho e Eric Hadmann Jasper
Atualização:
Raquel Maranho e Eric Hadmann Jasper. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Recentemente, foi publicado, no Diário Oficial da União, o Decreto Federal nº 10.314 que altera o Decreto nº 9.764/2019 e trata sobre o recebimento de doações de bens móveis e de serviços de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado pela administração pública federal, direta, autárquica e fundacional.

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Em face do cenário pandêmico e tendo em vista a eventual necessidade de doações emergenciais, principalmente se tratando de equipamentos hospitalares, de proteção ou de serviços de pesquisa e desenvolvimento necessários para lidar com essa situação, o decreto foi alterado para permitir a possibilidade de doações com encargos à administração pública, ou seja, o doador, pessoa física ou jurídica, poderá impor alguma condição para realizar a doação.

O oferecimento da doação com ou sem encargo à administração pública se dará por meio de cadastro no site Reuse, onde devem ser colocadas informações sobre a doação como a identificação do doador, a indicação do donatário, adescrição do bem móvel ou serviço a ser prestado, a descrição do encargo, se houver, dentre outras informações que garantirão a transparência da doação. Tais informações ficarão disponíveis no Reuse por 10 dias ou até que algum donatário indicado aceite a doação e o possível encargo.

A administração pública também poderá solicitar doações. Nesse caso, sempre sem encargos, por meio de publicação de edital de chamamento público, na hipótese de necessidade emergencial de algum bem ou serviço específico. Esse edital será publicado, obrigatoriamente, no site do Ministério da Economia e pelo portal de compras governamentais. As propostas serão avaliadas pela Central de Compras da Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, a qual divulgará o resultado da análise por meio do Diário Oficial da União.

Nota-se, portanto, que a administração pública permaneceu segregando as fontes por meio das quais divulga os editais de chamamento público, publica os resultados e o espaço em que os doadores possuem para oferecem os objetos das doações pretendidas. Essa segregação aparenta ser uma burocratização desnecessária e que pode gerar questionamentos sobre a transparência das doações à administração pública, visto que seria necessário consultar ao menos três canais distintos para acompanhar todas as doações que envolvam o poder público.

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No tocante às doações com encargo, a referida mudança ampliou as oportunidades para que pessoas físicas ou jurídicas possam legitimamente contribuir com o poder público e doar bens móveis ou serviços. Todavia, diante de uma situação em que uma pessoa jurídica queira doar parte da sua produção, mas não pode assumir os custos de transporte, se pode agora ofertar os bens móveis e impor como condição que o donatário busque o objeto da doação. Diante desse tipo situação, salienta-se a importância, para qualquer tipo de doador, de refletir e analisar os riscos associados à transação e registar todas as interações com a administração pública.

No que tange aos procedimentos para a formalização da doação, os decretos preveem que haja um registro distinto para cada tipo de doação. No caso em que a doação é ausente de ônus ou encargo para a administração pública, essa se dará mediante termo de doação ou declaração firmada pelo doador. Por outro lado, caso gere ônus ou encargo, a doação acontecerá por meio de celebração de contrato de doação. Ambas as regras são aplicadas para doações realizadas por pessoas físicas e jurídicas.

Nesse contexto de formalização, os decretos preveem a publicação de modelos para que se faça o registro, em que os modelos do termo de doação e declaração simplificada da doação, previstos no decreto anterior, foram publicados por meio de Instrução Normativa n° 5, de 12 de agosto de 2019. Entretanto, o modelo de contrato de doação, justo o objeto de formalização da doação com encargos, previsto no Decreto nº 10.314/2020, ainda não foi publicado. Atente-se neste ponto,a ausência desse modelo não significa que se pode ou que seja recomendado realizar qualquer doação sem o devido registro.

Vale destacar que este é um ano eleitoral em que podem ocorrer doações duvidosas possuindo caráter de interesse de autopromoção de candidatos ou organizações envolvidas na política. Se tratando em preservar a administração pública o Decreto nº 10.314/2020 prevê a vedação da divulgação da doação para fins publicitários ou autopromoção de pessoas físicas e jurídicas, sendo permitida a mera menção informativa do fato depois da entrega do bem móvel ou da prestação do serviço no site do doador. Neste ponto o decreto não especificou o tamanho ou como deveria ser a menção, a qual gera cuidado redobrado ao ente doador ao comunicador o fato.

Quanto aos cuidados a serem tomados pelo doador, é importante ser observado todos os riscos da transação e se a pessoa física ou jurídica está vedada por alguma das hipóteses apresentadas pelo decreto. Para a mitigação dos riscos indica-se (i) pesquisar sobre o donatário e seus administradores, (ii) levantar qual a legislação aplicável ao donatário, em nível municipal, estadual e federal, (iii) entender se a doação e doador atendem aos requisitos legais, (iv) identificar e detalhar minuciosamente o objeto da doação, de forma a não deixar obscuro o possível ônus, (v) registrar e seguir todos os procedimentos legais da doação, (vi) observar se existem políticas internas sobre doações, se possível criá-las, (vii) formalizar a doação por meio de termo de doação ou contrato e (viii) monitorar se a doação foi devidamente endereçada.

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Em vista do exposto, vê-se que a inovação na legislação de doações à administração pública no Brasil foi uma necessidade face ao combate do coronavírus, situação que, consequentemente, gerará severos impactos sobre a população, e que permitiu maior transparência e segurança jurídica para o doador que possui o legítimo ímpeto de contribuir diretamente com o poder público.

*Raquel Maranho é profissional de Compliance; Eric Hadmann Jasper é professor de Direito Econômico e Compliance do IDP e IBMEC

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